segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

aJneiras



Cumprindo o título deste texto, o Registo publicou-o atribuindo erradamente a autoria. Erradamente também atribui-me um escrito que jámais seria meu.

É erro, mas não é gralha. O trocadilho entre janeiras e asneiras pode ser muita coisa mas não é seguramente inocente. O ano de 2010 começa mostrando a mais visível face de um sistema que, pese embora se encontre num estado lamentável, faz lembrar a maquilhagem exagerada de certas senhoras, que procuram através de carmesins e rosas emprestar ao seu aspecto um vigor que a idade já não confere.
O encerramento da Regency e da Delphi, no último dia do ano, deixando sem emprego, ou perspectivas de futuro, centenas de trabalhadores, contrasta profundamente com aquilo que foi aclamado pelas televisões como a maior subida de sempre na bolsa de Lisboa, repondo-a a níveis anteriores a Setembro de 2008.
Isto mostra que entre sistema produtivo, aquele que de facto gera riqueza, e o financeiro, que joga com putativos ganhos cuja origem é na maior parte das vezes completamente incompreensível, o abismo aberto é cada vez maior e tende a agravar-se. A bolsa, que nunca foi outra coisa do que um casino, onde se jogavam fortunas e no fim a casa ganhava sempre, teve ainda assim na sua origem uma débil ligação à riqueza que um país era capaz de gerar. Hoje continua sendo um casino, mas cujos resultados são tanto melhores quanto maiores forem as capacidades de eliminar os factores de produção de um pais, transformando-o numa mera plataforma de transacção de notícias, dicas ou meros rumores.
Só que os países não são números, estatísticas ou posições nos rankings de empresas, também elas parte interessada na transacção, mas são o conjunto de território e populações que, no sistema que nos impõem, lutam arduamente pela sua sobrevivência, bem como dos seus, e essa sobrevivência não se faz de especular com coisa alguma, faz-se de consumos de produção que ou é local, gerando ganhos com potencial de serem utilizados ao serviço do bem comum, ainda que muitas vezes o não sejam. Ou é externa obrigando a gastos superiores aos rendimentos gerados.
No fim de tudo temos uma economia que não produz, que é incapaz de promover o bem geral da população que dela depende, cuja capacidade de endividamento se vai esgotando, mas em que a sua bolsa vai batendo recordes, propagandeando um bem-estar económico que interessa apenas aqueles cujas fortunas nada têm a ver já com a economia nacional. Para todos os outros, os que se mantêm pelo trabalho ou pelos pequenos negócios locais, sobra o desemprego a falência. Apoiar tudo isto é assim uma asneira crassa. Feliz 2010.

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