terça-feira, 30 de setembro de 2008

Socialismo e Sustentabilidade


Este texto não é novo, de facto é a colagem de vários textos que fui escrevendo ao longo de quase 12 anos e que perdi na maioria num incidente informático. Esta colagem utilizei-a para expressar a minha opinião em pelo menos uma outra ocasião. Esta, no entanto é uma versão actualizada do tema, e que, pelo menos assim sei que não desaparece. Decidi colocá-la por desafio de um bom amigo e Camarada, que me enviou um lik para um filme que também colocarei aqui (não indicarei a referência porque vem no próprio video).
Boa Leitura

Os postulados marxistas sobre o valor de alienação dos recursos e a possibilidade da mutabilidade destes em capital, como condições essenciais para o processo capitalista, estão hoje mais do que identificados quer nos documentos produzidos, quer na acção do partido. No entanto é identificável uma enorme dificuldade em lidar com conceitos mais recentes, em grande parte por receio de a sua análise implicar o afastamento em relação aos princípios ideológicos marxistas-leninistas e uma igualmente grande lacuna na análise e interpretação de autores não marxistas à luz da ideologia que norteia os Comunistas.

A identificação da Natureza, pelos Comunistas, como um sistema global em evolução em contraposição com a visão utilitária do Capitalismo, tal como se encontra plasmado nos documentos da Conferência Nacional do PCP sobre questões económicas e sociais, é importantíssima para o início de uma análise sistémica da questão. Contudo a visão dicotómica Homem-Natureza em contraposição ao Conceito Ambiente é uma contradição flagrante às teses expressas por Engels na Dialéctica da Natureza, em que expressamente diz: “Não podemos esperar dominar a natureza como um exército domina uma nação estrangeira, antes lhe pertencemos com a nossa carne, o nosso sangue e o nosso cérebro”. É este o Conceito Ambiente, que à altura carecia ainda de uma designação, que dá sustentação à relação diferenciada de uma Natureza serventuária das necessidades humanas e de uma natureza complementar e interdependente das necessidades humanas.

É neste debate também que se inserem as questões do Desenvolvimento – Integrado? Sustentado? Sustentável? O debate sobre esta questão não é nem recente nem ideologicamente inócuo. Vem-se assistindo, de há alguns anos a esta parte, ao crescimento do número daqueles que vêm afirmando a impossibilidade de actuação a nível ambiental e de conservação da natureza, sem que se processe uma alteração na infra-estrutura económica que é ao fim e ao cabo responsável (quer pela sua lógica de produção quer pelos fins económicos em vista) da degradação dos sistemas terrestres. As várias correntes que vêm surgindo, têm propalado variadíssimos princípios, porem têm confirmado a sua directriz de procurar a implementação de um desenvolvimento durável, e mau grado as divergências quanto aos métodos e terminologia, todos parecem concordar com a definição Brundtland.

A ideia que pode existir um desenvolvimento, que satisfaça as aspirações dos povos neste momento, ou no futuro, sem alterar radical e negativamente o meio envolvente (e não Natureza, porquanto o homem nele integrado não é um produto exclusivamente da natureza, mas também do processo histórico e social que ele próprio conduz, como também não o é a paisagem e, para sermos rigorosos nem a própria fauna e flora dominantes em determinado período histórico, ou mesmo a atmosfera), supõe o desenvolvimento de equitativas e necessárias redistribuições de riqueza, sem a apropriação dos ganhos marginais dos recursos ou da transformação dos bens, devolvendo-os ao seu valor social original. Não é então deste modo uma ideia estranha aos Marxistas-Leninistas.

Perante estes factos e pela própria dinâmica ideológica, notamos que por caminhos diferentes quer as correntes de pensamento ecológico Anglo-saxónicas, Nórdicas quer as de raiz Ibérica (Sul-americana e Catalã, principalmente) ou Francesa se têm paulatinamente aproximado do pensamento e dos principais postulados marxistas. Do ponto de vista de um marxista, isto aparece não só como uma confirmação da justeza dos seus ideais, acrescentando-lhes visões sistémicas e assim processando o desenvolvimento da ideologia Marxista-Leninista que se deixara até aqui algo cristalizada no tema, e incapaz de demonstrar as suas capacidades de alteração da realidade e combate ao neo-liberalismo vigente, também no campo da protecção ambiental.

