quarta-feira, 11 de junho de 2008

Direitos não são privilégios

Continuarei a publicar aqui a minha coluna no Registo, sem prejuízo da consulta do jornal em Registo On-line. Esta aparecerá sempre com o cabeçalho identificativo da mesma na publicação, em lugar da cópia da coluna como aparecerá hoje.



“Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas e ideológicas, têm direito: (…) À organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;” Constituição da República Portuguesa, Titulo III, Cap. 1, Art. 59º N.º 1, alínea b)

Em qualquer país, em que a Constituição significasse um princípio basilar de orientação da governação, estas palavras seriam mais do que suficientes para deitar por terra os objectivos orientadores do Código de Trabalho proposto pelo Governo Sócrates.

A ideia de horários flexíveis, em que se aumenta a jornada de trabalho, quando existem picos de produção, mandando os trabalhadores para casa quando é menor o esforço produtivo; A criação da figura da disponibilidade do trabalhador para as horas determinadas pelo patronato, no local onde o patronato indicar, independentemente de ser hoje em Faro e amanhã em Bragança; Ou a ideia da desregulamentação de horários, deixando os horários nocturnos ou de fim-de-semana de representar horas extraordinárias (que podem ser pagas em dias como aliás inaugurou a socialista e bloquista Câmara de Lisboa, com os trabalhadores do município a trabalhar no Rock-in-Rio); São a demonstração cabal que a vida familiar, bem como a saúde física e mental, dos trabalhadores são do completo desinteresse do nosso poder executivo e da maioria que o sustenta, mesmo que seja, em parte, uma das que aprovou a Constituição.

Mas o atropelo não chegou. Achando que se havia feito pouco, entendeu que também era necessário limitar os direitos de intervenção dos Sindicatos na contratação colectiva. Normalmente esta servia para permitir aos trabalhadores ter força suficiente para negociar condições mais vantajosas do que a lei geral, mas como o que se intenta é que se negoceie ainda abaixo das condições da lei geral, criou-se também uma porta travessa, que permite isto mesmo. Ainda que isso contrariasse a as disposições do N.º 3 do artigo 56º da Constituição – “Compete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei”. E o mais grave é que quem congeminou isto não é, ou não se diz, correligionário da Sr.ª Thatcher.

Não deixando para depois o que pode fazer já, alardeou-se o combate à precariedade, através de um sistema de multas para quem tenha trabalhadores de facto em regime de recibo verde, o que seria muito positivo, se as multas não fossem de tal forma que não servem de desincentivo a ninguém, e…pasme-se de prémios sobre os descontos para a segurança social para quem cumpra a lei. Mas cumprir a lei não é nenhum favor que os empresários fazem ao Estado. Cumprir a lei é o dever de todo o cidadão, ou então todo o cidadão cumpridor da legalidade terá de exigir ao Governo uma legislação que o premeie de alguma forma. Ou então, seguiremos todos, as palavras de Ghandi, e assim a nossa obrigação cívica será desobedecer a esta lei injusta.

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