segunda-feira, 7 de março de 2011

"Tempus fugit"


É incrível que por vezes pequenas coisas afectem a capacidade humana de manter uma actividade de reflexão e mais ainda de passar essa actividade a uma forma inteligível pelos seus semelhantes. É indesculpável, mas é verdade, que desde a minha última entrada em 4 de Fevereiro, não fui capaz de escrever uma linha que fosse sobre os acontecimentos de então para cá, e não foi seguramente por falta de assunto.
Os países árabes, com especial ênfase para os do Magreb, entraram em convulsões que conduziram à queda das figuras mais imediata e marcadamente identificadas com o poder, sendo que este facto não significa que tenha havido uma mudança radical e substancial quer das condições de governo, quer das condições de vida das populações.
A legalização dos partidos na ilegalidade, a sua capacitação para fazer chegar a sua mensagem ao povo, a sua livre actuação, são ainda incógnitas a que ninguém pode responder de forma cabal.
Da mesma forma desconhecem-se medidas ou propostas para pôr cobro à indescritível pobreza, às terríveis condições de habitabilidade e à enorme taxa de analfabetismo, males que grassaram durante anos sem que a ninguém pareça ter incomodado ou sequer feito levantar a voz contra violações dos direitos humanos, o que não deixa de ser curioso.
Curioso também é que o único país onde parece caminhar-se para uma mudança real, seja aquele em que existem as maiores reservas energéticas e, curiosamente também, o único em que essas reservas não se encontram completamente abertas ao capital estrangeiro, e portanto o único que podia em teoria dispor os meios ao serviço do povo.
Curioso também é que o ocidente, sempre tão cauteloso em tomar partido e levantar a questão da intervenção militar, fala agora claramente de intervenção no caso da revolta poder ficar em situação difícil.
Curiosidade também é falarem de respeito dos direitos humanos, quando nada fizeram para garantir o seu respeito durante anos e ainda hoje, como nos mais que evidentes atropelos aos direitos dos sarauís, por parte de Marrocos, Marrocos aliás que demonstra claramente não se dispor nunca à realização do Referendo com o qual se comprometeu, mas cujo cumprimento nenhum governo ocidental exige.
Longe, muito longe, os funcionários públicos do Wisconsin mostraram não estar dispostos a aceitar os cortes do seu salário e o ataque aos direitos de contrato colectivo. As comparações destes protestos com os dos países árabes ficam-se pela determinação dos manifestantes em impedir o funcionamento das instituições, ditas democráticas, como os governos ou parlamentos, pois que neste caso há um objectivo de defesa de direitos laborais, objectivos que no mundo árabe são bastante mais difusos e que deixarão em breve abrir as brechas próprias das contradições de grandes plataformas sem um caderno reivindicativo comum claro.
Por cá vamos tendo um governo suficientemente subserviente aos interesses do capital transnacional, subserviência que se traduz nos cortes, que se realizam e continuam a realizar, sobre todos os serviços públicos e os direitos laborais. É certo que estes factos não vão levar a manifestações que cerquem ou invadam o Parlamento, mas seguramente que os protestos do dia 19 terão uma expressão muito importante. Refiro-me ao dia 19 e não ao protesto convocado via redes sociais para o dia 12. Não que dentro destes protestos não existam reivindicações muito honestas e muito justas, mas porque este projecto reage mal à expressão social que são os partidos, refugiando-se num auto-denominado apartidarismo, que mais não é que a incapacidade de entender que os partidos são associações de cidadãos, ligados pela defesa de interesses comuns e que partilham uma visão e um projecto de sociedade.
Não há mudanças sociais, nem há mudança das instituições, sem sabermos o que pretendemos e como pretendemos chegar lá. Sem isso estamos a fomentar o engano, a incapacidade para a mudança, e a abrir as tais brechas provocadas pela falta de clareza de objectivos dos movimentos.
Tentar chamar à colação a dita sociedade civil não é mais do que uma cortina de fumo que conduz à inacção. Não existe outra sociedade que não a civil. A sociedade castrense existe apenas dentro dos quartéis e, excepto em casos excepcionais, a sua actuação política é muito limitada. A ideia que os políticos constituem uma sociedade à parte, é não só perversa, quanto é estimulada por um afastamento das populações em relação aos seus representantes que é, em não pequena medida, da própria responsabilidade da dita “sociedade civil” que desconhece, e espalha o desconhecimento, sobre as formas de contacto e exigência aos representantes eleitos.
Deste desconhecimento sai a ideia absolutamente absurda de que haveria de purgar as instituições via redução do seu número, quer sejam deputados, municípios ou freguesias. O mito que saem caros e que são responsáveis pelos cortes salariais e sociais, cai por terra assim que são comparados aos números de cargos de nomeação, como Governos civis e Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, esses sim que não se conhecem, não se controlam e que possuem poder muito real.
O tempo que se foi escapando por entre os meus dedos durante este mês, e a verdade é que o tempo perdido jamais se recupera, obrigou-me a ser um pouco mais extenso e se calhar maçador. Mas espero que ainda assim alguma coisa desta reflexão seja aproveitável a quem quer que seja que leia este blog.

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