domingo, 27 de dezembro de 2009

Mudando de ano, mudando de vida


Quando este texto for publicado estaremos já na recta da última semana do ano de 2009, normalmente dir-se-ia que com o novo ano a vida seria nova, qualquer coisa como se todas as questões e problemas que trazemos fossem milagrosamente apagados pela passagem de ano, quase como se de um chuveiro se tratasse limpando todas as maleitas e misérias da nossa sociedade.
A realidade porém costuma demonstrar exactamente o contrário, normalmente todas as contradições não só se arrastam como se agravam com o tempo. Não tenho dúvida alguma que daqui a um ano estaremos assistindo às mesmas acções de um sem número de organizações de apoio às mais diversas causas, desde os sem abrigo, às crianças desamparadas, passando pelos deficientes, com um sem número de campanhas de nomes mais ou menos apelativos, com sorrisos e casas, e arredondamentos à mistura.
Teremos sem dúvida, durante o próximo ano, várias recolhas em de víveres e outros bens, de distribuição de pão pelas paróquias, uma miríade de dádivas de pessoas contritas, de cabazes de Natal dados por Juntas de Freguesia, e muitas mais espectáculos e festas para aligeirar a pobreza dos que persistem necessitando.
Nunca poria em causa as boas intenções de muitos que organizam e se envolvem em tais frentes. Sei, que na maioria das vezes é gente que olha à sua volta e dificilmente consegue tranquilizar-se com a situação daqueles aos quais carece tudo, mas não comungo da via que trilham para enfrentar o problema. Este não reside na pobreza, reside sim na crónica desigualdade da redistribuição da riqueza.
Por paradoxal que possa parecer a pobreza não reside na incapacidade do indivíduo em satisfazer as suas necessidades e na maioria das vezes nem sequer na sua incapacidade produtiva, reside na incapacidade do Estado, sob as orientações políticas dos sucessivos Governos constitucionais, em promover uma coesão social baseada na redistribuição dos lucros daqueles que mais possuem.
O desequilíbrio gerado por quem tem pudor em cobrar impostos sobre as mais-valias geradas nas actividades financeiras, por quem recusa taxar as grandes fortunas, mas a quem não faz confusão alguma aumentar os impostos cegos, as taxas que recaem sobre a maioria da população ou o pequeno comércio, é na realidade o grande responsável pela falta de recursos para atender às necessidades dessa mesma população.
É porque o Estado falha em redistribuir a riqueza. É porque o Estado não tem força para cobrar aqueles que mais têm, é que recai sobre a população mais um ónus de dar dos seus salários, em géneros ou em um euro daqui ou dali, arredondado ou não, ou ainda em donativos pedidos directa ou indirectamente, para ajudar quem se viu de um momento para o outro sem nada, pese embora uma vida exemplar de trabalho.
Ver pessoas abrigadas nas ombreiras dos prédios ou nas arcadas dos monumentos, ver filas de pessoas para receber um saco de alimentos ou uma sopa quente, ou tão somente uma carcaça, deveria nesta data, em que tanto falamos na boa vontade, remeter-nos para as necessidades destes seres humanos todo o ano a par com o desperdício e a ostentação de tão poucos, que vivem sugando e amealhando o que de facto nunca lhes pertenceu.
O Natal não é quando um homem quiser. O Natal só o será quando a maioria dos homens o fizerem verdadeiramente. Quando transcorrido mais um ano os problemas a resolver não sejam os mesmos mas sejam diferentes. Quando todos os homens tiverem um quinhão justo do que produzirem. Então sim será Natal.


originalmente in "Registo"

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