segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Niemayer - 100 anos com a revolução


Caricatura de Rafael Filho in rafacaricaturas.blogspot.com

Reprodução da entrevista de Oscar Niemayer à Folha de S. Paulo pela ocasião do seu centésimo aniversário. Abester-me-ei de comentários, dando primazia à obra e luta deste grande revolucionário, e á coerência como geriu o seu pensamento e acção durante este século da sua existência - A LUTA CONTINUA -

"Um dia a vida será mais justa"
Em entrevista à Folha, Niemeyer critica o exibicionismo das construções atuais, diz admirar as obras de Frank O. Gehry e Santiago Calatrava e defende o terceiro mandato para o presidente Lula

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Uma permanência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no poder em um terceiro mandato foi defendida pelo arquiteto Oscar Niemeyer em entrevista concedida à Folha por e-mail. Para ele, Lula deve continuar porque governa "a favor do povo" e "contra o intervencionismo norte-americano".
Com brevidade, o arquiteto faz o que chama de "balanço realista" de seus cem anos. Diz preferir não "falar da vida com o desprezo que ela merece", mas, por outro lado, cita o "futuro sem solução que o destino nos impõe". Mas demonstra otimismo com a possibilidade de uma vida "mais justa", quando, "com especial prazer", um cidadão "procurará ajudar o outro".
Para o arquiteto, as populações de Venezuela e Bolívia têm sentido nos governantes Hugo Chávez e Evo Morales, respectivamente, disposição para combater as "injustificáveis" pobreza e discriminação. Assim, não crê na hipótese de virem a ser derrotados.
Sobre a arquitetura de hoje, Niemeyer revelou-se espantado, negativamente, com "um certo gosto de exibição de materiais construtivos mais caros". Evitou comentar o trabalho de contemporâneos de renome como o norte-americano Frank O. Gehry e o espanhol Santiago Calatrava, a quem disse admirar.




FOLHA - O sr. imaginava que chegaria aos cem anos? Quais as vantagens e desvantagens de viver tanto tempo?
OSCAR NIEMEYER - Não. Meu balanço dessa trajetória é realista. Não sou pessimista, mas sim realista. Não quero me fazer incômodo e falar da vida com o desprezo que ela merece.
Lembrar a miséria, a violência, que crescem por toda parte, e esse futuro sem solução que o destino nos impõe. Prefiro pensar que um dia a vida será mais justa, que os homens não se olharão a procurar defeitos uns nos outros, como tantas vezes acontece. Que, ao contrário, haverá sempre a idéia de que em todos há um lado bom, uma dada qualidade a destacar (Lênin dizia que 10% de qualidades já seriam suficientes).
Nesse dia, será com prazer que um procurará ajudar o outro. É a solidariedade -que ainda não existe, de um modo geral- a prevalecer.

FOLHA - Em que o Brasil de hoje difere daquele que o sr. imaginava quando tinha, digamos, 30 anos?
NIEMEYER - Trata-se de um Brasil que talvez esteja mais consciente da urgência de se combaterem, com maior vigor, as mais graves disparidades sociais.

FOLHA - Que opinião o sr. tem a respeito da arquitetura moderna de profissionais como Frank O. Gehry e Santiago Calatrava?
NIEMEYER - É claro que admiro o talento desses colegas. Evito julgar os trabalhos de outros arquitetos. Cada um tem a sua arquitetura -deve fazer sempre o que gosta, e não aquilo que os outros gostariam que fizesse.

FOLHA - O que o surpreende na arquitetura hoje?
NIEMEYER - O que me espanta, isso em termos negativos, é um certo gosto de exibição de materiais construtivos mais caros.

FOLHA - Qual projeto o sr. considera que seja o melhor de sua autoria?
NIEMEYER - Não sei... Todos os meus projetos foram feitos com o maior interesse. Mas o projeto que estou desenhando para Avilés [Centro Cultural Oscar Niemeyer, na Espanha], talvez seja um dos que mais me agradam.

FOLHA - Que avaliação faz da possibilidade de um terceiro mandato para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva? O sr. é favorável à tese?
NIEMEYER - Eu sou, porque o governo dele tem se mostrado a favor do povo, contra a miséria, a violência e, principalmente, contra o intervencionismo norte-americano neste país.

FOLHA - Os governos de Chávez e Morales têm sido questionados internamente. O primeiro acaba de sofrer sua primeira grande derrota em nove anos, e Morales enfrentou grandes protestos nas ruas. São chamados de populistas e combatidos pelas camadas sociais mais abastadas. O sr. acredita na possibilidade de derrocada desse tipo de administração no continente, mesmo respaldada pela maioria da população?
NIEMEYER - Acho difícil que isso ocorra, porque nesses países o povo vem sentindo que pode ser mais apoiado contra essa pobreza e essa discriminação injustificáveis que o capitalismo espalhou por toda parte.

FOLHA - Já temos presidentes do sexo feminino no Chile e na Argentina. Nos EUA, Hillary Clinton está cotada para a Presidência. No Brasil, Dilma Rousseff é citada como possível candidata à sucessão de Lula. O que o sr. acha da presença cada vez maior da mulher em cargos do Executivo?
NIEMEYER - Julgo perfeitamente natural e justo que a mulher esteja à frente de qualquer governo. Não deve haver nenhum tipo de discriminação.

FOLHA - Além de arquiteto, o sr. é escritor e escultor. De que mais gosta na literatura e nas artes plásticas da atualidade?
NIEMEYER - Na literatura, é o predomínio de uma linguagem simples, quase oral.
Já nas artes plásticas... O que deve caracterizar uma obra de arte é o espanto, a emoção que ela provoca, e isso eu encontro em muitos artistas contemporâneos.