quarta-feira, 25 de junho de 2008

Homenagem a quem resiste

Não gosto de colocar textos de outros blogs aqui. Não me parece que um blog deva reproduzir algo de um outro. Acontece que o texto sobre os Rosenberg, tinha tudo o que eu poderia desejar para prestar a justa homenagem a estas vítimas do Capitalismo. Mais umas daquelas que tão facilmente são esquecidas e descontadas.
Não vou nem iria fazer uma contabilização de mortos. Cada caído na luta vale por si mesmo e por esse colectivo de lutadores que ao longo de gerações vão travando o passo ao Capital em nome de uma sociedade mais justa.
Fica aqui então o texto do www.vermelho.org.br


Julius e Ethel, uma tragédia americana

"Só a luta organizada contra os traficantes do ódio pode salvar a paz e a liberdade” – Julius Rosemberg

“Há uma sombra toldando a alegria. Pesa uma grave apreensão sobre a consciência dos povos. Não se trata de milhões de vidas. São duas apenas. No entanto, não é uma questão de número, mas de princípios que está em jogo”. Editorial do jornal comunista Imprensa Popular de 14 de junho de 1953

Na noite de 19 de junho de 1953, centenas de pessoas ainda se concentravam do lado de fora da prisão de Sing-Sing. Portavam faixas e cartazes exigindo a libertação dos acusados, que em poucos minutos deveriam ser executados. Alimentavam esperanças de que as mãos dos carrascos não cumpririam a sentença e que o indulto viria. Mas, às 20 horas e 4 minutos as luzes do presídio fraquejaram. Era o anúncio da tragédia. Julius e Ethel estavam mortos.

Pelas páginas do Liberation, o filósofo Jean-Paul Sartre gritou sua indignação: “Vocês americanos são coletivamente responsáveis por esse assassinato. Alguns por o terem patrocinado, outros por tê-lo consentido. Vocês permitiram que a América se tornasse o berço de um novo fascismo”.

A Guerra Fria e o Macartismo

Aqueles eram anos difíceis para as correntes pacifistas e socialistas nos Estados Unidos. No plano externo a política do imperialismo era marcada por uma febril preparação guerreira contra a URSS; no plano interno pelo incremento de um clima de terror favorável a guerra, fazendo surgir uma lucrativa indústria do anticomunismo.

Em 1947 foi estabelecida a Ordem de Lealdade e o obscuro senador Joseph McCarthy apareceu na cena política norte-americana reativando o famigerado Comitê de Atividades AntiAmericanas. O objetivo era investigar as atividades de cidadãos suspeitos de possuírem idéias progressistas e de manterem relações com entidades que se posicionavam contra os interesses do governo dos Estados Unidos, ou melhor, contra
os interesses de sua política imperialista.

Pelos tribunais, dirigidos por McCarthy e seus sequazes, passaram nomes como Charles Chaplin, Bertolt Brecht (ambos expulsos dos EUA), Tenesse Willians, Orson Wells, Elia Kazan e outras centenas de artistas e intelectuais, muitos dos quais processados apenas por demonstrarem simpatias pelas causas mais avançadas ou se posicionarem contra a histeria anticomunista e os preparativos para uma nova guerra mundial.

Em 1948 o Partido Comunista dos Estados Unidos foi colocado na ilegalidade e seus dirigentes processados e presos. A democracia liberal norte-americana mostrava ao mundo a sua verdadeira face.

O Caso Rosemberg: O Processo e a Farsa

No dia 29 de agosto de 1949 a União Soviética explodiu o seu primeiro artefato nuclear, quebrando o monopólio dos Estados Unidos e limitando assim o poder de coerção que este país exercia sobre os povos do mundo desde 1945. No mesmo ano o povo chinês, liderado pelo comunista Mao Tsetung, derrotou o imperialismo, instaurou a República Popular e iniciou o processo de construção do socialismo. Em 1950 teve início a Guerra da Coréia, no qual o imperialismo norte-americano investiu todas suas fichas e acabou não conseguindo a vitória esperada: a Coréia do Norte sobreviveu e também se enveredou pelo caminho do socialismo.

Os EUA, que tinham sua política externa baseada no monopólio da bomba atômica, se viram enfraquecidos e desmoralizados por sucessivas derrotas. Isto os levou a endurecer ainda mais a sua política interna anticomunista.

