quinta-feira, 7 de abril de 2011

O outro lado do espelho



Este texto foi publicado no jornal Registo


Quando esta crónica for publicada certamente já a Assembleia da República terá sido dissolvida, tendo-se aberto o caminho a eleições antecipadas.


A demissão do Primeiro-ministro e a consequente queda do Governo não se podem considerar inesperadas. Depois de um Programa de Estabilidade e Convergência, com três correcções subsequentes em que cada uma delas tornava mais difícil a vida dos cidadãos, depois de milhões, mais de um milhar de milhão, de Euros usados para salvar bancos às expensas de maternidades, hospitais, postos de saúde, escolas, postos de correios, oferta de transportes, etc. - tudo serviços que faziam profunda falta às populações e eram, na maior parte das vezes as únicas âncoras que impediam a completa despovoação de várias áreas do interior do país - depois das enormes manifestações de descontentamento em relação à precariedade, aos baixos salários, ao congelamento dos mesmos e das pensões de reforma. Depois de tudo isto nenhuma outra via existia para a manutenção do Governo e ainda menos para a sustentação destas políticas que o PSD vinha fazendo.


O descontentamento demonstrado pelas populações, mesmo quando desorganizado e passível de tomar rumos perigosos, impedia o PS de prosseguir estas medidas, por muito que se tivessem comprometido com a União Europeia e com a banca internacional e forçosamente impedia o PSD de prosseguir a ser o sustento desta política sem enfrentar as consequências da rejeição destas mesmas políticas. Assim o PSD definiu as medidas do PEC IV como inaceitáveis e, servindo de eco às palavras do presidente na sua tomada de posse, que aliás já lhe preparara e indicara o caminho, afirmou que havia um limite para os sacrifícios que se podiam pedir aos portugueses.


Tendo de antemão o conhecimento que, para os partidos à esquerda do PS, as propostas contidas no PEC eram inaceitáveis. Sabendo também de antemão que à sua direita tinha o respaldo necessário de quem prosseguia interesses idênticos, o PSD retirou o sustento que mantinha ao governo e este, sem o seu último pilar, naturalmente caiu.


Mas foi só o Governo que caiu, não foram as suas políticas. Na realidade as palavras do líder do PSD em Bruxelas e a sua entrevista num jornal de grande tiragem cá da terra, demonstram que as políticas a seguir são as mesmas. Além de ter afirmado ir aumentar o IVA – a despeito do que o próprio escrevera em livro, classificando os impostos indirectos de injustiça, e afirmando que jamais faria esse aumento – tomando-se desde já por Governo, deu garantias ao Presidente do Conselho Europeu, Claude Junkers, que as medidas constantes do PEC IV são mesmo para cumprir.


A imagem de Sócrates no espelho devolve-nos então apenas a de Passos Coelho, e a reprovação interna daquilo que depois externamente avaliza, é só o reflexo da vontade de substituir o primeiro no Governo, utilizando qualquer coisa como mero pretexto e, de caminho tentar uma aparência de maior preocupação com a gravíssima situação em que se encontra o nosso povo. Qualquer ideia ou esperança de uma alteração de políticas não podem, no contexto em que haja uma correlação de forças nitidamente à direita, ser mais do que um sonho vão ou uma ilusão sem sentido.


Daí que tal como não era inesperada a queda do Governo, as posturas do maior partido de oposição, que funciona como o seu espelho, também nada têm de inesperado. Surpreendente seria apontarem um rumo diferente. Da mesma maneira os fazedores de opiniões e sondagem, cujo único ofício é garantir o prosseguimento das políticas que garantam os interesses de quem lhes garante os rendimentos, apontam um resultado eleitoral que seja, com algumas pequenas nuances, o espelho daquele que teve lugar nas últimas.


A quebra destas simetrias só pode conseguir-se mantendo uma pressão quer sobre as afirmações que são feitas e exigindo mudanças muito claras nas acções governativas. Manter o alerta e manter uma mobilização forte, significa criar as condições propícias para uma correlação de forças que quebre as lógicas há muito estabelecidas e fale com Bruxelas e com a banca internacional com uma outra voz.

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