sábado, 24 de setembro de 2016

O argueiro nos outros e a trave dos nossos


É costume dizer-se que mais complicado do que a mala de uma senhora é a sua cabeça. É mentira! As cabeças delas funcionam bem e, exceptuando algumas poucas, está muito bem arrumada. O mesmo normalmente não acontece com quem não consegue entendê-las. Porém se com as mulheres isso não acontece com os dirigentes de alguns povos o desarranjo é evidente.
A lei de Interrupção Voluntária da Gravidez na República da Polónia era já uma das mais restritivas da Europa. Ainda assim a maioria dos seus parlamentares decidiu torná-la na mais retrógrada.
Se antes, e com o conhecimento geral, os mesmíssimos médicos que evocavam objecção de consciência nos Hospitais Públicos, disponibilizavam a IVG nas clínicas privadas, a troco de elevadas quantias. Agora já nem vão precisar evocar nada para poderem meter ao bolso uns bons milhares de Zelotis, uma vez que o aborto passa a ser proibido excepto para o perigo de vida da mãe.
Os pios e santos deputados e deputadas entendem que só o amoedado passado por baixo da mesa, por quem o pode pagar, lava com a beatitude da água benta esse pecado que só aos ricos é possível perdoar. 
Às pobres reserva-se o destino de lançar ao mundo inocentes mal amados, deficientes em diversos graus, ou a morte, a esterilidade purgatórias das suas faltas, ou a prisão espiadora do pecado de porem termo a uma gravidez que não poderiam material ou emocionalmente suportar, evitando um rol de nascidos mal amados, condenados esses sim ao abandono, ao orfanato, ao tráfico e quiça a destinos piores.
Não isso às boas cabeças e santas almas nada diz, pois estão abrindo à força do sofrimento alheio às portas do paraíso a milhões de mulheres polacas , obrigando-as a aceitar esse piedoso desiderato mesmo que nele não estejam interessadas. 
Valha-nos Deus que ainda enchem a boca para afirmar o Estado Islâmico medievo. E então e eles? 

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Babete e perninhas curtas


Li hoje num jornal aquilo que há muito acreditava impensável. Tinha ouvido este argumentário quando era ainda criança e com o tempo pensei que de tão pueril tivesse sido abandonado, deixado aos jardins-escola, por entre brincadeiras de cabra cega e um-dó-li-tá.
Um jornalista, blogger, e colunista de um jornal de referência dizia, esperemos que venha a confessar a brincadeira sob o risco de começar a acreditar que os meios de comunicação estão infantilizados, que o Bloco e o PCP não se importavam com os pobres, queriam nivelar por baixo e, por isso, atiravam-se fiscalmente ao dinheiro dos ricos.
Ouvi também outros dislates do mesmo calibre, por um insigne Professor de Economia, chamando ao imposto sobre o património de fiscalidade da inveja....
E, para cúmulo li um ex-ministro dizendo que o governo de Passos-Portas foi social pois poupou os mais desfavorecidos aos sacrifícios da Troika.
Bastou um estudo da insuspeitissima de qualquer amizade, proximidade, ou sequer leve ligação à esquerda Fundação Francisco Manuel dos Santos para pôr a nu a desonestidade de todas estas afirmações.
Se durante o consulado PSD/CDS-PP os mais desfavorecidos perderam quase 25% do seu rendimento, por comparação aos 16% dos mais ricos, e pensando no que 24% significam em 400 ou 500 euros, comparando com o significado de 16% em cem mil, faz pensar? Onde está o nivelamento por cima, se o rendimento dos mais ricos passou a aumentar quase 10% mais do que o dos pobres? Onde está a inveja quando por via fiscal se tenta mitigar um fosso que aumenta em mais de dez pontos percentuais em desfavor dos que menos têm? Faria até sentido equilibrar por cima procedendo-se à discriminação positiva dos rendimentos, invertendo o diferencial da perda. Ou seja fazer quem já tem "empobrecer" um bocadinho mais de que quem menos tem.
Por fim o dislate do ex-ministro nem vale a pena desmontar, porquanto a evidência dos números recai directamente sobre as suas afirmações.
Tudo o que acabei de dizer não tem nada de assalto ao céu, de tomada do Palácio de Inverno, de assalto à Moncada e menos ainda com qualquer ideia Juche. É actuação social-democrata, banal e corriqueira... E no entanto os propalados defensores do "nivelar por cima" nem sobre o mínimo de justiça social querem falar sem que comecem a volsar sandices e aldrabices. 

