quarta-feira, 6 de julho de 2016

Eu referendo, tu referendas, ele referenda, nós...fazemos o quê?


Pessoas respeitáveis, supostamente experientes, seguramente sapientes e informadas vêm propôr várias iniciativas de referendo, não se vislumbrando sobre o quê, mas de imenso mediatismo próprio do proponente e do primor dos tempos. Porém quem o propõe (o os propõe) sabe que no ordenamento constitucional português um Referendo não pode reverter uma decisão sufragada pelo parlamento.
Quando o legislador assim legislou deu ao Referendo um papel supletivo às atribuições parlamentares. Isto não foi feito para menorizar a população, foi feito para garantir que as decisões tomadas pelos representantes do povo não fossem revertidas por plebiscito que poderia ser objecto de desinformação e manipulação de sentimentos e com isso criar um conflito de soberanias. Uma decorrente da Democracia representativa, em que os deputados estão investidos da representação do soberano, e outro o da Democracia plebescitária.
É por isso mesmo que o legislador vedou à figura do Referendo determinados assuntos e a revogação de decisões parlamentares. Aliás havia o historial, nomeadamente o francês do II Império e da IV República, frutuosos no uso e abuso do plebiscito como arma de ultrapassar o parlamento como corpo legislativo.
Assim o Referendo é uma forma supletiva de decisão para aquelas questões para as quais não há previsão nos programas dos partidos ou cujas opiniões trespassam as propostas partidárias.
Acontece que as diversas propostas sobre diversos assuntos relacionados entre si, mas de alcance diferente, recaiam nas duas situações em que a figura referendária é interdita no primeiro, por reverter tratados já sufragados pelo Estado Português com viabilização parlamentar, ou desaconselhável em virtude da clareza meridiana dos partidos em relação às temáticas supostamente a submeter a referendo.
Não quer dizer que não pudessem ter sido realizados, mas para o serem teriam de ter tido lugar antes de sufragados pela Assembleia da República. Agora apenas uma revisão constitucional permitiria essa situação. Porém coloca-se outra questão. Não só não é claro que existisse uma maioria na AR para viabilizar uma revisão extraordinária, como não é sequer claro que esse processo fosse desejável, quer pelos perigos que encerra da tentação de por arrasto alterar elementos fundamentais da Constituição, como pelos riscos de ser criada uma ferramenta de ultrapassagem das decisões parlamentares ao sabor da manipulação de interesses e sentimentos, (basta pensar nos direitos das minorias).
Assim aquilo que uns apresentam com grande estrilho e outros como inevitavilidade futura, não é senão uma impossibilidade material e cujos caminhos para tornar sequer possível encerram muito mais ameaças do que qualquer resultado possível que delas pudesse advir.

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