quarta-feira, 27 de maio de 2009

Vou opinar

Neste momento está em discussão a questão do Projecto de requalificação do Terreiro do Paço, na Câmara Municipal de Lisboa. Como também tenho uma opinião convicta sobre a questão, vou aproveitar o blog para debitar parcialmente as respostas a uma entrevista que me foi feita por um conhecido semanário da nossa praça, e que nunca foi impressa. Espero não estar a cometer nenhuma indelicadeza para com a jornalista, não vá dar-se o caso de a publicar depois...mas são coisas da vida.



Qual é a sua opinião sobre o que é proposto?

O projecto que é apresentado é, na minha opinião, um projecto muito interessante que seria uma mais valia para uma Praça destas dimensões. Porém não uma Praça que transporta consigo toda uma história e filosofia de existência que não se compagina com soluções de visão "modernizadora".
Quando é construída, ainda o Barroco não entrou em decadência, esta Praça, para a qual se destina o Comércio e a Administração, é um simbolo do poder régio. Não é por acaso que sendo a principal entrada na Cidade, e á necessário lembrar que a via marítima era o acesso mais rápido para quem se deslocava no litoral, ou vindo do estrangeiro, se faz sob a imensa estátua de D. José, voltada a sul, e por isso sempre reflectindo a luz do Sol. O Rei, portanto como figura impressiva da praça.
Esta estátua não se encontra no exacto centro, mas o suficientemente descentrada para que de qualquer ângulo se crie a ilusão de enormidade e magnificiência. O proprio declive da Praça, mas baixo em todas as bordas, servia não só para a drenagem das águas mas para aumentar essa ilusão de enormidade. Só se está ao nível do pedestal, quando se está exactamente por baixo do Rei.
Assim quaisquer soluções que cortem com a disposição, o desenho próprio do barroco, ou a leitura da praça, tal como idealizada, não serão as soluções de melhor filosofia, não obstante a sua beleza plástica.
A ideia da utilização desta Praça é algo sempre complicado de gerir, porque é sempre uma adaptação das suas funções originais, o que não quer dizer que não se faça. Logo á partida esta situação debate-se no entanto com a insolarização. Qualquer solução para este problema além de ter que respeitar a arquitectura da Praça terá de ser uma solução cabal até para os equipamentos que lá se pretendam colocar. As soluções apontadas, uma espécie de toldos amoviveis, são discutiveis e poderiam ser estas ou qualquer outras, até porque ao longo da história outras soluções foram encontradas e inclusive a praça do comércio teve árvores até um passado relativamente recente. Donde é opção que poderia ser equacionada.
Ao nível de piso a questão é mais complexa, não só o losango nada tem a ver com o Barroco, como significa um corte absoluto com o padrão das ruas da cidade, desde os meados do século XIX. É verdade que Lisboa não tem de ser toda em calçada portuguesa, mas também é verdade que estamos numa zona histórica que tem um contínuo até à Praça do Restauradores e Av. da Liberdade. Além disso, pese embora seja questionável que os motivos da calçada que lá se introduziu liguem bem com o desenho da Praça, estes integram-se no que de melhor foi feito em termos de calçada portuguesa, tendo, pelo menos antes da intervenção, pequenos desenhos identificativos dos artesãos designados assinaturas, que têm de ser preservados.
Donde, sem retirar mérito à proposta feita, penso que esta deveria ter sido mais condicente com o peso histórico e de representação deste espaço.

Que intervenção seria desejável que fosse feita naquela praça?

Sou de opinião que não só só hoteis, esplanadas, turismo e eventos que dão vida aos espaços. As funções existentes, que os criaram e para as quais foram criados, são a essência dos espaços. A Praça do Comércio é Praça do Poder, para além de espaço cénico desse próprio poder. Donde a permanência de serviços da administração do estado, com os seus funcionários, e os serviços que apoiam esse funcionalismo, restaurantes, cafés, papelarias, livrarias, correios, etc. são essenciais para a manutenção da vida do espaço.
A sazonalidade dos hoteis, a incapacidade de manutenção de uma clientela fidelizada, provocada pela alta rotação do turismo, não me parecem à partida formas de garantir a apropriação deste espaço público pela população da cidade.
A recuperação do espaço, independentemente das opções estéticas e arquitectónicas, só pode dar-se pelo uso eficaz e efectivo desse espaço, logo qualquer intervenção desejável teria de passar pela manutenção do seu uso pristino.


O Terreiro do Paço sofreu várias intervenções ao longo do tempo. Esta intervenção agora anunciada justifica-se e faz falta?

Claro que faz falta. Esse ponto reúne, presumo, unanimidade. E desde que sejam adequados novos usos e novas existências, aos usos pré-existentes, respeitadas as intenções dos criadores, e fundo histórico desta Praça, é óbvio que há lugar a novas intervenções. A história é um fenómeno que se movimenta, não para e uma Cidade cujo território não acompanha os processos históricos está anquilosada e logo moribunda, só que isto não significa alterar radicalmente os espaços.


No seu entender, seria desejável que o arquitecto fosse escolhido por concurso público e o projecto sujeito a discussão pública?

quando se trata de renovação de um espaço público urbano, da dimensão e importância da Praça do Comércio, a questão da definição de um caderno de encargos para um concurso público é sempre um tema melindroso. O que não impede que tivesse sido realizado um concurso de ideias aberto a várias equipas. A imposição de uma só leitura e visão é sempre redutora, especialmente quando estão em apreciação questões que mexem com a memória histórica e arquitectónica da cidade.
Quanto à consulta pública é por demais óbvio que deveria ter sido equacionada, e já deveria ter sido posta em prática. As opções de cidade não podem ser feitas nos gabinetes e atliers, não estamos no despotismo esclarecido, daí que a participação dos cidadãos na discussão e decisão destas opções é fundamental.

Sem comentários: