segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Ó escolas, semeai! Pela sementeira espera a cega humanidade.


Escola Secundária de Gil Vicente - foto de Hélder Cotrim

A quem passaria pela cabeça que no ano do centenário da proclamação da República uma das suas maiores conquistas – A Escola pública, estaria a passar por uma situação tão delicada, correndo mesmo o risco de desaparecer dentro dos anos mais próximos.
O desinvestimento no ensino público, não é segredo, vem sofrendo um agravamento nos seus vários níveis, patrocinado pelos sucessivos governos constitucionais, com especial ênfase dos anos oitenta a esta parte.
As várias reformas curriculares, a retirada de dignidade da profissão de professores, a falta crónica de fundos para a reabilitação do edificado e a renovação do material didáctico e mesmo as alterações que romperam com os mais básicos princípios democráticos, deixando sem voz nos órgãos directivos e pedagógicos os alunos, corroeram a qualidade do ensino público e só artimanhas várias impediram que ficasse à vista que vamos tendo camadas da população cuja preparação e capacidade crítica é gradualmente decrescente.
Os planos de reabilitação e recuperação do parque escolar eram, nesta segunda década do século XXI, absolutamente imprescindíveis, sob o risco de dentro de algum tempo nem espaços minimamente aceitáveis termos para a nossa população estudantil, e digo minimamente aceitáveis porque condignos foi coisa que não me lembro de terem alguma vez chegado a ser nestes últimos trinta anos.
A criação de uma empresa pública para a recuperação do parque escolar era, não obstante, apenas uma forma de retirar esse item do Orçamento de Estado, mas pior que isso era também uma forma de escapar a procedimentos transparentes nas empreitadas de concepção das obras a realizar. O mal seria ainda assim o menos se as obras realizadas fossem conformes às necessidades, porém, na grande maioria dos casos não foi o que aconteceu e a lista das escolas em que o espaço intervencionado se degradou logo em seguida é enorme, com tectos a cair, soalhos levantados, torneiras deficientes, sistemas de aquecimento deficientes, etc, e isto sem contar com aquelas em que as próprias obras destruíram as escolas que tinham um projecto antigo mas de qualidade funcional.
A culminar toda esta situação, ficou agora claro o porquê de passar a propriedade destas escolas para a empresa Parque Escolar. Por um lado porque é mais fácil a esta empresa alienar estes espaços, sendo medonho pensar que se pretende vender as escolas situadas nos centros das cidades, locais onde o preço do solo é alto – tal como se fez com quartéis e hospitais, mas mais monstruoso ainda é pensar que se possa privatizar toda a empresa, passando para interesses ligados ao lucro a propriedade escolar e com isso permitir influências externas na educação, com alta probabilidade as mesmas que se pretenderam afastar com o advento da República. Seguramente o que não cabe na cabeça é que seja para melhor concessionar os espaços de bar ou papelaria que, tanto quanto me lembro, serviam para suprir as necessidades dos estudantes a preços módicos e, portanto fora de qualquer interesse comercial.
Quem diria que haveríamos de estar neste ponto cem anos depois, mas com certeza calculo o que diriam aqueles que se dedicaram afincadamente à causa do serviço público - Ó escolas, semeai! Pela sementeira espera a cega humanidade.


original em "Registo"

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