domingo, 3 de agosto de 2014

Não há superação do sistema que não passe pela Revolução

De cada vez que vejo a evolução da situação política e económica nos países onde por força de eleições se estabeleceram governos progressistas me convenço da correcção da reflexão ideológica que sustenta não ser através de eleições que podemos determinar as alterações necessárias a nível infra-estrutural para alterar a sociedade e as baias da condição de existência das várias classes mesmo que possamos inserir alterações importantes no seu modo de vida.
A obtenção do poder por via do sufrágio exige, frequentemente, um conjunto de alianças que supõe minorar objectivos, obliterar princípios programáticos e descurar praxís políticas, fruto necessidade de estabelecer convergências com sectores sociais muito diversos e por vezes com interesses conflituantes. De certa forma é como se arvorássemos em aliados estratégicos (os que partilham conosco objectivos similares de transformação social) aquilo que deveriam ser apenas aliados tácticos (aqueles cujos interesses pontuais -ou subjectivos- coincidem com os nossos num determinado momento da luta). Assim é transformar um momento táctico, o sufrágio, num momento estratégico, a obtenção do poder.
O poder obtido à custa de semelhantes sacrifícios e alianças encontra-se à partida limitado na sua acção transformadora pelos interesses dos "aliados" e uma vez ultrapassados fazem pender em favor dos adversários o peso desses "aliados", isolando-nos e impedindo a realização de uma política alternativa e transformando-nos em meros gestores do sistema, por muito boa que seja a nossa capacidade de gestão. Os exemplos do Chipre, da Venezuela e mais flagrantemente do Brasil, mostram muito claramente o que acontece quando se transforma em gestor o poder transformador e quanto se deixa claudicar perante o sufrágio aquilo que deveria ser um espaço de luta de preparação da revolução.
Deixamo-nos cair numa perigosa deriva eleitoralista, e isto é de facto um desvio de direita, quando assumimos que o valor de uma eleição permite transformar a sociedade do topo para a base. Errado. Sabemos pela experiência de vários processos progressistas idênticos que, estas transformações ou são de monta limitada e portanto toleradas pelo capital até um próximo sufrágio em que investirão pesadamente para garantir a sua derrota ou sucumbem à força da mais variada ordem, porém também ela financiada. Isto advém de não estarem alteradas as infra-estruturas económicas que suportam os regimes e de estas irem reagir de todas as formas.
Por outro lado, se o processo de alteração é revolucionário a alteração dá-se de baixo para cima, com o apoio dos aliados estratégicos, muitas das vezes com a oposição daqueles que se encontraram tacticamente conosco em outras ocasiões, mas em todo o caso com a a alteração da correlação do poder ao nível dos detentores "de facto" da infra-estrutura, colocando-a ao serviço das transformações necessárias.
É necessário portanto termos presente que o processo de transformação e alteração radical da sociedade não se pode produzir eleitoralmente, que as vitórias aí obtidas, por importantes eu sejam, tem um significado relativo (só indo tão longe quanto menor for o objectivo de transformação dos nossos aliados), que não teremos uma transformação económica e social vinda de um Parlamento e, se por acaso a tentarmos realizar neste contexto termos uma poderosa e muitas vezes fatal reacção do capital.
Não há transformação sem revolução, qualquer ideia para lá disto é confundir estratégia e táctica e abrir caminho a um desvio de direita de gestão de status quo e social-democratização.      

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