quarta-feira, 12 de maio de 2010

Roosevelts ao espelho


Este texto foi editado originalmente no Registo



É do conhecimento geral que quando nos olhamos no espelho este retorna a nossa imagem reflectida, de forma que todos os pontos estão invertidos tal como se fossem a mão direita diante da esquerda. Ou seja como se a esquerda do reflexo fosse a nossa direita e vice-versa.



É do domínio histórico que quando a grande depressão dos anos 30 se instalou nos Estados Unidos, o Presidente Franklin Delano Roosevelt recorreu a uma série de instrumentos políticos, baseados nos princípios de assistência, recuperação e reforma, que ficaram conhecidos como “New Deal”.



Os princípios deste projecto baseavam-se na dignificação do trabalho, promovendo o reforço dos sindicatos, nas grandes obras públicas que não só absorviam a mão de obra, como reforçavam a produção nacional, através da incorporação de materiais produzidos localmente, e ainda dotavam o país de infra-estruturas necessárias a promover o mercado interno e a sua recuperação.



É certo que estas políticas foram sempre detestadas pelas facções mais reaccionárias do poder económico Capitalista que, sempre entendeu, que os fundos arrecadados pelo Estado através dos impostos deveriam servir para os salvar a eles directamente e não para a promoção de politicas de alcance social e regulação dos negócios que, acabariam também por salvar o sistema.



A verdade é que a velha escola do Capital, apesar de ter sido salva desse modo, odiou profundamente a intervenção social do Estado e na primeira oportunidade a desvirtuou e desmembrou grande parte da regulamentação criada de forma a poder apropriar-se rapidamente dos recursos e ganhos da produção.



Como é óbvio e pese embora reconheça nas politicas do “New Deal” um avanço civilizacional muito positivo, dentro do principal centro do Capitalismo monopolista, não creio que estas políticas fossem o rumo para a humanidade. É no entanto necessário reconhecer que elas mitigaram o efeito da depressão e que o Estado Norte-Americano funcionou como motor de arranque da economia permitindo a chamada retoma.



Passados oitenta anos sobre estes acontecimentos, a maioria dos políticos no nosso país – mas também em vários outros – funcionam como uma espécie de Roosevelt no espelho. Ao contrário de fomentarem a economia utilizando os poderes que o Estado detém e as obras que pode lançar, incorporando mão-de-obra e produção nacional, reactivando sectores da nossa indústria e as possibilidades tecnológicas. Em vez de fomentarem as possibilidades de aumentar a circulação de bens dentro do território nacional. Em lugar de injectar dinheiro do Estado nas mãos dos consumidores reactivando assim a procura interna. Que fazem eles? Procuram travar os investimentos públicos nacionais, a pretexto de que não se pode gastar as verbas do Estado.



Mas as verbas do Estado servem para quê se não para investir no país e aumentar as suas capacidades? Seguramente para o que nunca deveriam ter servido era para socorrer um sector financeiro que havia sido o coveiro da sua própria situação graças á sua ganância.



No frigir dos ovos aquilo que verificamos é que a maioria da nossa classe política tem a visão da gestão da coisa pública como se contabilidade de mercearia se tratasse e não como capacidade de promover o bem-estar da população. Não sabem que sem dinheiro não há consumo, sem consumo não há produção, e sem produção não há excedentes comerciáveis para o exterior. Não sabem, ou parecem não saber, que se há inflação não é porque haja excesso de dinheiro nas mãos dos consumidores, mas falta de produção própria de bens.



Se calhar melhor servidos estaríamos se nos deixassem as suas imagens nos espelhos.

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