Há por outro lado vozes que, como muito bem lembra a edição N.º 291 de "O Militante" afirmam, em retoma das teses de Kautsky, que o Capitalismo não esgotou as suas possibilidades de desenvolvimento para que seja possível a sua superação consequente. O erro que acompanha esta interpretação baseia-se grandemente na ideia que o desenvolvimento Capitalista não se esgota no pleno desenvolvimento das classes da sua superstrutura, mas que é desenvolvimento todas as alterações dessa mesma superstrutura social, baseadas nas alterações supervenientes da infra-estrutura económica. A ideia, que parece sedutora, especialmente para o Capital, baseia-se no falso princípio que os recursos que alimentam essas sucessivas alterações económicas são infinitos, e por outro lado que suas alterações são uma alteração dos princípios das relações sociais e suas contradições, o que é um erro absoluto.

Quanto mais escassos são os bens, maior valor de mercado atingem, tornando mais apetecível a exploração do recurso, mesmo com maior investimento. Os ganhos económicos assim gerados, são um acréscimo à mais valia, que é tanto mais valiosa quanto mais perto do exaurir estiver o recurso associado. Sem qualquer freio, do ponto de vista social, este será inexoravelmente explorado até se esgotar. Logo o "desenvolvimento" final do Capitalismo só poderia dar-se depois de esgotados os recursos... Só que aí nada mais haveria para superar, pois nenhuma sociedade sobrevive sem infra-estrutura económica ou recursos.

A tese da economia clássica, resulta obviamente da mesma forma para a economia socialista, tal como decorre da demonstração matemática de Kantorivich e Novojilov, no quadro da Academia de Ciências da URSS em 1971. De onde se depreende que a economia soviética, ainda que planificada, estava a funcionar numa lógica de acumulação de capital, descartando as teses de Engels, factor que contribuiu grandemente para o aparecimento de contradições internas, quer ao nível da produção, quer da distribuição de bens de uma forma equilibrada, ou até na degradação da natureza enquanto Sede dos recursos naturais.

O que se pretende demonstrar com estas palavras é que, não só a Definição de Ambiente se prende em grande medida com a análise Marxista à época em que Engels desenvolveu o seu trabalho, como o próprio conceito de Desenvolvimento Sustentável é, em grande medida, subsidiário do desenvolvimento dos postulados Marxistas-Leninistas no sentido sistémico. Na realidade o Capitalismo atingiu a sua superstrutura social final, já nos inícios do século XX, e são meramente pontuais as alterações desde então verificadas, comportando-se as relações de classe como uma maré ao sabor dos ciclos económicos de expansão ou retracção económica.

A economia mundial está gravemente afectada, por um conjunto de problemas relacionados com:

- Uma combinação maciça de desemprego e a proliferação de empregos de baixo salário.

- Um alto índice de trabalhos a “contrato temporário”

- Aumento da pobreza relacionada

- Desagregação social, manifesta nos índices de sem abrigo, criminalidade e problemas relacionados com droga.

- Escalada das dividas internacionais e nacionais

- Escalada da competição pelos mercados nacionais e internacionais

- Ameaça de falhanço do sistema de suporte da vida humana à medida que o “crescimento económico” vai devastando e exaurindo o ambiente global.

Nas actuais circunstâncias, e com as acções mais comuns o progresso é lento, e na ausência de acções concertadas e alterações radicais nas instituições financeiras económicas e políticas, tudo irá de mal a pior. A manutenção de um elevado índice de crédito no sistema bancário gera uma constante falha no sistema de circulação fiduciária, o que conduz a escaladas na dívida interna e externa dos estados, provocando uma incessante procura de “crescimento económico”, com as evidentes consequências por um lado no ambiente por outro no emprego devido à procura de produtividade crescentes alicerçadas na tecnologia, geradora de desemprego. Parece evidente portanto uma necessidade de mudanças, numa linha de enfraquecimento do sistema bancário e fortalecimento do estado no que diz respeito ao sistema fiduciário, possibilitando assim outras mudanças. A distribuição de riqueza, excluindo juros, mais valias e outros rendimentos não ganhos, é feita principalmente através dos salários.

As operações do actual sistema fiduciário asseguram a própria natureza cíclica do sistema e a sua tendência periódica para graves depressões económicas. A permanente procura e dispensa da força de trabalho promove a insegurança crónica ou pelo menos períodos de baixos salários e empobrecimento de largas faixas da população. O impacte das depressões é concomitantemente crescente. A descapitalização das populações, através destas duas vias – o desemprego, por falta de sectores produtivos deslocalizados, e do empréstimo, em condições de altos juros – foram a gota de água que conduziu á implosão de uma situação que não se alicerçava em qualquer produção. Entretanto a distribuição de mais valias tornam imperativo o agravamento da tendência de aumentar a produtividade, frequentemente substituindo trabalho por tecnologia e suscitando o desemprego. A globalização funciona como caso extremo destas condições permitindo jogar com factores de deslocalização em termos de custos e adaptabilidade da força de trabalho a condições salariais mais baixas e à facilidade de introdução de tecnologia (significando o despedimento em massa).

