Tempos houve em que absolutos eram os monarcas. Estes governavam por direito divino e o seu arbítrio era soberano, deles dependia morte e vida e as relações entre homens e territórios, sendo que a própria ideia de Estado como todo integrante de território e população só surgiu anos depois com a Revolução Francesa. Até aí o Estado era o monarca e este tudo decidia.
Vêm estas linhas a propósito de várias coisas que durante a semana que passou prenderam a minha atenção e reflexão e cuja única linha de união era o poder de decidir em termos absolutos sobre a população e o território.
Os patrões, imbuídos de uma sensibilidade social, provinda sem a menor dúvida da quadra que atravessamos, propuseram um aumento do salário mínimo em 50 cêntimos por mês, demonstrando uma generosidade quase tão grande quanto a do Sr. Scrooge, que era capaz de ter optado pelo aumento 62,5 que o nosso governo adoptou, e que acabou por ficar na história como grande herói, pois comprometeu-se para este ano.
Isto mostra que não obstante o salário mínimo ter perdido perto de 15% do seu poder real, desde a sua criação em 1974, e de nunca ter tido qualquer recuperação real face à inflação, nem assim os nossos patrões desejam fazer qualquer esforço a favor dos mais desfavorecidos. Aliás diga-se de passagem, que o nosso salário mínimo não cumpre as boas práticas internacionais de cobrir 60% do salário médio. Não cumpre porque, em tempo de “vacas gordas”, sempre o nosso patronato e o nosso governo encontraram razões de sobra para não repor o poder de compra do mesmo: Ou era a competitividade, ou a produtividade, ou uma outra qualquer actividade.
Por outro lado são estes os mesmos patrões que não apostam na inovação tecnológica, em que a mesma não serve para aumentar a produtividade ou qualidade, e só existe quando significa pôr os trabalhadores na rua e assim poupar mais uns saláriozinhos. São ainda os mesmos que pretendem dispor das vidas dos seus empregados, alargando até 60 horas o horário de trabalho nesta quadra de Natal, tratando-os como se de máquinas se tratassem e aniquilando as suas vidas privadas. Empregados de hipermercados não têm direito de fazer as suas compras de natal, nem preparar as suas consoadas. Com sorte dar-lhes-ão a manhã de 25 quais Srs. Critchet, no conto de Dickens.
Mais monarcas absolutos, temos naqueles que não entendem que o poder é um exercício condicionado pela representação que foi, ou não, conferida pelos eleitores. Se eles não confiaram absolutamente o poder, mas apenas uma fracção maior do mesmo em relação aos adversários, será porque, como um todo desejam mitigar as propostas dominantes com as outras minorias. Assim um governo de maioria relativa é por definição ele mesmo um governo de minorias, esforços e entendimentos. Não se faz sem sacrifício de algumas propostas e posturas. Não se faz sem abdicar de algumas posições assumidas. E seguramente não se faz procurando impor uma vontade absoluta que não existe. Mas é em si mesmo um exercício de democracia e de capacidade de diálogo.
Aqueles que se queixam que outros procuram condicionar a sua vontade, quando em maioria relativa, são os mesmos que tentam impor as suas regras a qualquer preço e que convivem mal até com a diversidade ditada pelas regras da democracia representativa (já para não falar da participativa, pois dessa não querem nem ouvir falar).
A realidade é que para o bem ou para o mal o povo é hoje o soberano, mesmo que não se aperceba ou que lhe soneguem a maior parte do poder que essa soberania representa. Mas a que lhe resta outorga-a a quem quiser, portanto, quem é eleito para governar, deve governar respeitando as condicionantes que essa escolha lhes colocou, e não procurando servir-se desse facto para procurar retirar ao povo mais uma parcela dessa soberania. Só o monarca absoluto não tem de se governar com a vontade do povo.
19º Aniversário
Há 3 meses
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