domingo, 22 de novembro de 2009

Objectivos do Milénio – as piedosas intenções

Publicado originalmente no "Registo"

Tornou-se público, na semana que decorreu, aquilo que há qualquer cidadão medianamente informado já há muito tinha intuído. A FAO anunciou que os objectivos de erradicar a fome até 2015 estavam irreversivelmente postos em causa, apontando como nova meta 2040, a qual tenho por ciência certa virá a sofrer exactamente os mesmo destino que a sua predecessora.
Já agora convém lembrar que a OMS tinha proposto em Alma-Ata, no longínquo ano de 1978, 2000 como meta para a saúde para todos. Com algum bom senso a OMS não declarou o falhanço das previsões da conferência de Alma-Ata, nem sequer traçou nova meta, pois correria o risco de descredibilizar ainda mais as agências da Organização das Nações Unidas, se é que é possível descrédito maior.
A ONU não foi capaz nos seus anos de existência de servir de árbitro aos conflitos, agitando-se como uma cana ao vento ao sabor da parte mais forte, foi assim no caso do Congo, da Palestina, em que o Estado de Israel não cumpriu, não cumpre, e dificilmente alguma vez cumprirá as resoluções do Conselho de Segurança, foi assim na República Árabe Saraui Democrática, em que foi incapaz, e já lá vão anos esquecidos, de promover o referendo sobre a sua autodeterminação, foi assim com a Jugoslávia, que serviu como palco dos mais variados interesses no seu desmembramento, excepto o do direito internacional e é assim com os inúmeros refugiados nos mais variados países.
Mas se estes problemas são de uma gravidade imensa, não menores são os problemas da erradicação da fome, da doença, da falta de habitação condigna, do não acesso à educação e cultura, e esses, os tão propalados objectivos do milénio, não só não estão cumpridos como muito longe de cumprir.
Nem poderia ser de outro modo. Caso fossem cumpridos os objectivos do milénio nunca mais ninguém venderia a sua força de trabalho por um prato de comida ou pouco mais do que o equivalente, nunca mais os recursos dos países não industrializados seriam vendidos a interesses multinacionais ao preço de “dez reis de mel coado”, nunca mais a ignorância e o desconhecimento impediriam os povos de exigir ser tratados com a dignidade que é devida a todo o ser humano. Logo desapareceriam as chamadas vantagens da diminuição do preço dos factores de produção e um dos pilares do moderno paradigma empresarial, a produtividade. Todos os trabalhadores teriam de ser tratados, em qualquer parte do mundo com os mesmos direitos e regalias, quebrando o ciclo de produção a baixo preço, mas cujo custo social e ambiental é pago algures onde não vemos.
A notícia surgida hoje mesmo de que 15% dos agregados familiares Norte-americanos já passou fome, mostra claramente que semelhante processo não é um exclusivo das relações globalizadas. Reproduzindo-se em pequena escala mesmo dentro dos países industrializados.
Os dados que indicam que a ajuda prevista ao terceiro mundo, de 0,8% dos PIB’s, acordado na cimeira do Rio em 1992, que de facto é apenas uma pequeníssima reposição dos ganhos com a exploração da matéria-prima, não só nunca foi cumprida e, quase uma vintena de anos transcorridos, se cifra em menos de 0,1% do PIB, são de uma clareza meridiana quanto à impossibilidade de cumprimento de metas que por pias intenções as Nações Unidas fizeram avançar.
Donde não é por falta de capacidade ou produção, deficiência tecnológica ou incapacidade técnica, que os famosos objectivos do milénio não são cumpridos. Eles não são nem podem ser cumpridos porque se o fossem significavam a subversão completa do sistema económico vigente e abriam caminho muito rápido ao desaparecimento deste sistema. Daí que piedosas intenções não bastam, é necessário realizá-las.

2 comentários:

Anónimo disse...

Não tanto pelo teor do escrito, mas un pouco pelo seu conteúdo e muito pelo desenho que puseste e porque estou a lêr um livro de poetas ( Jovens poetas Moçambicanos ) junto ao teu escrito este poema simples mas muito cheio de força .

O NUCLEO TENAZ

Com o poema
Abriremos a noite
Jugularemos o medo

Com o poema
Construiremos o homem -
Não o homem definitivo
Enquistado em verdades irrecusáveis
Em certezas absolutas
Mas o homem
Em permanente transformação
O homem em viagem
O homem-interrogação.

Porque o poema é sempre
(mesmo o das palavras mansas e amáveis)
O núcleo tenaz
Duma revolução.

João Vector

Abração amigão !
LEÃO

Carlos Moura disse...

Fantástico poema, para mim que acredito que o homem novo existe de facto e se vai construindo um pouco a cada dia, este poema é de facto um portento. Obriado pelo poema e pelo teu pronto regresso às lutas. Um grande abraço