domingo, 10 de agosto de 2014

Morte para muitos - saúde a peso de ouro

Estou em crer que ninguém hoje tem dúvidas que os objectivos do Milénio no campo da saúde, não só não se cumpriram, não se cumprirão e se calhar ainda andarão os promitentes herdeiros do planeta à volta deles na alvorada do quarto milénio - mas também ninguém disse que os objectivos do milénio eram deste milénio, podem ser de um milénio qualquer que, por manifesta tacanhez e clausura de espírito, ainda não tenhamos tido capacidade de imaginar.
Em todo caso, milénios à parte, era importante saber como e porque não foram traçadas as metas objectivas desta realidade. Era também importante saber porque é que males que afectam a humanidade grassam livremente entre os de menos recursos e, quando a ameaça galga a pontos de poder afectar as gentes mais industrializadas e acumuladoras de riqueza rapidamente se descobre uma cura ou medicamento capaz de combater e debelar as ditas. Digo descobre não no sentido de encontrar ou sintetizar novo produto, mas para contrapor ao encobrimento que vários princípios activos sofrem nas mãos de multinacionais farmacêuticas até que o mercado de adquirentes seja suficientemente atrativo para as comercializar - veja-se que os desgracidinhos dos mais pobres dos africanos não têm uma gata para puxar pelo rabo quanto mais uma carteira capaz de condoer as farmacêuticas do seu sofrimento.
Lia nas notícias, referentes aos surtos de ébola, que os doentes norte-americanos transferidos para Atlanta, ou que já desenvolveram a doença nos EUA, estão a reagir bem - até melhor do que o esperado - à aplicação de um medicamento, classificado em experiência à mais de dez anos. Curiosamente durante estes anos várias erupções da doença aconteceram, com casos desesperadissimos que terminaram com o falecimento dos pacientes, sem que se tenha sequer testado nestes qualquer novidade medicamentosa. É claro não estavam no Estado da Geórgia mas no Congo, na Serra Leoa, na RCA ou qualquer outro ponto perdido no mapa africano.
Curioso também é o facto da morte de uma freira africana que trabalhava a apoiar doentes, enquanto o religioso espanhol que com ela trabalhava já se encontra transferido para Madrid para um vislumbre de cuidado e cura.
É mais do que óbvio que os objectivos do milénio, ou outros objectivos quaisquer que não obedeçam ao mercado jamais serão cumpridos ou os medicamentos testados enquanto as carteiras nas multinacionais não forem bem engordadas. Que nome se dá a quem nega um medicamento a outro ser humano condenando-o à morte? 

