segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A Participação Pública e a Luta das Populações



A origem da palavra público está intimamente associada com a da palavra povo, donde a ideia que a participação se pode fazer separando as opiniões dos anseios e aspirações populares, ou das suas lutas, não é apenas insensata, é a tentativa de utilizar ferramentas que deveriam ampliar a expressão da vontade popular, para limitar e enfraquecer a própria dinâmica das lutas e reivindicações.
A distorção dos resultados entre a participação realizada através da reivindicação e a obtida por processos institucionalizados é fruto da diferença entre verdadeira participação e simulacro manipulado ou manipulável, cujos resultados estão à partida determinados ou são largamente previsíveis.
A luta pela melhoria do sistema de transportes públicos, que tem início com a primeira reestruturação da rede da Carris, pese embora as importantes consequências sociais desta reestruturação, desenvolveu-se muito lentamente, tendo tardado um pólo que organizasse e federasse os descontentamentos que foram surgindo em toda a Cidade.
Este compasso de espera foi gerado pela expectativa de uma reacção institucional aparentemente hostil a esta reestruturação e criou dificuldades acrescidas na acção. Assim a mobilização decorreu separadamente, sendo que apenas a segunda fase desta reestruturação permitiu unificar quatro comissões de utentes, com enraizamentos diversos, e o apoio de mais algumas comissões de utentes na cidade.
A reacção, e recusa por parte da CML em dialogar ou sequer reconhecer a Entidade formada a partir da base, criou dificuldades que, não obstante, permitiram a obtenção de algumas alterações aos planos iniciais da Carris.
Da mesma forma, as lutas pela preservação dos grandes espaços verdes, embora agregando populações locais respaldadas por Associações Ambientalistas, vem enfrentando uma reacção crescente por parte da CML, que se traduz neste caso não na falta de reconhecimento, pese embora também suceda em certos casos, mas em grande medida na tentativa de desacreditação e mistificação falaciosa dos argumentos apresentados, recorrendo aos meios de comunicação social e a autoridades na matéria em larga medida comprometidas com os projectos em causa, escamoteando contudo essa condição.
Joga em favor desta luta a capacidade de mediatização das associações, que expõe publicamente o facto do poder instituído ter vindo a ser muito mais reactivo, demonstrando em relação às diversas plataformas uma hostilidade muito evidente, motivando uma maior resistência e portanto uma mobilização crescente e mais crispada.
Resultados obtidos aparentemente superiores, com o abandono de diversos projectos, têm no entanto conduzindo à substituição de cada projecto abandonado por outro de natureza similar, produzindo um combate desgastante e prolongado no tempo, cujos resultados finais são incertos.
No extremo oposto, o orçamento participativo, cujo modelo adoptado subverte a participação efectiva da população, limitando-a e diminuindo-a, vem sendo alcandorado a expressão de exemplo da gestão transparente e participada. No entanto, e o orçamento participativo da Câmara Municipal de Lisboa é paradigmático deste sistema, a participação não só não é universal, limitando-se aqueles que tem acesso à internet, explicito na votação de cerca de 900 cidadãos, menos do que os inscritos numa só mesa eleitoral de algumas freguesias, como facilmente se verifica que pequenos, mas bem organizados lobbies podem, nestas circunstâncias, determinar uma parte importante da política urbana, sem sequer a garantia que venha a ser sequer avaliada a exequibilidade ou pertinência das propostas eleitas – veja-se como exemplo o primeiro orçamento participativo, em que a tentativa de concretização dessas propostas conduziu em muitos casos à contestação local organizada, como no caso da ciclovia em Alvalade cuja conclusão ficou adiada em virtude do abaixo-assinado e conferência de imprensa local, desenvolvida pelos elementos da CDU em consonância com as populações.
Na mesma linha se encontram as reuniões descentralizadas que, de acordo com a propaganda local, levam a uma maior aproximação dos eleitos às populações, mas que são de facto uma falácia alicerçada na falta de clareza dos critérios utilizados na inscrição dos intervenientes, não dando, efectivamente, respostas de trabalho aos problemas concretos. Estas reuniões limitam-se assim a um papel de catarse pública em relação à actuação da CML, o que sendo de boa visibilidade em termos mediáticos, é pouco procedente na solução dos problemas dos cidadãos.
Não se pode no entanto dizer que quer um modelo quer outro não apresentem virtudes que poderiam ser utilizadas em prol da população. Universalizando-se a participação no orçamento com debates públicos, informação e divulgação local, e veja-se o processo de orçamento participado de Carnide, ou realizando reuniões locais, após trabalho aturado de identificação dos problemas, podendo-se promover uma politica de proximidade participada, minorando ou mesmo eliminando a interferência de grupos de pressão ou a manipulação das soluções encontradas.
Tal como estão, estes modelos de participação servem apenas para iludir, manipular expectativas e impedir a concretização dos anseios das populações locais.


Intervenção originalmente apresentada no Encontro do PCP sobre o trabalho autárquico no Distrito de Lisboa - Fórum Lisboa - 30-I-2010

Sem comentários: