sexta-feira, 25 de junho de 2010

As Palavras e os murmúrios

Este artigo foi escrito para o Registo, mais uma vez parece que "entenderam" não ter qualidade necessárias para este jornal.

O Mês de Junho parece ser pródigo no desaparecimento de personalidades dedicadas à alteração da condição humana e ao aparecimento de uma sociedade em que não se meçam mais os homens pelo quanto têm, mas pelo que são capazes de partilhar com os outros seres.
José Saramago, tal como Álvaro Cunhal, Vasco Gonçalves ou Rosa Coutinho, foi uma dessas personalidades que, tal como os outros, nos deixou num mês de Junho. Deixou-nos, mas legou-nos uma obra que ultrapassa em muito o seu valor literário, que já era imenso. É claro que é importante relembrar os galardões que conquistou graças aos seus escritos, mas mais importante do que isso é o que a sua obra e vida, ensinam, esclarecem e inspiram, da capacidade do homem e dos homens ultrapassarem os limites que as condições históricas e sociais lhes impuseram, libertarem-se das amarras da ignorância e desconhecimento e contribuírem para a construção de um mundo que, para muitos de nós se queda no campo da utopia ou do sonho.
Para todos os caídos as letras impressas das suas palavras deram alento a que do chão se levantassem. A todos os desconhecidos da história devolveu a dignidade das obras que por sua mão e esforço construíram. A todos os cegos outorgou a luz de ler e interpretar um momento histórico e social que se desenrola diante de si. E a todos os nomes devolveu a graciosidade da vida, momento, e sentimento que a cada um cabe no todo humano. Este prémio, o prémio do amor e dedicação ao seu semelhante são certamente o prémio a que mais se dedicou e que mais o prestigiou no seu trajecto pela vida.
O silêncio, dizia, é a terra negra e fértil, o húmus do ser, donde todo o silêncio que façamos neste momento só pode ser fecundo, pois só assim, segundo ele, a palavra dá pão. Mas silêncio não significa que não ouçamos os murmúrios, os murmúrios que soam mas que se escondem, e que procuram, como antes procuraram, matar antes que nasça, a palavra, apodrecer antes que medre, o grão, que se perca antes de moída, a farinha, e que desta não se faça o pão do sonho e do futuro.
Se o silêncio é a terra e a palavra a semente, exterminemos a praga do murmúrio, que cresça o verbo como trigo e que a ceifa seja pródiga, e que de um pão, surjam cem, surjam mil surja um milhão, que alimente de vontade, de esperança e vigor de luta a humanidade e do sonho se faça nova construção.

Sem comentários: