sexta-feira, 30 de julho de 2010

Colecção de Patranhas

Este texto foi publicado originalmente na "Voz do Operário"

Não sendo um grande coleccionador, nunca além de selos, postais, bilhetes de transportes, pacotes de açúcar, achei-me neste início de Verão com uma colecção que de todo procurei, uma colecção de patranhas. Os partidos que têm dominado o poder nos últimos anos, os determinantes da Europa, e até outros que teriam por dever agregar-se na luta contra a falsidade, foram com a crise, nas suas múltiplas formas, pródigos na oferta de patranhas com que se vai torpedeando a capacidade crítica, baralhando o pensamento e assim intrujando os portugueses sobre a realidade e a posição a assumir sobre as questões nas quais as patranhas incidem.

Uma das primeiras peças da colecção é a própria necessidade de sacrifícios para “vencer” a crise. Um Governo que entrou com milhares de milhões de Euros para salvar a Banca, que permite que passem em brancas nuvens os lucros de M€ 5,5 da mesma, cobrando em seu lugar ao cidadão impostos que recaem inclusive sobre os géneros mais necessários à sobrevivência; Um Governo que permite a continuação de off-shores livres de qualquer regulação imposto, autorizando a subtracção de centenas de milhares de Euros ao erário público e ao mesmo tempo exclui das prestações sociais os elementos dos agregados que pouparam, por vezes com grande sacrifício, algum dinheiro e que sobre o mesmo pagaram os devidos impostos; Não pode afirmar que estes sacrifícios são imprescindíveis para salvar o País e contudo vende esta patranha.

A segunda peça de patranha vem de uma certa oposição que afirma, quanto mais precários houver, mais emprego existirá. Ora uma tal medida não e em favor das necessidades da população. Como é possível que se mantenha gente anos a fio, sem saber o dia de amanhã? Sem poder planear a sua vida, sempre com medo de adoecer, de engravidar, de ser despedido. Tais medidas só permitem a que aqueles, a quem a “crise” não afecta, embolsem mais uns tostões, baixando salários e baixando direitos, expondo os trabalhadores a toda a espécie de arbítrio e opróbrio. Dizer que tais medidas promovem o emprego e são necessárias para a saída da crise e de uma absoluta falsidade e contudo vende-se esta patranha.

Mais uma obra-prima de patranha é aquela que afirma que devem ser negados os benefícios do rendimento de inserção social a cidadãos com cadastro. Esta patranha é particularmente insidiosa porque muita gente rapidamente adere a ela, sem mesmo notar que está a condenar um cidadão pela segunda vez, desta feita condenando-o a não ter qualquer saída reabilitante para a sua vida, empurrando-o impiedosamente ao recomeço do crime. É uma patranha com dois fins, um granjear apoio fácil entre as mentes mais mesquinhas, a segunda garantir que o crime se mantenha em valores altos, permitindo e autorizando medidas securitárias tão caras aos vendilhões da patranha.

Não acabarei a apresentação desta colecção sem falar dessa preciosidade da patranha que é considerar que a austeridade que nos impõem é criminosa, mas…ao mesmo tempo, entender que é aplicável aos gregos. Esta patranha foi desenvolvida com o apoio à participação de Portugal ao empréstimo da UE à Grécia, empréstimo esse que
trazia agregadas as condições de austeridade que foram de facto impostas, disfarçando esta atitude de ajuda desinteressada. O empréstimo em causa não servia, nem jamais pretendeu servir, os trabalhadores gregos, mas sim ajudar a banca grega a salvar dividendos através da criação de condições para aumentar impostos, privatizar e reduzir benefícios sociais. Coisa que aqui os fabricadores da patranha já entendem inaceitáveis.

Pois é, As patranhas são assim, vendem-se por necessárias e boas medidas, mas na realidade têm a equivalência do conto do vigário. Resta saber quem as compra.

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