quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Guerra ao Estado Social


Este post é escrito no dia em que a Greve Geral foi, para lá de tudo o que se possa dizer do lado do governo e patronato, um sucesso absoluto. Todos os correspondentes de meios de comunicação estrangeiros assim reconheceram, mostrando que hoje em dia é praticamente impossível, como foi noutros tempos, iludir a verdade.

Ouvi nas últimas horas, como já tinha ouvido antes, disparates vários, de pessoas que não tem qualquer tipo de consciência social e ainda não compreenderam que os benefícios sociais não são esmolas dadas por ninguém, mas descontos feitos pelos trabalhadores. Pessoas que dizem que a situação do país é difícil, mas ainda não compreenderam que as dificuldades foram geradas pela banca, que enguliu as contribuições dos cidadãos para o Estado, pois o Governo não se fez rogado em lhe entregar o dinheiro dos nossos impostos, pessoas que não compreeendem que a dívida de que hoje se fala não foi criada por nós, e portanto não é nossa, e não temos de aceitar qualquer sacrificio para a pagar. Quem a fez tem lucros de M€ 4,1 por dia, e qua alguns, maugrado a crise, triplicaram os seus lucros nos últimos tempos. Aparentemente certas pessoas não se questionam porque pagam estes impostos escandalosamente baixos.

A greve que teve lugar é um importante sinal para futuro e prova que apesar dos contratos a prazo, dos contratos temporários, dos recibos verdes, dos falsos estágios...apesar de todos estes contras que tentam enfraquecer a capacidade de mobilização e luta dos trabalhadores, estes estão determinados a não serem as vitimas de quem criou a crise, mas que a não quer pagar.

Antes do texto que escrevi para o Registo, e que não foi publicado, sem que qualquer justificativa me tivesse sido adiantada, deixo apenas um último pensamento. Foi-nos dito que a aprovação do orçamento de estado era fundamental para que os juros da dívida não chegassem aos sete por cento. Afinal com OE lá chegaram aos 7%. Depois foi-nos dito que com a aceitação pela Irlanda do plano de "ajuda" financeira da UE e do FMI, os mercados sossegariam e os juros da dívida não subiriam e, na verdade logo no dia seguinte se prova mais uma vez a mentira que por aí grassa. As tentativas vão no sentido de promover uma intervenção do FMI, para facilitar novas invectivas contra os direitos sociais e laborais do nosso povo, esta grave vai mostrar que não será com facilidade que submeterão o povo português.




Jurando fidelidade ao Estado Social o Governo Sócrates vai, com pretextos de diminuição dos gastos públicos, destruindo e degradando tudo o que é sistema de segurança social e serviços públicos. Não bastando as escolas, os hospitais ou os transportes, a última novidade é a destruição da ADSE, o sistema que garante protecção na doença aos funcionários públicos, esses mesmos que gozando já dos mais baixos regimes salariais viram ainda cortados os seus rendimentos em 5%.

Este sistema que foi criado, pasme-se, em 1963, garante que os funcionários públicos, mediante o desconto de salário obrigatório, possam recorrer a cuidados de prestação de saúde e a assistência medicamentosa a custos mais acessíveis. O facto de provir ainda do tempo do fascismo mostra apenas que até então se reconhecia que os funcionários públicos, por auferirem salários mais baixos em relação às competências, se encontravam entre os mais desprotegidos da sociedade.

Ao propor o fim da obrigatoriedade da ADSE, o que o Governo vai promover é que aqueles que mais ganham, e que podem recorrer a outros sistemas, se retirem e com eles as suas contribuições. Quem sobra? Sobram aqueles que menores contribuições fazem donde desequilibra-se financeiramente o sistema. Uma vez desequilibrado basta propor o seu fim para não aumentar os gastos e comprometer o défice. Brilhante não? Os ricos nada perdem e os pobres vêem-se cada vez mais sem qualquer protecção do Estado, esse Estado para o qual trabalham.

Mas só por alucinação colectiva se poderia rejeitar Sócrates e promover Passos Coelho. Se um jura defender o Estado Social e o destrói, o outro nem sequer faz segredo que a sua receita iria ainda mais além na velocidade da destruição dos benefícios sociais dos portugueses. Aliás isso ficou mais do evidente com o acordo do Orçamento de Estado, esse mesmo Orçamento que se não fosse aprovado iria colocar os juros da dívida nos píncaros e afinal mal que o foi, lá foram para os píncaros os juros da tal dívida, deixando à mostra a mistificação e a falácia que a bancarrota significava.

Como bem notaram alguns investigadores o Orçamento de Estado e as condicionantes a ele associados, de que a destruição da ADSE, a privatização do que resta dos transportes públicos, ou dos Correios, o encerramento de hospitais e sua venda ao imobiliário são apenas alguns exemplos, foi gizado e negociado por todo o tipo de interesses financeiro, nenhum dos quais mandatado eleitoralmente pela população, mostrando cabalmente o significado que democracia tem quer para PS quer para PSD. Só serve quando os serve.

Nunca em toda a história do Portugal democrático se viu semelhante ataque aos serviços sociais do Estado e, pese embora várias vezes se tenha tentado denegrir o Estado Social, destruir a sua capacidade de regular os processos económicos, de passar para mãos privadas os recursos e meios, se tenha degradado propositadamente o ensino, a prestação de cuidados de saúde ou o acesso aos bens culturais, jamais foi tão clara a convergência de Bloco central com vista a atingir estes objectivos.

Não basta ficar a falar, a lamentar e seguramente não se pode acatar pacatamente aquilo que nos querem vender como inevitável. A última inevitabilidade, que eram os juros da dívida, mostrou-se falsa na primeira curva do caminho e quem prometeu que não iria impor mais “sacrifícios” por impossíveis prepara-se já para que outros, como o FMI, os proponham por ele.

Chega de enganos e trapaças, merecemos como povo um rumo melhor e uma política diferente.

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