foto fonte: mayhem-chaos.net
Após o desaparecimento da União Soviética e com ela de toda a experiência socialista em larga escala, os ideólogos do capital não perderam tempo em decretar o fim das divisões ideológicas entre direita e esquerda, dizendo muitos deles que esse tipo de divisão já não fazia sentido.
Os últimos vinte anos foram passados com os fazedores de opinião garantindo a pés juntos que a via por onde os Governos nos levavam era a única via possível a fim de dar resposta às necessidades humanas. Houve até quem tenha dito que o capitalismo era o único sistema capaz de satisfazer a humanidade.
Com isto assistimos à globalização das desigualdades, à exploração mais abjecta, à perda de direitos que levaram séculos de luta a conseguir, à sobrexploração dos recursos, à destruição de milhares de centros de cultura (tais como bibliotecas, museus, orquestras, companhias de teatro e bailado, etc.), ao encerramento de inúmeros centros de pesquisa científica, à diminuição dos níveis de cooperação com o terceiro mundo, e por fim à mercantilização de praticamente todos os recursos, inclusive os essenciais à vida humana como a água.
A crise, que hoje ocorre, nada tem de misterioso ou incompreensível, é a consequência natural de um processo que quanto mais riqueza acumulava numa camada, mais tinha necessidade de reaver as parcelas de riqueza que se lhe escapavam, procurando assegurar que todo o capital – primeiro o acumulado nas poupanças, depois o obtido directamente da remuneração laboral e por fim aquele que ainda não foi obtido, através do crédito sobre remunerações futuras – retornava ao ponto de partida. Isto, conjuntamente com as contenções salariais, provocou por um lado a permanente escassez de capital na circulação fiduciária, por outro o permanente défice dos Estados, com apropriações de impostos sempre insuficientes, dado que o sistema contributivo faz recair o grosso do esforço sobre as classes cujos rendimentos são preferencialmente provenientes do trabalho.
Neste sistema sempre cronicamente deficitário, e num país em que o financiamento é obtido junto da banca internacional sobre uma produção, cujo crescimento tem óbvios limites que não se prendem com a produtividade, mas com a incapacidade de aceder a matérias-primas e humanas a baixíssimo preço, a pressão para os cortes nos serviços do Estado são enormes, quer por parte da camada que vai acumulando internamente, quer do exterior. Numa situação em que o sistema bancário entrou em ruptura porque nos EUA a população deixou de poder pagar o encargo das dívidas (ou seja a amortização mais os juros exorbitantes), os fundos públicos canalizados para salvar o sistema bancário deixaram exaurido o Estado face às necessidades públicas. Daí que aumentou o recurso ao crédito que era obtido a taxas tanto mais insanas quanto maior era a necessidade. Que faz o Estado? Corta na satisfação das necessidades públicas, e aumenta a tributação sobre os mesmos que já sustentavam as necessidades. Não o faz sobre os que acumulam capital baseado num principio muito caro à direita que não se tributa os que geram negócios – Não estamos longe da política salazarista que desviava de quem consome, para quem investe – com a contradição insanável que sem circulação fiduciária não hà consumo interno.
A ideia que uma recuperação se faz somente com o aumento das exportações esbarra em duas barreiras intransponíveis, uma que um crescimento desse tipo além de expor o país às condições dos mercados internos de países estrangeiros, promove a emigração da população activa limitando as possibilidades do crescimento, isto sem falar no empobrecimento, envelhecimento e perda de competências e capacidades da população fruto da degradação da educação e assistência médica e medicamentosa; a segunda é que sendo as matérias-primas todas ou quase importadas e que a modernização do tecido produtivo é também grandemente dependente da importação de materiais e tecnologias, quaisquer exportações (a menos de que produtos de muito baixo valor acrescentado) estão presas ao aumento das importações e, portanto não contribuem para um equilíbrio ou superavide do comércio externo e consequentemente da riqueza do país.
O último Orçamento de Estado está recheado de medidas que preconizam estas soluções, promovendo um maior desequilíbrio da distribuição da riqueza interna (um desequilíbrio que não encontra precedentes nem nos últimos anos do regime fascista), e convém não esquecer que juntamente com o Reino Unido, Portugal é o país da UE em cuja distribuição de riqueza é mais desequilibrada.
É precisamente aqui que é traçada a fronteira entre ser de direita e ser de esquerda, é no combate às desigualdades e na promoção de sociedades em que as diferenças de rendimento se atenuam e se procura a realização da dignidade do indivíduo dentro da sociedade enquanto grupo coeso, se se define como de esquerda. Ou na concepção de uma sociedade em que o Estado é mínimo, só serve para defender os interesses dos grandes negócios, libertando-os das dificuldade legais e das tributações, para que cresçam livremente, criando no processo postos de trabalho, sem que se questionem que postos de trabalho ou quais as condições em que se exercem. Em suma é um Rift de natureza civilizacional que nenhum revés histórico poderá sanar.
A tributação das mais-valias mobiliárias realizadas por Sociedades Gestores de Participações Sociais (SGPS), Sociedades de Capital de Risco (SCR), Fundos de Investimento, Fundos de Capital de Risco, Fundos de Investimento Imobiliário em Recursos Florestais, Entidades não Residentes e Investidores de Capital de Risco (ICR) e a fixação em 21,5% da taxa aplicável a todas as mais-valias mobiliárias tributadas em sede de IRS e em sede de IRC, é no quadro de desregulamentação laboral, de cortes dos serviços públicos, do aumento de impostos directos e indirectos sobre a população, e principalmente num quadro traçado como terrível pelas forças do sistema – em que, segundo as mesmas todos têm de comparticipar no esforço – o traçar da linha por onde esse Rift passa. Quem a propõe, está a propor que a parte que acumula capital, seja impedida de retirar esse capital à massa tributável, propondo algo que é de uma clareza meridiana: Já que todos têm de contribuir, quem controla e participa nestas sociedades e fundos seja obrigado a contribuir para o Estado ajudando a financiar os bens sociais. Quem se lhe opõe, está afirmar que a acumulação de capital não deve ser perturbada e que não deve ser obrigada a contribuir socialmente, na convicção que esse capital deve ser investido para gerar novos lucros. Já vimos quem ficou de um lado e do outro do Rift.
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