terça-feira, 15 de junho de 2010

O “Dejá vu” arrepiante

Este artigo foi publicado no jornal " A Voz do Operário" enquanto editorial


Nos idos dos anos oitenta, perante uma crise de contornos similares aos actuais, mas com uma conjuntura apesar de tudo melhor do que a presente, pois não se havia procedido ainda à liquidação do aparelho produtivo nacional, Octávio Teixeira e Carlos Carvalhas, então deputados, chamaram a atenção do governo do bloco central para as consequências a médio e longo prazo das medidas então impostas, que procuravam resolver o problema financeiro sem resolver os problemas estruturais da economia portuguesa, fortalecendo-a e dotando-a de capacidade de enfrentar recessões internacionais.

Quem tiver pachorra para ler os periódicos da época sabe com certeza que o então Ministro da Economia Hernâni Lopes até lhes reconheceu razão, mas, pasme-se, dizia então o Ministro que primeiro se resolveria a questão financeira e que depois seriam iniciados programas que dariam resposta aos problemas estruturais da economia. E de facto assim foi. Passado menos de uma década os problemas estruturais desapareciam, uma vez que quando não há produção agrícola, das pescas e industrial seguramente não há mais problemas de como fortalecer as capacidades produtivas destes sectores.

Durante os eufóricos anos do Capitalismo popular “à la” Sr.ª Thatcher, as “ajudas” da Comunidade Europeia foram utilizadas pelos patrões em verdadeiras orgias de vaidades, e na realidade passado o vendaval da integração, com as imposições de abate de frotas, de fim das siderurgias e industrias químicas, ou o arranque da vinha e olival, nem mesmo aqueles sectores que se afirmava estarem a ser protegidos, como os têxteis ou o calçado, tiveram qualquer tipo de modernização de equipamentos e processos. Assim quando a abertura dos mercados os atingiu, por bem pequenos que os salários fossem, não poderiam fazer face à concorrência externa.

Restaram duas coisas, o Turismo, com os bem aventurados Sol e Mar a transformar todos os portugueses em barmans e camareiros, ou eventualmente até entregues a actividades menos dignificantes, e o Sector financeiro, de natureza parasitária, largamente beneficiário do empenhamento das famílias face à satisfação das suas necessidades. Primeiro endividaram-se pelas casas, depois pelo estudo dos filhos e finalmente, quando parecia que o futuro era a crédito, até para automóveis e férias.

Assim, quando estalou a crise financeira não havia um sector produtivo que protegesse o país. Sem ter, ou sem querer ter, mais por onde tirar dinheiro, lançou-se num frenesim sobre o cidadão condenando-o a menos salário com a imposição de um novo imposto de 1 e 1,5%. Complementando-o com o correspondente aumento de preços via aumento do IVA.

Estas condições duríssimas não resolvem no entanto a situação, porque no fim de contas não é possível resolver o problema de um país que vive a crédito sem medidas que estanquem essa necessidade. As dificuldades que os Bancos têm de arranjar crédito no exterior, e que os levam também a extorquir mais através da subida dos spreads, são apenas sinal que todos fantásticos lucros e offshores estão já empenhados eles próprios ao serviço da divida destes bancos ao exterior. E já não chegam. Inverter este processo, promover a produção e o mercado interno é a única via sólida para debelar uma crise que de outra forma terá um desenvolvimento cíclico em torno da expansão ou contracção das economias estrangeiras. Mas parece que nem todos vislumbram o quão arrepiante é este “dejá vu”.

2 comentários:

joaquim adelino disse...

Caro amigo Carlos Moura vou passando por aqui de vez em quando porque a sua escrita ou a transcrição de têxtos que aqui trás dão para ir alimentando a chama pelos ideais que eu, você e felizmente muitos portugueses ainda pensam ser possíveis apesar do forte ataque das sanguessugas e parasitas que a Sociedade criou e é alimentado e protegido por um governo com caras e figuras de uns sem vergonha que tudo fazem para se auto-proteger em defesa da sua (e dos amigos) rica carteira.
Mantenha sempre bem viva esta bandeira que fala a verdade, um dia muitos dos que duvidam hão-de compreender de que lado está a razão.
Um abraço
Joaquim Adelino

Carlos Moura disse...

Agradeço profundamente as palavras de encorajamento. É sempre bom verificar que este blog consegue manter alguns leitores atentos e interessados. É moralizador ter quem comente, os estímulos permitem-nos pugnar por fazer sempre melhor.
Um grnde abraço