Este é um artigo que deveria ter sido públicado, no jornal "Registo" na passada segunda-feira dia 9 de Março, infelizmente, por motivos que desconheço, não o foi. Como entendo que não deveria deixar de o partilhar, será aqui publicado na integra.
Eu fui, e creio que fomos todos, apanhado de surpresa pelo assassinato do Presidente da Guiné-bissau, Nino Vieira. Não que surpreenda muito o facto, surpreende é o tempo e o modo. O modo porque a barbaridade do acto revela um crime movido por acto de vingança ou ódio e não por motivos políticos. O tempo porque Nino Vieira sobreviveu a várias crises e a uma deposição ao longo destes muitos anos em que marcou a vida da Guiné-Bissau.
A história de Nino é uma história que segue em paralelo com a da antiga colónia portuguesa, e se é um facto que tem um papel importante na proclamação da independência em Setembro de 73, também é verdade tem um papel maior ainda no “assassinato” do projecto do fundador da Nação – Amílcar Cabral.
Quando João Bernardo Vieira, de seu nome real, é chamado a proclamar, em Medina do Boé, a independência do Estado da Guiné-Bissau, este era entendido como mais um passo na aplicação do Projecto do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, PAIGC, projecto esse que intentava pela primeira vez na história africana, e de forma pioneira a nível mundial, uma unidade de dois Estados, respeitando a auto governação de cada um, mas que visava a complementaridade económica e de desenvolvimento, por forma a garantir a melhoria das condições de vida e do entorno social de ambos os povos. Este princípio, que estava longe de se esgotar na realidade destas ex-colónias, era não só reprodutível em África, mas em muitas outras regiões do mundo, tocadas pelo subdesenvolvimento e pela realidade colonial da especialização de produções nas várias colónias.
Intentava assim Cabral, suprir as deficientes condições de produção agrícola das ilhas e ao mesmo tempo proporcionar que estas servissem como plataforma de escoamento das produções guineenses e manancial de quadros para o desenvolvimento autóctone deste país. A morte de Amílcar Cabral, resultou deste modo num atraso do desenvolvimento do continente africano, que pese embora os já longos anos passados do seu desaparecimento, ainda não foram superados.
Era por isto que Cabral tinha de morrer. Era por isto também, porque a morte do homem não conduziu à morte do seu projecto, continuado por homens como Luís Cabral, e Aristides Pereira, que em 1980, o comandante Kabi, a outra alcunha de guerra de Nino, levou a cabo o golpe de estado que depôs Luís Cabral, e que selou o fim do projecto do PAIGC, selando ao mesmo tempo o início do ciclo de pobreza e violência endémica na Guiné-Bissau.
Luís Cabral
(fonte:blogesforanadaevaotres.blogspot.com)
Aristides Pereira
(fonte:blogesforanadaevaotres.blogspot.com)
Infelizmente para os guineenses, infelizmente para os africanos, não é hoje possível nem exequível prosseguir o projecto de Cabral. Antes é necessário reencontrar os pontos onde esse projecto foi fracturado para permitir que possa vir a ser retomado, em novas bases e de forma mais ampla, daqui por trinta ou cinquenta anos. Só o desenvolvimento do Estado da Guiné-Bissau em termos económicos e humanos, libertando-se das redes de droga e de armas que o tolhem, pode contribuir para esse processo e para o fim de uma era.
Será a prova que os homens que se guiam por interesses, como Nino, de facto morrem. Mas aqueles que se movem por ideias e por dedicação aos povos, com projectos e objectivos que engrandecem a dignidade humana, continuam vivos.
Amilcar Cabral e a Luta de libertação
Sem comentários:
Enviar um comentário