terça-feira, 3 de junho de 2008

"A aparência de riqueza"




O artigo que se segue é, fora algumas correcções de linguagem que em nada alteram o sentido, a reprodução da Coluna de política que passei a assinar todas as semanas para o jornal "Registo". Sem prejuízo de o poderem comprar, e tendo em conta que ainda não chega a todo o lado, podem consultá-lo em www.registo.com.pt. Espero que o mesmo sirva para esclarecer, informar e permitir que todos formem as suas opiniões críticas...afinal é para isso que a informação serve, ou deveria servir


“…a acumulação Capitalista dá-se em dois pólos: Num pólo a acumulação de riqueza, no outro a acumulação de miséria. É a acumulação de miséria que torna possível a acumulação de riqueza. Cada Escudo acumulado nas fortunas dos capitalistas é um escudo tirado ao estômago e ao bem estar das famílias de trabalhadores.”

Ao tempo em que Álvaro Cunhal escreveu “Rumo à Vitória”, calculava-se oficialmente que o Produto Interno Bruto estaria distribuído em 60% dos rendimentos para o capital e 40% para os salários. Isto fazia com que Portugal fosse em Abril de 64 um dos países com maior desigualdade a nível da distribuição de riqueza.

Hoje em 2008, a distribuição do mesmo PIB cifra-se entre 63%, 37%. Não se pense que esta cifra é algo que tem andado à roda destes valores nos últimos 40 anos. Na verdade durante um breve período após o 25 de Abril esta tendência havia-se invertido tendo o factor trabalho obtido uma parte significativa da riqueza do país.

Contudo as politicas económicas seguidas pelos Governos Constitucionais, vieram sempre no caminho do favorecimento da reconstituição dos grandes grupos económicos, primeiro os nacionais e posteriormente os transnacionais, quando os primeiros foram sendo engolidos pelos segundos. Esta reconstituição veio na senda da grande máxima de Salazar; transferir riqueza de quem consome para quem investe. Ou seja tornar o país aparentemente mais rico contendo ferreamente o consumo em detrimento da acumulação de capital, pois só assim se conseguiria massa critica para um sistema produtivo forte.

As premissas salazaristas de uma população a quem todas as regalias fruto do valor do seu trabalho eram negadas para que se produzissem bens de exportação, que já não resultavam ao tempo, devido à falta de um investimento no material e na formação, falhavam mais ainda num mercado aberto, invadido por bens produzidos com menores custos, que a Comunidade Europeia impunha, mas que praticamente liquidou o fraco tecido produtivo nacional.

Um mercado aberto, onde se procura deter a inflação através da contenção salarial, não é sequer um mercado. Um verdadeiro exigiria um tecido produtivo tecnologicamente moderno e um pesado investimento no aumento de competências através da formação, o que não foi de todo feito, e exigia uma repartição de riqueza gerada que fizesse funcionar o consumo nacional, o que constituiria a primeira base de escoamento da produção, permitindo-lhe enfrentar as flutuações dos mercados internacionais.

Estas premissas, nem sequer são socialistas, quanto mais comunistas, são apenas premissas de um capitalismo liberal do tipo europeu ocidental. Só que, no afã de satisfazerem as exigências das oligarquias económicas derrubadas com a revolução, a direita portuguesa, que nunca soube ser mais do que saudosista, e o Partido Socialista, que temeu sempre não conseguir penetrar no espaço eleitoral da direita, com quem alias preferencialmente se coligou, seguiram sempre o modelo que estava mais de acordo com os interesses destas em reconstituir os seus reinos económicos, mesmo sem as suas vertentes coloniais.

Daí que não seja de espantar que, sem as matérias-primas das colónias, e procurando retomar e manter o estado da sua “pujança”, que animava já então a bolsa em tempos de “primavera marcelista”, o Capital português (e depois cada vez mais estrangeiro, mas pretendendo obter ganhos consistentes com os dos seus antecessores), tenha pressionado os sucessivos governos para manter ou e possível aumentar a sua fatia da riqueza que abocanhava. Ora isto só poderia ser conseguido aumentando também a pobreza, daí que não seja de espantar o relatório da situação social da União Europeia, que nos coloca como o país mais desigual da União, só a par da Lituânia. Que belo prémio para o nosso povo.

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