domingo, 3 de agosto de 2014

Não há superação do sistema que não passe pela Revolução

De cada vez que vejo a evolução da situação política e económica nos países onde por força de eleições se estabeleceram governos progressistas me convenço da correcção da reflexão ideológica que sustenta não ser através de eleições que podemos determinar as alterações necessárias a nível infra-estrutural para alterar a sociedade e as baias da condição de existência das várias classes mesmo que possamos inserir alterações importantes no seu modo de vida.
A obtenção do poder por via do sufrágio exige, frequentemente, um conjunto de alianças que supõe minorar objectivos, obliterar princípios programáticos e descurar praxís políticas, fruto necessidade de estabelecer convergências com sectores sociais muito diversos e por vezes com interesses conflituantes. De certa forma é como se arvorássemos em aliados estratégicos (os que partilham conosco objectivos similares de transformação social) aquilo que deveriam ser apenas aliados tácticos (aqueles cujos interesses pontuais -ou subjectivos- coincidem com os nossos num determinado momento da luta). Assim é transformar um momento táctico, o sufrágio, num momento estratégico, a obtenção do poder.
O poder obtido à custa de semelhantes sacrifícios e alianças encontra-se à partida limitado na sua acção transformadora pelos interesses dos "aliados" e uma vez ultrapassados fazem pender em favor dos adversários o peso desses "aliados", isolando-nos e impedindo a realização de uma política alternativa e transformando-nos em meros gestores do sistema, por muito boa que seja a nossa capacidade de gestão. Os exemplos do Chipre, da Venezuela e mais flagrantemente do Brasil, mostram muito claramente o que acontece quando se transforma em gestor o poder transformador e quanto se deixa claudicar perante o sufrágio aquilo que deveria ser um espaço de luta de preparação da revolução.
Deixamo-nos cair numa perigosa deriva eleitoralista, e isto é de facto um desvio de direita, quando assumimos que o valor de uma eleição permite transformar a sociedade do topo para a base. Errado. Sabemos pela experiência de vários processos progressistas idênticos que, estas transformações ou são de monta limitada e portanto toleradas pelo capital até um próximo sufrágio em que investirão pesadamente para garantir a sua derrota ou sucumbem à força da mais variada ordem, porém também ela financiada. Isto advém de não estarem alteradas as infra-estruturas económicas que suportam os regimes e de estas irem reagir de todas as formas.
Por outro lado, se o processo de alteração é revolucionário a alteração dá-se de baixo para cima, com o apoio dos aliados estratégicos, muitas das vezes com a oposição daqueles que se encontraram tacticamente conosco em outras ocasiões, mas em todo o caso com a a alteração da correlação do poder ao nível dos detentores "de facto" da infra-estrutura, colocando-a ao serviço das transformações necessárias.
É necessário portanto termos presente que o processo de transformação e alteração radical da sociedade não se pode produzir eleitoralmente, que as vitórias aí obtidas, por importantes eu sejam, tem um significado relativo (só indo tão longe quanto menor for o objectivo de transformação dos nossos aliados), que não teremos uma transformação económica e social vinda de um Parlamento e, se por acaso a tentarmos realizar neste contexto termos uma poderosa e muitas vezes fatal reacção do capital.
Não há transformação sem revolução, qualquer ideia para lá disto é confundir estratégia e táctica e abrir caminho a um desvio de direita de gestão de status quo e social-democratização.      

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

De notas e de moedas

Não deixa de ser perfeitamente expectável a indicação do nome de Carlos Moedas para ocupar um lugar de Comissário Europeu. O prémio a quem se comportou na aplicação das políticas de destruição da troika não poderia ser outro. Poderia isso sim ter ido para a Ministra Albuquerque mas, se assim fosse indiciaria que o Governo estaria já a pôr os tarecos a salvo para evitar a sua débacle conjunta. Mostra assim que, mesmo sabendo a vergonhosa saída que terá de cena está apostando em fazer o servicinho todo que lhe foi encomendado.
Esta quinta coluna que nos últimos anos tudo fez para destruir o país, e mais não fez porque até o Tribunal Constitucional, cuja visão é bastante enviesada, achou que o que já era demais "dava nas vistas" e tratou de pôr água na fervura. Pelo Presidente da República, que se comportou como o Governador nomeado pela potência colonial - e que mais não sabe ser que fiel lacaio dos interesses acima - tinha passado a tropa e a Guerra inteira que ele fazia vista grossa e ouvidos de mercador.
A boa nota concedida ao Moedas neste cenário só lhe podia granjear mesmo uma nomeação para comissário Europeu.
Posto isto outra pergunta fica. Um político, muito bem apreciado no burgo, quer na sua qualidade de Livre líder que por acaso tem, contrariamente a muito líder político por aí, uma cronicazinha dia sim dia não para livremente perorar sobre as virtudes de uma UE bem orientada - ou não fosse ele emérito ex-representante no augusto hemiciclo desta extraordinária União - dizia que um Comissário tem um extraordinário poder na sua área de afectar a vida de milhões de pessoas com as suas propostas. Não se retira qualquer grau de verdade a esta afirmação. O que se retira isto sim é que como é da responsabilidade dos Governos a indicação dos Comissários, e os Governos, como o nosso, já mais que provas deram de não respeitar nem as suas promessas eleitorais, quanto mais o povo, mostrando estarem sistematicamente ao serviço dos interesses externos, nomeadamente da Banca, como quer o insigne membro da inteligenzia nacional reformar a União?
É que como se denota o problema não é de Moedas, mas de notas.