sábado, 10 de setembro de 2016

As sombras



É caso raro dedicar entradas a pessoas neste blog. Especialmente quando delas tenho uma opinião muito fraca. Porém agora é imperativo, e é imperativo porque se deixamos o monstro crescer ele acaba por se tornar incontrolável na destruição que provoca.
Vem isto a propósito da entrevista à SIC do Juiz Carlos Alexandre. O Juiz Carlos Alexandre, modesto filho de Mação que chegou à magistratura por esforço e a pulso, sentiu não obstante estes méritos necessidade de vir alardear em praça pública a sua dedicação ao trabalho, a impolutabilidade do seu comportamento e a austeridade da sua vida.
Porque sentiu necessidade de o fazer? Alguém as havia posto em causa? Ou intenta mostrar-se como um modesto homem de província, frugal e austero, impoluto e incorruptível, émulo a uma certa imagem de uma outra personagem de antanho e de Santa Comba que, apesar do maquiavelismo e perfídia, ainda sobrevive no imaginário de parte de um povo bastante desinformado sobre a sua verdadeira natureza.
Por cima, não contente, e dizendo sempre não comentar processos, não faz outra coisa do que lançar indirectas, universalmente perceptíveis, sobre os mesmos, espalhando uma atmosfera de pressão velada com a finalidade de atingir os fins que ele próprio almeja.
A sua acção mostra bem que a atitude que devemos ter perante homens que lançam sobre si mesmos  encómios de seriedade e rectidão é de desconfiança, pois logo de seguida lançam melifluamente o veneno do seu propósito. 
Estes homens são a sombra de má memória de 48 anos de escuridão e o seu passo deve e tem de ser travado.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Golpes. Uns existem outros não.


Não se deve dar relevo ao que relevo não tem. No entanto as tentativas de baralhar e confundir o próximo não devem nem podem passar em brancas nuvens.
Escrevia no jornal "Público", e desculpem-me enunciar pela primeira vez o órgão a que me refiro, um leitor, uma carta muito polida procurando de uma forma amável argumentar que a destituição da Presidente Dilma nada tinha de golpe, chegando a compará-la com a queda do falhado governo Passos-Portas que o então Presidente da República intentou logo a seguir às legislativas.
É bom que se diga que nenhuma destas coisas pode colher.
O sistema de Governo Brasileiro é um sistema presidencial. O Presidente é eleito por voto universal directo e secreto, escolhendo então a sua administração para gerir a coisa pública. Cabe ao poder legislativo, além de elaborar leis, fiscalizar o Governo, no respeito pela soberania nele depositada pelos eleitores. O "impeachment" (destituição por impugnação) só deve ser utilizado em face de uma alteração grave da ordem constitucional, ou seja, quando o Presidente afronta o texto fundamental.
As chamadas "pedaladas fiscais", que não irei explicar de novo, não são alterações da ordem constitucional. São delitos orçamentais cujo pronunciamento do Congresso não poderia alcançar a destituição do cargo Presidencial. Além disso tudo o que Deputados Federais disseram no Plenário tinha a ver com o julgamento à luz de uma opção ideológica e não com um acto judicial.
Procurar dizer que o que seria considerado um delito menor tem dignidade de subversão da Constituição Federal é desconhecer quer a natureza dos actos, quer a Constituição Federal.
Donde os argumentos utilizados carecem de legitimidade.
Comparar com o acontecido em Portugal é, no mínimo "baralhar as estações".
Em Portugal o sistema é semi-presidencialista, ou seja pese embora eleito em sufrágio directo e secreto, não cabe ao Presidente formar uma administração. Esta prerrogativa cabe ao Parlamento (não ao Primeiro-ministro que na ordem jurídica e constitucional portuguesa não é nem nunca foi eleito, donde não lhe cabe nenhuma parcela da soberania excepto a que lhe é outorgada pelo Parlamento).
O Parlamento, esse sim soberano, pode consoante a sua correlação de forças, aceitar ou recusar o candidato proposto pelo Presidente da República, por motivos de opção política e não outra, uma vez que não lhe cabe julgar o Primeiro-ministro ou sequer o Presidente por motivos jurídicos.
Donde a diferença é substancial. O Presidente brasileiro tem delegação de soberania própria, o Primeiro-ministro português não tem; o Congresso Brasileiro não pode destituir o Presidente por motivos de opção política. A Assembleia da República Portuguesa  pode recusar o programa político do Primeiro-ministro implicado a queda imediata do Governo; A decisão do Senado brasileiro tem assim uma consequência jurídica, por julgar um crime (está investido para o julgamento do "impeachment" de poderes judiciais, sendo presidido nesse momento pelo Presidente do Supremo Tribunal), a votação de moções de rejeição por parte da Assembleia da República não se reveste de nenhuma consequência de ordem criminal (a AR não tem em nenhum momento qualquer poder judicial).
Estas diferenças são essenciais para se perceber que: 1- O Congresso Brasileiro extrapolou os poderes de que está investido, transformando um delito fiscal numa responsabilidade de alteração da ordem constitucional. 2- As situações da queda do Governo Português e a destituição da Presidente Dilma Rousseff não podem ser analisadas como se se tratassem de questões da mesma natureza e ordem jurídica. 3- A Assembleia da República Portuguesa agiu totalmente dentro dos seus poderes e observando as normas constitucionais em vigor.
Concluindo: A destituição da Presidente Brasileira foi levada a cabo por motivações políticas a coberto da subversão do ordenamento jurídico e Constitucional da República Federativa do Brasil, constituindo de facto, um Golpe de Estado, porquanto foi desrespeitada, por motivo constitucionalmente ilegítimo, a soberania popular consagrada na Constituição Federal.
A rejeição, sob forma de moção, por parte da maioria dos deputados da Assembleia da República Portuguesa do programa do XX Governo constitucional, implicando a queda do mesmo, processou-se respeitando as normas constitucionais portuguesas e observando o respeito pela vontade maioritária do povo soberano expressa em eleições, não existindo portanto subversão ilegítima da vontade da soberania popular, donde não existe neste caso qualquer fundamento na alegação de golpe.