Os governos pelas próprias condicionantes dos juros das várias dividas, tentam reduzir a provisão da segurança social estatal, contribuindo assim para o aumento da pobreza e da insegurança. O apelo de “que não há dinheiro” é assim uma falácia, fruto apenas do actual sistema económico.

A actuação do actual sistema provoca também ao nível ambiental os mais nefandos resultados, questões como: O aquecimento global; A deflorestação (coníferas setentrionais e tropical) com a subsequente perda de biodiversidade; O exaurir dos stocks pesqueiros; As modificações genéticas e a sua ameaça ao sistema imunitário humano, não são senão problemas colocados pela actuação das multinacionais na procura de maximização dos lucros. Aliadas a condições de crescimento da divida internacional e aumento da população, são uma mistura verdadeiramente explosiva. A visão das, multinacionais e seus acólitos de que apenas um crescimento nestas condições “salvaria” o consumidor ocidental de desemprego em massa e de preços altos e promoveria melhores condições de vida ao terceiro mundo, e que a atitude a tomar é permitir um maior crescimento, com uma total liberdade ao capital financeiro e as corporações transnacionais de se moverem mundialmente e de maximizarem lucros, esbarra com a questão da sobreposição da “liberdade” económica à liberdade do género humano.

Crescimento tornou-se resposta a todos os problemas humanos tais como superpopulação, desigualdade e desemprego, tendo sido adoptado também como resposta aos problemas ambientais. O próprio desperdício é nesse sentido garante da manutenção do sistema e do ciclo produtivo. Com o advento do chamado Capitalismo Ambiental, o desperdício torna-se matéria-prima rentável e portanto uma quebra do desperdício seria fatal para essa linha de negócio. De facto o capitalismo Ambiental longe de ser uma resposta ao problema da degradação ambiental, tende a agravá-la.

Porém um tal crescimento implica uma balança de transacções externa constantemente positiva, o que origina uma precarização salarial e laboral. Conclui-se que é necessário para que uma nação seja rica, que os seus cidadãos sejam pobres, com as consequentes implicações de uma vida em ambientes degradados. Isto porque é de levar em conta que se fala de “crescimentos económicos” constantes num mundo finito, o que acarreta a inevitável destruição ambiental, daí que não se possa falar de uma real protecção ambiental sem uma alteração do sistema económico.

Uma análise, ainda que meramente superficial, destas premissas deita por terra a ideia que pode haver um desenvolvimento, que o seja de facto, com uma garantia de promoção das relações sociais e satisfação das necessidades presentes e futuras, que não se alicerce na modificação da infra-estrutura económica, com uma alteração das relações de produção e dos próprios objectivos de produção (na realidade produz-se para dar resposta às necessidades do individuo e sociedade e não para a obtenção de lucros, que implicam sempre o desperdício e o apelo ao consumo desnecessário), mas também nas relações da infra-estrutura com a matriz produtora dos recursos.

A fórmula: desenvolvimento integrado versus desenvolvimento sustentável, coloca-se ao nível da polémica que em 1979 Gunter Kunert iniciava com o editor da “Sinh und Fórum”, Wilhelm Girnus. De facto podemos ter um desenvolvimento que integre diversas parcelas, nomeadamente as necessidades sociais, porém nem a diferença no modo de organização, nem a da forma de propriedade, altera os subprodutos finais. Então por muito integrado que seja o desenvolvimento, se não forem reorientados os seus objectivos de produção, ou seja se não forem sustentáveis as relações sociais e ambientais da produção, inevitavelmente teremos uma produção poluidora, por muitas medidas antipoluição aplicadas. Teremos assim, se insistirmos em utilizar a definição desenvolvimento integrado, a contradição efectiva com o corolário leninista: “de cada um consoante as suas capacidades, a cada um consoante as suas necessidades”, se dela fizermos uma leitura em que cada um são os vários sistemas: naturais (recursos pristinos), tecnológicos, e humanos.

1 comentário:

Carlos Moura disse...

Anda bem que gostaste, espero que issso te faça voltar aqui e a criticar e debater os meus posts. Apesar de não te conhecer, és bem vindo, como aliás todos os que quiserem vir ao Andar.
Abraço