segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Golpes. Uns existem outros não.


Não se deve dar relevo ao que relevo não tem. No entanto as tentativas de baralhar e confundir o próximo não devem nem podem passar em brancas nuvens.
Escrevia no jornal "Público", e desculpem-me enunciar pela primeira vez o órgão a que me refiro, um leitor, uma carta muito polida procurando de uma forma amável argumentar que a destituição da Presidente Dilma nada tinha de golpe, chegando a compará-la com a queda do falhado governo Passos-Portas que o então Presidente da República intentou logo a seguir às legislativas.
É bom que se diga que nenhuma destas coisas pode colher.
O sistema de Governo Brasileiro é um sistema presidencial. O Presidente é eleito por voto universal directo e secreto, escolhendo então a sua administração para gerir a coisa pública. Cabe ao poder legislativo, além de elaborar leis, fiscalizar o Governo, no respeito pela soberania nele depositada pelos eleitores. O "impeachment" (destituição por impugnação) só deve ser utilizado em face de uma alteração grave da ordem constitucional, ou seja, quando o Presidente afronta o texto fundamental.
As chamadas "pedaladas fiscais", que não irei explicar de novo, não são alterações da ordem constitucional. São delitos orçamentais cujo pronunciamento do Congresso não poderia alcançar a destituição do cargo Presidencial. Além disso tudo o que Deputados Federais disseram no Plenário tinha a ver com o julgamento à luz de uma opção ideológica e não com um acto judicial.
Procurar dizer que o que seria considerado um delito menor tem dignidade de subversão da Constituição Federal é desconhecer quer a natureza dos actos, quer a Constituição Federal.
Donde os argumentos utilizados carecem de legitimidade.
Comparar com o acontecido em Portugal é, no mínimo "baralhar as estações".
Em Portugal o sistema é semi-presidencialista, ou seja pese embora eleito em sufrágio directo e secreto, não cabe ao Presidente formar uma administração. Esta prerrogativa cabe ao Parlamento (não ao Primeiro-ministro que na ordem jurídica e constitucional portuguesa não é nem nunca foi eleito, donde não lhe cabe nenhuma parcela da soberania excepto a que lhe é outorgada pelo Parlamento).
O Parlamento, esse sim soberano, pode consoante a sua correlação de forças, aceitar ou recusar o candidato proposto pelo Presidente da República, por motivos de opção política e não outra, uma vez que não lhe cabe julgar o Primeiro-ministro ou sequer o Presidente por motivos jurídicos.
Donde a diferença é substancial. O Presidente brasileiro tem delegação de soberania própria, o Primeiro-ministro português não tem; o Congresso Brasileiro não pode destituir o Presidente por motivos de opção política. A Assembleia da República Portuguesa  pode recusar o programa político do Primeiro-ministro implicado a queda imediata do Governo; A decisão do Senado brasileiro tem assim uma consequência jurídica, por julgar um crime (está investido para o julgamento do "impeachment" de poderes judiciais, sendo presidido nesse momento pelo Presidente do Supremo Tribunal), a votação de moções de rejeição por parte da Assembleia da República não se reveste de nenhuma consequência de ordem criminal (a AR não tem em nenhum momento qualquer poder judicial).
Estas diferenças são essenciais para se perceber que: 1- O Congresso Brasileiro extrapolou os poderes de que está investido, transformando um delito fiscal numa responsabilidade de alteração da ordem constitucional. 2- As situações da queda do Governo Português e a destituição da Presidente Dilma Rousseff não podem ser analisadas como se se tratassem de questões da mesma natureza e ordem jurídica. 3- A Assembleia da República Portuguesa agiu totalmente dentro dos seus poderes e observando as normas constitucionais em vigor.
Concluindo: A destituição da Presidente Brasileira foi levada a cabo por motivações políticas a coberto da subversão do ordenamento jurídico e Constitucional da República Federativa do Brasil, constituindo de facto, um Golpe de Estado, porquanto foi desrespeitada, por motivo constitucionalmente ilegítimo, a soberania popular consagrada na Constituição Federal.
A rejeição, sob forma de moção, por parte da maioria dos deputados da Assembleia da República Portuguesa do programa do XX Governo constitucional, implicando a queda do mesmo, processou-se respeitando as normas constitucionais portuguesas e observando o respeito pela vontade maioritária do povo soberano expressa em eleições, não existindo portanto subversão ilegítima da vontade da soberania popular, donde não existe neste caso qualquer fundamento na alegação de golpe. 

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