Hoje foi conhecida a sentença do Supremo Tribunal do Estado
Espanhol relativa aos acusados do processo de independência da Catalunha. Na
realidade dizer-se conhecido é um eufemismo… a natureza desta sentença era
conhecida desde o início. Um Estado que impõe pela força a vontade dos
detentores do seu poder – e neste caso até do seu soberano – não o faz apenas
pela repressão das armas, mas pela repressão associada à legislação alcandorada
à “legalidade” vigente. Esta não tem no entanto qualquer valor quando deixou de
ser aceite como tal por uma parte significativa, se é que não mesmo pela
maioria, daqueles que era suposto a ela estarem sujeitos.
É inegável neste processo que parte significativa da
Catalunha não se revê na Constituição de 78, aquela que surgiu condicionada
pelo Franquismo e portanto pelo levantamento de 18 de Julho cuja vitória pelas
armas fez, de acordo com os mesmos, cessar a legitimidade da constituição de
31.
É por demais evidente, que não existe qualquer legitimidade
na defesa desta sentença, ao contrário do que defende Joaquim Coll nas páginas
do jornal “El Periódico”, e não existe, precisamente porque a partir do momento
em que a legitimidade da Constituição de 78 é desafiada, e sem que exista
qualquer capacidade política de a defender, se recorre à repressão com base na
própria, como se a autolegitimação fosse um fim em si. Se este princípio fosse
sequer vagamente democrático ainda viveríamos, em Portugal, sobre a vigência da
constituição de 1820, pois que a mesma nunca poderia ter sido revogada.
Aliás pelo mesmo princípio nem a constituição espanhola de
78 poderia alguma vez ter existido.
Assim o que fica claro é que a chamada “judicialização” do
processo não foi mais do que chamar a exercer repressão sobre os contestatários
a máquina judicial, retirando o ónus do acto medieval de fazer exemplo dos
cabecilhas junto da populaça.
Com efeito se o acto do referendo de 1 de Outubro era
criminoso, não o poderia deixar de ser o acto de votar nesse referendo, e foram
mais de 2,5 milhões de catalães os que o fizeram. Só que os verdugos não
podiam, sem deixar à mostra a sua falta de legitimidade, julgar estes milhões.
Assim a opção de se disfarçar a vingança sob a capa de sentença judicial dos
cabecilhas, deixando ao poder executivo do Estado Espanhol uma actuação não
menos medieval porém mais disfarçada de exercer a vingança sob esta população
de um ponto de vista económico.
É contudo um engano pensar, e mais ainda dizer, como o fez o
Presidente do conselho de ministros em exercício, que esta sentença significava
o naufrágio do processo. Bem pelo contrário, a sentença e mais ainda o regozijo
vil, de quem age como se tivesse acabado de obter uma vitória militar, só pode
conduzir à revolta, ao aumento do ressentimento contra o Estado Espanhol – e
aqui já nem se põe a questão de direita e esquerda, porque nenhum se mostrou
capaz de outra atitude que não fosse a de tentar esmagar os partidários da
independência (como se fosse possível esmagar 2,5 milhões de pessoas) – e isto
terá seguramente consequências futuras.
Os responsáveis espanhóis mostraram à saciedade, quer pelo
seu posicionamento, quer pelas suas acções, não terem qualquer outra proposta
para a Catalunha que não seja a mesma receita dos seus antepassados: dominação
e repressão. Deveriam ter aprendido com a história que estas receitas não
acabaram com os sentimentos de independência da população. Não resultaram com o
Conde-duque de Olivares, não resultaram com os decretos da Nova Planta, não
resultaram com a repressão de 32, e apesar do grau de violência não resultaram
com o Franquismo. É pura ilusão pensar que resultam hoje, não obstante a
cumplicidade ditada pelos interesses económicos capitalistas, da tão propalada
comunidade internacional.
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