Deste modo foi se forjando um plano diabólico para jogar a responsabilidade por todos os graves problemas que vinham atravessando o governo norte-americano nas costas dos comunistas. E quem melhor para assumir a culpa pela quebra do monopólio nuclear, e pelos revezes na China e na Coréia, que dois jovens cientistas, filhos de trabalhadores imigrantes judeus, com ligações com o Partido Comunista? Os homens do Pentágono e da Casa Branca já haviam encontrado os culpados: seus nomes eram Ethel e Julius Rosemberg.

Contra eles pesava também o seu passado. Ethel e Julius, quando jovens, haviam participado ativamente da campanha de apoio à República espanhola e se envolveram em atividades antifascistas e de solidariedade aos operários que foram demitidos por razões político-ideológicas. O próprio Julius foi uma vítima destas perseguições e acabou sendo demitido pela simples suspeita de ser membro do Partido Comunista dos Estados Unidos.

Em 17 de julho de 1950 Julius Rosemberg foi detido e menos de um mês depois seria a vez de sua esposa Ethel cair nas mãos da repressão. O processo contra o casal rapidamente se transformou numa peça de propaganda anticomunista mais primária. As suas bases se reduziam a duas únicas e frágeis evidências: a declaração incriminatória de David Glenglass, irmão de Ethel e ex-funcionário do Centro de Energia Atômica de Los Alamos; e uma velha escrivaninha, encontrada na casa dos Rosemberg, que a acusação afirmava ter vindo da URSS e que serviria para guardar os planos roubados – prova “inequívoca” de sua ligação com o comunismo internacional. Durante o processo várias provas contra o casal foram falsificadas pelos agentes do FBI, comandados pelo reacionário Edgar Hoover.

A defesa dos Rosemberg foi assumida pelo advogado progressista Emmanuel Bloch. Este, de maneira brilhante, desmantelou todas as provas contra os acusados. A carta-denúncia de David comprovou-se ter sido escrita sob ordens diretas do FBI. Quanto a escrivaninha, comprovou-se ter sido comprada em Nova Iorque por 21 dólares. Uma nova desmoralização para o FBI. Desfaziam-se, assim, as provas “contundentes” contra os Rosemberg.

Enfurecido o governo norte-americano passou a acusar e a perseguir todos aqueles que apresentassem simpatias pelo casal e por tudo aquilo que eles representavam. “Quem defenderia comunista senão comunistas?”, afirmavam McCarthy e Hoover.

Einstein, o maior físico contemporâneo, e Harold Hurey, ambos familiarizados com as pesquisas atômicas, apresentaram-se como testemunhas de defesa, propondo-se desfazer o mito do segredo atômico. Afirmavam que a URSS já possuía todas as condições para construir, com suas próprias forças, a bomba atômica. Propuseram a testemunhar sobre a incapacidade do casal em trabalhar com tal nível de tecnologia e, portanto, transmiti-la a quem quer que fosse. Mas, os seus testemunhos foram recusados pelo tribunal e Einstein foi colocado na lista dos inimigos dos EUA.

A brilhante defesa de Bloch e todas a provas da inocência dos acusados de nada valeram. A sentença já estava pronta desde o primeiro dia nas mãos do juiz conservador Irving Kaufman. Uma sentença forjada nos porões do poder norte-americano. E em 1951 os Rosemberg foram condenados a morte na cadeira elétrica.

Uma Justiça de Assassinos

“Nestes últimos dias, é necessário que o protesto contra esta bárbara injustiça atinja vulto sem precedente na História. Só assim é possível deter os carrascos que a esta hora confabulam na sombra, temendo a opinião pública mundial”, afirmou o editorial do jornal comunista brasileiro Notícias de Hoje de 14 de junho de 1953.

Diante da condenação, o mundo inteiro se consternou e se solidarizou com os jovens encarcerados. Até mesmo o papa conservador Pio XII intercedeu junto ao governo norte-americano por suas vidas. A mesma coisa fez o arcebispo de Paris e o presidente da Assembléia Nacional da França.

Milhares de religiosos e personalidades de todo o mundo enviaram solicitação de indulto. Intelectuais como Einstein, Brecht, Picasso, Sartre enviaram o seu apoio ao casal e organizaram uma campanha internacional de solidariedade. A Casa Branca viu-se inundada por centenas de milhares de cartas e telegramas de protesto.

