segunda-feira, 18 de maio de 2009

Palavras não eram ditas!

Como sempre que uma crónica minha não é públicada no REGISTO, transponho-a para aqui, para poder compartilhá-la com o público. Não significa isto qualquer reparo aos responsáveis do jornal, apenas a explicação sobre a introdução de um texto que, em principio não teria este destino.
Este texto só pode ser inteiramente compreendido, se forem lidos os meus textos anteriores neste jornal, pelo que recomendo vivamente que o façam.

Imagem: Repressão do movimento cartista após a derrota da Carta no Parlamento Britânico

Diz um provérbio antigo: “Falai no mal, aprontai o pau”. Com efeito, palavras não eram ditas sobre o sistema parlamentar e eis que este aparece maculado, na sua expressão primordial que é o parlamento de Westminster.
O primado do parlamentar, leia-se político profissional, desgarrado das realidades sociais e laborais, pago principescamente, e com acesso a todas as regalias e privilégios que há muito se acordou relevarem do assento ocupado, conduziu, como conduziria inevitavelmente, à noção que do acto público se pode fazer uma carreira, em lugar de um serviço prestado às populações e, particularmente, aos eleitores. É certo que o caso britânico vem comparativamente agravado por um sistema que, ao ser uninominal, construiu ao longo do tempo lugares que se tornam pequenos feudos durante tempo indeterminado, porém serve de espelho onde outros parlamentares se deveriam mirar pela similitude de atitudes.
A situação tornou-se de tal maneira explosiva que há casa apedrejadas e pela primeira vez desde o tempo de Cromwell, dois membros da Câmara dos Lordes foram já suspensos.
A ideia que alguém que cumpre uma actividade cívica deva ser remunerado por ela pode não estar de todo errada, mas essa remuneração deve ser tão somente a necessária para que não perca socialmente com o seu préstimo cívico e não uma forma de fomentar e estimular uma carreira que em boa verdade não existe.
Uma pessoa que dedique a sua vida inteira ao serviço da comunidade deve ser valorizada por isso mesmo, pela sua dedicação às populações e não como alguém que ao fim de uns tempos de político 9 às 17, se reforma, que entretanto teve ajudas de instalação, de gastos e outras mordomias, mais ou menos legais. O corolário disso é, como se viu agora no Reino Unido, o pagamento de hipotecas, de jardins, de instalações eléctricas ou até de pequenos gastos pessoais, ou aqui no nosso país com viagens fantasmas e trocas de bilhetes, admitindo que se ficou por aqui.
Quem assim agiu não é, podemos admitir na maioria dos casos, uma pessoa fundamentalmente mal intencionada, nem eu consideraria mal intencionado alguém que gasta ao Estado 87 cêntimos em duas latas de comida para cão, é uma pessoa que está de tal maneira entranhada num sistema que não é da sua responsabilidade que é incapaz de ver o seu grau de injustiça e iniquidade social.
A Democracia Ateniense, com todos os defeitos que tinha, acabou porque o valor da transacção sobrepôs-se ao dever cívico. Os parlamentos anteriores às reformas burguesas estavam indissociavelmente ligados a quem tinha dinheiro para se dar ao luxo de prosseguir vidas públicas. Os actuais, por não terem sabido ou querido evitar a profissionalização da política, criaram uma casta de governantes que em nada ou muito pouco se identificam com os governados, que enveredam pela vida pública sem noção de serviço público e que, concomitantemente usam e abusam do Estado em proveito próprio e das suas clientelas. O Parlamentarismo está definitivamente doente, mais do provavelmente porque está há muito anquilosado. A verdade é que o Povo soberano já não se compagina inteiramente com a representação. Pode o Povo governar mais directamente? Pode, mas o quadro institucional tem de ser profundamente alterado.

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