quinta-feira, 8 de julho de 2010

Não somos tontos.

O Presente artigo foi publicado no Registo - infelizmente então por uma distração ficou com um parágrafo quase ininteligível.

Num dos números deste jornal um comentador, explicava de forma muito pedagógica, às crianças e aqueles que teimosamente não querem compreender, que os sacrifícios exigidos aos portugueses são necessários porque um Estado não pode gastar mais do que produz, o que seria o caso do estado português, excepto em situações de especial necessidade de investimento, que o levaria a endividar-se.

Nada a opor á explicação assim dada…excepto que não corresponde de todo à realidade. Os dados que vão sendo tornados públicos, quer pelo Eurostat, quer pelo INE, são de uma clareza meridiana em relação à desigualdade da distribuição da riqueza produzida, variando entre 59% para os salários em 1975 (é bom de ver que mesmo no fim do regime fascista, 1973, a parte do rendimento nacional que os trabalhadores portugueses recebiam correspondia a cerca de 47,4%, de acordo com o Banco de Portugal), perdendo desde então até hoje face aos lucros, com a inversão que se veio consubstanciando, sendo em 1995 de apenas 35% e em 2002, menos de 37%.

Em contrapartida o valor destinado aos lucros subiu vertiginosamente, de 24,3%, para 40% do PIB, entre 1975 e 1995.

Assim temos hoje os 20% da população mais pobre a receber 5,0% do Rendimento líquido nacional e os 20% da população mais rica recebendo 44,9% do mesmo rendimento, ou seja 7,6 vezes mais.

A própria União Europeia, em relatório de 2008, apontava Portugal como o país mais desigual da União, sendo que as despesas com a protecção social representavam 24,9% do PIB do país, valor abaixo da média europeia, que ficou em 27,3%.

Mas tudo isto poderia até entender-se se a riqueza produzida fosse de facto tão baixa que a sua redistribuição fosse difícil. Acontece que segundo Luís Bento, professor na Universidade Autónoma de Lisboa, Portugal tem uma riqueza muito perto da gerada na Finlândia, donde é por demais óbvio que o problema mais do que na geração de riqueza, está na deficiente redistribuição da mesma.

Como é feita a redistribuição de riqueza? Muito simples, são precisamente os investimentos em bens sociais, como a escolarização, a saúde, o direito ao lazer, que permitem aos trabalhadores usufruir da riqueza gerada pelo país e ao mesmo tempo ser a força motriz do mercado interno.

Afirmar-se, como é afirmado, por vários comentadores que os direitos sociais não são eternos, ou que temos de prescindir deles para permitir um equilíbrio nas contas do país, é à luz destas informações uma enorme mistificação de forma a permitir que aqueles 20% que já se apropriam de uma vasta parte da riqueza nacional, possam ver aumentada mais ainda essa parcela.

As injustiças, que foram geradas ao longo destes anos, têm assim todas as condições para se agravar, condenando de forma muito objectiva, cada vez mais cidadãos às condições de pobreza, ou de limiar de pobreza. Por isso fazer frente às medidas propostas pelo PEC e por várias coisas que lhe estão apensas, não é defender teimosamente o Estado, é defender as condições de vida e trabalho justas para o nosso país e o nosso povo. É que ao contrário do que julgam não somos nem crianças, nem tontos, e já agora, não insultem a nossa inteligência.

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