domingo, 28 de março de 2010

A páginas tantas


Normalmente utiliza-se a expressão para dar a entender um desfecho, ou o caminho deste, ou para designar uma peça interessante ou curiosa que, por motivos que muitas das vezes não nos cabe saber, são remetidas para as páginas mais obscuras e menos demandadas por quem folheia uma qualquer publicação. Não cabem nesta definição os livros, porque como é óbvio qualquer capítulo, por interior que seja, tem relevância no desenvolvimento da trama.


Assim serão comentários a páginas tantas aqueles que vos trago hoje. A maioria meras curiosidades ou observações, na maior parte das vezes sem qualquer ligação imediatamente inteligível, mas que penso merecerem alguma reflexão:


A agência Fitch decidiu alterar o rating de Portugal de AA para AA- na véspera de votação do Projecto de Resolução, que consagra o PEC, na Assembleia da República. Diz esta agencia: “que no cenário base, os dois principais partidos políticos em Portugal conseguem chegar a um acordo relativo às medidas de consolidação orçamental”, mais dizem “Se a determinada altura, se tornar claro que as alterações na legislação necessárias ao esforço de consolidação não vão ser aprovadas, o nosso rating pode ser ainda mais afectado”.


Devo admitir que não deve ter havido na nossa história, desde o ultimato britânico, nenhuma ingerência feita de forma tão clara e arrogante na determinação das directrizes políticas do país. Não que não soubéssemos já quem determina as políticas em Portugal há muito tempo, mas ficámos a saber que certa oposição, quando se porta mal, é chamada à pedra pela voz do dono. Fica-me a dúvida para que precisa de um líder, se já tem vozes de comando?


O Presidente Obama afirmou: “Privatizar serviços do Estado é, normalmente, uma má ideia... Privatizar os nossos serviços postais é, definitivamente, uma má ideia”. Estou em crer que ninguém, pelo menos quem esteja no seu juízo perfeito, acusará o Presidente Norte-americano de Comunista ou sequer de Esquerdista, no entanto parece que para os nossos governantes privatizar uma empresa que além de ser o garante de um serviço postal de qualidade, que observa e respeita o sigilo e privacidade dos cidadãos, até dá lucro, não levanta os problemas que levanta à administração federal do EUA. Dizia há uns anos Edouard Goldsmith, que as multinacionais estavam a tornar-se mais poderosas do que os Estados, passando a ditar as suas políticas. Parece que não se enganava.


Num outro Registo, os Partidos são, por natureza, grupos de pessoas que partilham entre si afinidades ideológicas e que se associam livremente em torno de Programas e Estatutos de carácter político e intervenção social e económica. Quando se filiam em partidos os cidadãos fazem-no conscientes desses documentos e, pese embora possam não os compartilhar na totalidade, com estes se identifiquem. Ninguém é obrigado a aderir a um Partido. Donde as suas regras internas foram aceites e deveriam ser da exclusiva responsabilidade dos seus órgãos legítimos as prorrogativas de os ajustar e alterar.


As decisões de sanções por quebra da disciplina partidária têm de vistas a esta luz, e deveriam estar fora do âmbito de terceiros que nada têm a ver com a vida interna dos partidos. Quando um partido levanta questões de normas que lhe não dizem respeito, tendo ainda por cima normas idênticas nos seus estatutos, o que deveria ser considerado? As regras democráticas começam quando se reconhece os direitos dos partidos escolherem e decidirem da sua própria organização e regras internas. Tudo o resto é querer ser dono em casa alheia.


Por fim ocorre-me deixar nestas notas esparsas um sinal da minha perplexidade. A Câmara Municipal de Évora, pela voz do seu Presidente, informa que começará a cobrar as dívidas de abastecimento de água, algumas que remontam a oitenta e oito. Previdente iniciativa. Dívidas são dívidas, mesmo que bastante antigas e o município não pode dar-se ao luxo de não as cobrar. Certamente, junto com esta cobrança a Câmara Municipal pagará indemnizações pela fraca qualidade do serviço prestado, porque quando os cidadãos contrataram com o Município o fornecimento de água, esta era para entre outras utilizações, a lavagem de roupa e loiça e o consumo directo. Acontece que nenhuma destas actividades pode ser efectuada convenientemente, e que grande parte da população se vê forçada a adquirir água engarrafada para o consumo familiar. Donde as dívidas têm de ser pagas, mas a Câmara deveria pagar ela também todas as garrafas e garrafões de água, consumidos por todos os utentes dos serviços de abastecimento de água do município ao longo destes anos. Sim, porque ou há moral…

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