segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Da natureza das coisas



Devo confessar que não pensava em começar esta crónica com uma bem-aventurança, mas é imperativo que diga, bem-aventurados os erros, pois podem ser corrigidos. Isto a propósito da “gralha” da semana passada que me atribuiu um texto que nunca poderia ser da minha autoria, e ao devido autor desse texto atribuiu a minha crónica, que estou em crer tampouco poderia ser escrito por ele.

De qualquer forma não posso deixar de considerar que é um erro particularmente feliz, porque me obriga a fazer uma pequena reflexão sobre o tema da ética nas empresas que, de outra forma, não seria com certeza um tema sobre o qual partilhasse com facilidade as minhas reflexões.

A ética, que não pouco frequentemente vem associada à responsabilidade social da empresa, é algo que está muito em voga, desde há uns anos e particularmente com maior ênfase desde o início da crise do sistema bancário. No entanto, como lembrava um articulista, completamente insuspeito de marxismo, há bem poucos dias, o neoliberalismo tem sido a causa dos sofrimentos dos povos, desde que se impôs como doutrina dominante.

A realidade porém é bem mais sinistra, o neoliberalismo não é uma doutrina aparecida de repente como um cogumelo emergente, ela é apenas o retomar dos princípios da livre iniciativa e do livre mercado, de preferência o mais desregulamentado possível, que já haviam causado a crise dos anos 30, tendo sido travados momentaneamente durante a era de decurso das experiências Socialistas.

Aliás os princípios pelos quais uma empresa se rege, ou seja garantir o sucesso do seu produto, livrando-se da concorrência a médio e longo prazo, e que são inseparáveis do pensamento neoliberal, pouco se coadunam com as questões de ética ou responsabilidade, pois estas representam prescindir de uma parcela do lucro que se pretende maximizar.

Quando um produto é vendido ele incorpora como valorização da matéria-prima, o valor do trabalho despendido para o produzir, que não é pago pelo seu valor social, donde é desde logo uma externalidade social, e um valor de energia e de alteração do meio envolvente, normalmente com os rejeitos, de custos normalmente suportados pela sociedade, donde externalidades ambientais.

A empresa perfeita, do estrito ponto de vista da economia capitalista, é aquela que consegue minimizar os gastos com trabalho e com as questões ambientais, ou seja obter o máximo lucro com o mínimo custo possível. De outra forma irá estar sempre em desvantagem produtiva. Quando por via da lei é limitada a liberdade de actuar nos campos laborais e ignorar as questões ambientais, gerará mais lucro aquela que conseguir a maior impunidade no contorno dessas situações, ou no limite aquela que se deslocalizar para zonas onde esses escolhos sejam facilmente ultrapassáveis. Daí os maravilhosos destinos e economias em ascensão que tanto nos foram apresentados como, “os tigres”, e tão responsáveis pelos celebérrimos Made in.

São profusamente conhecidas empresas responsabilíssimas social e ambientalmente, com certificações e rotulagens de comércios justos, ecológicos, que recusam o trabalho infantil, que não utilizam peles de animais, enfim, uma miríade de distinções, e que depois são apanhadas a “pintar e bordar” com os direitos laborais e ambientais das populações autóctones. Tudo isto porque, no final das contas, é sempre a natureza da sobrevivência e prosperidade da empresa capitalista que a orienta, por mais que propague o contrário.

A única empresa verdadeiramente responsável, seria a que pagasse o salário socialmente justo, sem apropriação de mais-valias, a que custeasse a recuperação dos danos ambientais desde a produção da matéria-prima até ao desperdício causado pela sua produção, a que internalizasse os custos energéticos da utilização do produto, mas nesse caso o investimento não tinha retorno porque a equação teria resultado nulo, ou tendencialmente, medindo-se a eficiência da mesma na satisfação das necessidades dos utilizadores. Mas afinal isto é o que já acontece, ou deveria, com as empresas públicas.

Concluindo, a ética e a responsabilidade social e ambiental não são parte integrante da empresa capitalista, especialmente da grande empresa de capital multi ou trans-nacional, porque são essencialmente contrários à sua natureza e objectivos. Não quero com isto dizer que não existam pessoas que, de uma forma algo piedosa, não tentem incorporar estas noções nas políticas de empresa. Nem quer isto dizer que não existam pessoas que, bem intencionadamente também, acreditem ser possível fixar este tipo de valores nas empresas onde trabalham. Mas como afirmava Brecht: “Quem é pelo capitalismo e contra a barbárie, é como querer comer o bife e ter muita pena de matar a vaca”. Só que isto não é possível, porque simplesmente não o podemos cortar com ela viva.

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