segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Harakiri lento


Foto do Ministro John Profumo originária de "The Guardian"

A situação, que aliás já era insustentável, dos vários escândalos em torno do Primeiro-ministro, vai-se tornando completamente insuportável à medida que cada embrulhada parece conduzir a outra de maiores proporções, começando a erodir não apenas a imagem do Governo, mas lamentavelmente de todo o aparelho de Estado.

Tudo parece indicar, e desde já afirmo solenemente por minha honra não ter ouvido nenhuma das escutas ou sequer lido a sua transcrição, que a justiça em lugar de actuar como devia salvaguardando o Estado e a República, preferiu comprometer-se salvando o Governo e aqueles que lhe estão directamente ligados.

O chamado quarto poder que, ou estava directamente manietado pela actuação e pressão governamental ou indirectamente por depender de grupos económicos escandalosamente conectados aos interesses deste, só por algumas excepções parece ter percorrido o caminho da investigação e crítica da situação, procurando, se não toda, pelo menos parte suficiente da verdade que esclarecesse a nebulosa em que nos fomos todos enredando.

Não quer isto dizer que as vitimas de hoje não tenham em outras situações, e por outros motivos, agido de forma diferente anteriormente, mas isso não pode ser utilizado para se prosseguir contraproducentemente um combate contra aqueles que, por profissão, deveriam procurar onde ninguém mais procura.

Para quem se lembra do caso Profumo, já para não falar desse colosso de encobrimento governamental de crimes que foi Watergate, sabe perfeitamente que quanto menos as situações ficam esclarecidas pior é para o Estado de direito e que quanto mais cedo o responsável último das situações se demitir, mesmo que as mesmas nunca se provem, mais facilmente se poderão limitar os danos para o País. Até porque no caso do ministro britânico o crime, se é que de crime se tratou, até era bem fraquinho.

Pode parecer injusto para com o Primeiro-ministro, especialmente se se vier a provar a mais cândida inocência, mas ele e todos os responsáveis sabem que as instituições republicanas estão acima dos indivíduos, motivo pelo qual independentemente de discordar ou não das suas propostas, do seu programa, ou da sua actuação política, o que não é aceitável para o País é estar a assistir a um harakiri lento que arrasta consigo as instituições.

Perante o triste circo em que estamos envolvidos, com a incapacidade óbvia de levar a cabo um mandato sem suspeição, a questão que se põe neste momento é saber se tem ou não sentido de Estado, e se o tiver a conclusão só pode ser uma.


Original no Registo

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