terça-feira, 11 de julho de 2023

A honra (constitucional) da farda



Não me revejo em lutas identitárias. As lutas identitárias servem para dividir os explorados em segmentos diferentes, dando alguma prebendas a estes e aqueles, inviabilizando a luta de libertação colectiva. Muito da mesma forma como fez o colonialismo tentando dividir os povos em tribos e jogando umas contra as outras garantindo a sua prevalência. Contudo nesta semana duas notícias obrigaram a que seja importante um comentário.
Os agentes da GNR que se “divertiram” a sequestrar imigrantes, e submetê-los a sevícias e torturas, estando fardados, em exercício de funções, dentro de instalações da própria Guarda – em violação flagrante dos artigos 22⁰, 25⁰, 26⁰ e 27⁰ da Constituição da República Portuguesa, foram reintegrados na Guarda, como se crimes de ódio fossem coisas de somenos importância.
O agente da GNR, apanhado numa aplicação de encontros, procurando em contacto de natureza homossexual, que por seu lado deveria estar protegido pelo artigo 13⁰ da mesma Constituição, foi suspenso, com perda de vencimento durante cinco dias (ou seja um quarto do seu vencimento mensal), sob o pretexto que estando fardado faltara ao decoro exigido e colocara em causa a integridade da instituição.
Comparando, o que esta actuação das chefias nos diz é que: É lícito e aceitável, deter, torturar, humilhar cidadãos nacionais ou imigrados em função da sua nacionalidade, língua, cor da pele, sem que a instituição ou a farda envergada seja posta em causa, mesmo em instalações oficiais. É colocar em causa a instituição e a farda, se se procurar um parceiro, ainda que não seja sequer nas instalações da instituição.
É lícito e aceitável ser-se polícia racista e agir-se desse modo. É indecoroso ser-se polícia e homossexual (pode até ser se for escondido, de forma profundamente hipócrita).
É verdade que a frase que o infeliz agente utilizou é pouco dignificante, mas à luz do comportamento dos seus colegas de Vila Nova de Milfontes, mereceria quando muito uma admoestação.
Como podem depois as chefias policiais exigirem que não se faça menção ao racismo quando assumem posturas abertamente favoráveis a estes comportamentos, e como podem esperar serem vistas como socialmente conformes à letra da constituição, portando-se de forma a sexista, racista e homofóbica, contrária à própria Constituição? Não podem! E mais que isso, nunca o poderão enquanto as suas chefias se orientarem por valores contrários e assim se comportarem nos seus procedimentos.
Como esperar que estes corpos policiais sirvam o povo? Se nem têm consciência da sua postura perante a Constituição da República que é suposto defenderem? Que nem tem noção dos direitos constitucionais dos seus elementos, nem dos direitos constitucionais dos restantes, não os cumprem nem fazem cumprir?
Não estão só expostos ao controlo pela extrema direita, vivem enquanto instituições ainda no espírito do fascismo ante-25 de Abril.