sábado, 8 de maio de 2010

A trágico-marítima

Este texto foi publicado no Registo



A primeira estrofe do poema de Henrique Lopes de Mendonça que, sobre música de Alfredo Keil, se tornou em 1911 Hino Nacional – “A Portuguesa”, começa com as palavras Heróis do Mar, Nobre Povo. Não seria de estranhar, portanto, que volta e meia, quando nada mais há a enaltecer ou a propor aos portugueses, as vozes se soergam e tonitruantes proclamem a nova epopeia nacional.

Não foi então com grande surpresa que se escutou o Presidente da República apelar, em plena comemoração do 25 de Abril, ao regresso ao mar, seguramente saudoso dos
horizontes natais, após um imprevisto périplo pelo interior do continente, força de um malfadado vulcão islandês que o teimava em não deixar regressar ao pátrio rincão.

- Magnifico – Gritaram uns. – Sábias palavras, apelando a uma nova gesta – Reforçaram outros. Outros, ainda mais sagazes, relembraram a importância do hiper-cluster do mar, e como isso se relaciona bem com a expansão da nossa zona económica exclusiva, tornando imensa a nossa pequenez territorial, e colocando nova lança em África da nossa lusa investigação marinha e desse importante recurso que são as pescas.

No meio de tanta serpentina e confetti, esqueceram os arautos da nova ocidental praia lusitana, que aqueles que hoje elevam e salientam a importância do Mar e seus recursos, haviam já negociado com a União Europeia a passagem da gestão desses mesmos recursos biológicos para o domínio exclusivo de Bruxelas. É verdade. Para quem se dê ao trabalho de ler o que os nossos negociadores aceitaram, está lá o Título I, alínea d, do artigo 2-B, que reza ser competência exclusiva da União: A conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da política comum das pescas;

Mas não bastante, foram os mesmos detentores de poder que em tempos negociaram o abate da frota pesqueira, responsável pelo afundamento da nossa indústria, em detrimento de frotas estrangeiras, muito maiores e muito mais destrutivas para os nossos recursos pesqueiros.

Foram ainda os mesmos que aceitaram propostas de instalação de aquaculturas intensivas, que haviam sido contestadas pelas populações e pelos ambientalistas e finalmente chumbadas, nos seus países de origem, e que são potenciais causadoras de
prejuízos na nossa costa, cuja amplitude está ainda por determinar.

É bom lembrarmos, se esquecidos estivermos, que a proposta de ampliação da zona económica exclusiva é uma ideia velhinha de anos e que é retomada de cada vez que se avizinham contestações das situações criadas pelas comunidades piscatórias. E que a última vez que havia estado sobre a mesa foi quando se intentava precisamente retirar os recursos marinhos da gestão nacional.

Assim, a grande gesta do mar, que é agora tão festejada, não passa na realidade de mais uma página da história trágico-marítima, em que de há anos nos vemos embrulhados. O Mar é grande, mas qual mar se já não temos nenhum?

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