segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Basta reprimi-los? Que ilusão….



fonte: Jornal Tornado

Hoje foi conhecida a sentença do Supremo Tribunal do Estado Espanhol relativa aos acusados do processo de independência da Catalunha. Na realidade dizer-se conhecido é um eufemismo… a natureza desta sentença era conhecida desde o início. Um Estado que impõe pela força a vontade dos detentores do seu poder – e neste caso até do seu soberano – não o faz apenas pela repressão das armas, mas pela repressão associada à legislação alcandorada à “legalidade” vigente. Esta não tem no entanto qualquer valor quando deixou de ser aceite como tal por uma parte significativa, se é que não mesmo pela maioria, daqueles que era suposto a ela estarem sujeitos.
É inegável neste processo que parte significativa da Catalunha não se revê na Constituição de 78, aquela que surgiu condicionada pelo Franquismo e portanto pelo levantamento de 18 de Julho cuja vitória pelas armas fez, de acordo com os mesmos, cessar a legitimidade da constituição de 31.
É por demais evidente, que não existe qualquer legitimidade na defesa desta sentença, ao contrário do que defende Joaquim Coll nas páginas do jornal “El Periódico”, e não existe, precisamente porque a partir do momento em que a legitimidade da Constituição de 78 é desafiada, e sem que exista qualquer capacidade política de a defender, se recorre à repressão com base na própria, como se a autolegitimação fosse um fim em si. Se este princípio fosse sequer vagamente democrático ainda viveríamos, em Portugal, sobre a vigência da constituição de 1820, pois que a mesma nunca poderia ter sido revogada.
Aliás pelo mesmo princípio nem a constituição espanhola de 78 poderia alguma vez ter existido.
Assim o que fica claro é que a chamada “judicialização” do processo não foi mais do que chamar a exercer repressão sobre os contestatários a máquina judicial, retirando o ónus do acto medieval de fazer exemplo dos cabecilhas junto da populaça.
Com efeito se o acto do referendo de 1 de Outubro era criminoso, não o poderia deixar de ser o acto de votar nesse referendo, e foram mais de 2,5 milhões de catalães os que o fizeram. Só que os verdugos não podiam, sem deixar à mostra a sua falta de legitimidade, julgar estes milhões. Assim a opção de se disfarçar a vingança sob a capa de sentença judicial dos cabecilhas, deixando ao poder executivo do Estado Espanhol uma actuação não menos medieval porém mais disfarçada de exercer a vingança sob esta população de um ponto de vista económico.
É contudo um engano pensar, e mais ainda dizer, como o fez o Presidente do conselho de ministros em exercício, que esta sentença significava o naufrágio do processo. Bem pelo contrário, a sentença e mais ainda o regozijo vil, de quem age como se tivesse acabado de obter uma vitória militar, só pode conduzir à revolta, ao aumento do ressentimento contra o Estado Espanhol – e aqui já nem se põe a questão de direita e esquerda, porque nenhum se mostrou capaz de outra atitude que não fosse a de tentar esmagar os partidários da independência (como se fosse possível esmagar 2,5 milhões de pessoas) – e isto terá seguramente consequências futuras.
Os responsáveis espanhóis mostraram à saciedade, quer pelo seu posicionamento, quer pelas suas acções, não terem qualquer outra proposta para a Catalunha que não seja a mesma receita dos seus antepassados: dominação e repressão. Deveriam ter aprendido com a história que estas receitas não acabaram com os sentimentos de independência da população. Não resultaram com o Conde-duque de Olivares, não resultaram com os decretos da Nova Planta, não resultaram com a repressão de 32, e apesar do grau de violência não resultaram com o Franquismo. É pura ilusão pensar que resultam hoje, não obstante a cumplicidade ditada pelos interesses económicos capitalistas, da tão propalada comunidade internacional.

Sem comentários: