segunda-feira, 16 de junho de 2008

Não se apagam 100 anos com assinaturas



Quando frequentava o 10º ano do secundário, o livro de inglês então em uso tinha, numa das lições, a figura de um relógio dividido em três partes, com a seguinte inscrição: “Eight hours labour, Eight hours recreation, Eight hours rest” (Oito horas trabalho, Oito horas lazer, Oito horas descanso). Esta era a reprodução de um cartaz do século XIX, da luta dos trabalhadores pela semana das quarenta e oito horas de trabalho.

Durante os cem anos seguintes, esta e outras reivindicações, consagraram coisas como a semana-inglesa, o décimo terceiro mês ou as férias pagas, fruto de lutas travadas em condições muito duras e com grande sofrimento, às quais não estiveram alheios os avanços das ideologias e governos de esquerda que, não sendo todos marxistas, se comportaram à altura da defesa dos trabalhadores e dos mais necessitados.

Porém com o fim do Bloco Soviético, rapidamente o capital vislumbrou deixar de ter necessidade de satisfazer as reivindicações dos trabalhadores, acreditando ter deixado de existir o perigo de uma revolução.

Desde então os direitos dos trabalhadores, socialmente mais do que justificados, têm vindo a ser atacados e desbaratados. Agora, com o acordo assinado no âmbito da UE, que consagra a semana das 65 horas, pretende-se apagar, à força de assinaturas de governantes, mais de cem anos de luta dos trabalhadores. Falharão, como antes falharam, pois as necessidades humanas não se conjugam com as velhas ideias que nos tentam vender por modernidades, e no fim o povo sai mesmo à rua.

A ideia que a produtividade pode ser comparada com países onde a situação é de semi-escravatura ou mesmo de escravatura, em tudo menos formal, é absolutamente falaciosa. Quando não se tem direito a praticamente nada tudo o que se produz, em horários incertos a valores insignificantes, é óbvio que se tem uma produtividade aparentemente muito alta, mas os custos sociais são absolutamente inaceitáveis, já para não falar nas externalidades ambientais, que tornam absolutamente degradantes as condições nos países que mais altas taxas de crescimento apresentam.


hunter colliery, fonte: Newcastle region Library

Não é possível atingir produtividades dessa ordem e manter a dignidade de quem vende a sua força de trabalho, e entender ser esse o caminho nada tem de preocupação social, bem pelo contrário. Porém todos sabemos que aos nossos governos não importa convergências reais de espécie nenhuma, basta parecê-lo.

A tentativa de diminuir direitos sindicais, de diminuir a protecção social, de obrigar os trabalhadores a condições sociais cada vez mais próximas do o século XIX, é a tentativa de garantir “a quem investe” cada vez mais ganhos. Aliás os dados apresentados no Público de hoje (16/06/08) vem confirmar completamente aquilo que os comunistas vêm dizendo há bastante tempo – Com a entrada na Comunidade Europeia os desequilíbrios sociais do nosso país agravaram-se até níveis do Governo de Marcelo Caetano –. Ou seja o tipo de modelo de desenvolvimento seguido foi o mesmo e com o beneplácito das democracias ocidentais. Democracias ocidentais às quais os interesses dos povos dizem muito pouco, como se pode constatar pela barafunda que reina dentro da UE desde que se tenta por força impor um tratado constitucional de tendência federalista, que limita os direitos de gestão de alguns povos em detrimento de alguns governos, porém essa é uma outra história.


Eight Hours por Ricardo Levins Morales

A absoluta necessidade de defender os direitos, não só as oito horas, mas todas as outras conquistas sociais, que no nosso país aparecem intimamente ligadas ao vinte e cinco de Abril e particularmente ao Período Revolucionário Em Curso, está intimamente ligado também à necessidade de definir padrões de luta em que se revejam e enveredem os trabalhadores os países em vias de industrialização.

Este texto resulta da revisão da minha coluna no "Registo", pelo facto de nesta só poder desenvolver até 1500 caractéres

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