As grandes manifestações se sucederam. No dia 11 de junho de 1953 duas mil pessoas se reuniram em Nova Iorque; no dia 14 foi a vez da Casa Branca ser cercada por 10 mil manifestantes, que exigiam a libertação dos Rosemberg. O centro das atenções nestas manifestações era os dois filhos do casal, Robert e Michael de 12 e 6 anos de idade. No dia 15, o povo inglês realizou o seu protesto na frente da embaixada norte-americana onde deixaram uma grande faixa que dizia “Para que o ideal dos Rosemberg sobreviva, os Rosemberg não devem morrer”.

Por quatro vezes o pedido de revisão de processo foi lhes negado, o indulto presidencial também não viria. Mas, a firmeza dos Rosemberg continuava a espantar a todos, inclusive seus inimigos, aumentando o respeito mundial pelo casal.

Então, o governo dos Estados Unidos, desesperado e isolado, apresentou a sua última proposta: “digam-se culpados de espionagem, mas arrependidos e serão perdoados, escapando assim da morte na cadeira elétrica”. Foi Ethel que respondeu aos seus carrascos: “Somos inocentes (...) Esta é a absoluta verdade. Renegar a esta verdade seria pagar um preço demasiado alto (...) porque com uma vida assim comprada não poderíamos viver com dignidade e respeito. Não somos mártires, nem heróis e nem aspiramos a sê-lo. Não queremos morrer. Somos jovens, demasiados jovens, para morrer”. Na sua última mensagem ainda afirmaria: “Não estou só, e morro com honra e dignidade, sabendo que meu esposo e eu seremos reivindicados pela História”.

Na noite de 19 de junho de 1953 os Rosemberg, com dignidade e honra, foram executados na cadeira elétrica. Sob suas tumbas Emmanuel Bloch, traduzindo a opinião pública mundial, afirmou: “Não se fez justiça, devemos nos indignar (...) A justiça no caso dos Rosemberg foi uma justiça de assassinos”.

Um Grito Contra a Injustiça

As notícias da tragédia causaram uma profunda indignação nas consciências progressistas de todo o mundo; em especial, entre as forças socialistas e proletárias. Na cidade de Paris, milhares de trabalhadores, convocados pelos jornais comunistas, realizaram um grande ato de repúdio diante da embaixada norte-americana. Nos choques que se seguiram centenas de manifestantes foram presos e um caiu baleado.

Em Roma, dois mil trabalhadores manifestaram-se pelas ruas da cidade até a meia-noite, quando foram dispersados pela polícia. No dia seguinte os trabalhadores paralisaram suas atividades por alguns minutos. Era a última homenagem que a classe operária italiana prestava aos dois mártires da causa da paz e da liberdade.

Em Londres, milhares de pessoas se concentraram no Hyde Park e quando o Big-Ben anunciou uma hora da manhã a multidão dedicou-lhes dois minutos de silêncio, não havendo maiores incidentes. Mas, em Dublin, populares enfurecidos passaram a depredar as instalações das agências de notícias norte-americanas. A classe operária de vários países deu, mais uma vez, uma resposta à altura ao banditismo da justiça e do governo norte-americanos.

O Exemplo dos Rosemberg Resiste

Os Rosemberg morreram, mas o seu exemplo de vida e de luta continuou a iluminar o caminho de milhares e milhares de homens e mulheres, combatentes da liberdade e do socialismo.

O macartismo, representante do velho contra o novo, graças à pressão da opinião pública mundial não pode se manter e teve de ser desmantelado, ainda que provisoriamente. O próprio McCarthy, desmoralizado, acabou sendo processado por abuso de poder e condenado a obscuridade da qual jamais deveria ter saído. Os senhores do império viram-se obrigados a se livrar de um incômodo aliado, que até então lhe servira tão bem.

Atualmente, sob a administração Bush, vivemos à sombra do renascimento do fascismo nos Estados Unidos. Sob o manto do combate ao terrorismo se desrespeitam os direitos humanos e se arquitetam planos de dominação mundial e novas guerras de conquista. Por isso afirmamos que, mais do que nunca, os ideais pelos quais viveram e morreram os Rosemberg continuam vivos. E um dia, mais cedo ou mais tarde, a História transformará em realidade a profecia que Ethel fez a seus filhos, pouco antes de sua morte: “Alegre e verde, meus filhos, verde e alegre será o mundo sobre as nossas campas”.

Que assim seja!

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