sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Nu com a mão no Bolso

Betsabé (Rembrandt)

O caso passado em Braga, com a apreensão pela PSP do livro “Pornocracia” ilustrado com a celebérrima pintura de Courbet, “A origem do mundo”, trouxe a muita gente memórias, que se encontravam guardadas no recôndito das suas cabeças, do tempo em que a polícia apreendia tudo quanto fosse suspeito de subversivo ou pornográfico, zelando cuidadosamente pelos bons costume da Pátria.

É verdade que também a mim me ocorreu que estávamos entrando no campo da limitação das liberdades constitucionais, por via da acção de expeditos agentes que, em face da queixa de alguns pais preocupados com o interesse dos seus rebentos pela reprodução da pintura dos órgãos genitais femininos, rapidamente trataram da questão não fosse ficar à mostra aquilo que, mandam os bons costumes, dever ficar pudicamente escondido. Afinal assim mandavam os preceitos e normas, que durante anos ditaram que “às casas de meninas” levavam os pais os mancebos, pela calada da noite, para se fazerem homens. Assim mesmo, no recato de quatro paredes, porque podia ser feito, mas não podia ser visto.

Mais do que isso, ficou a nu a incapacidade do Estado em promover, em mais de trinta anos, o conhecimento e educação sexual, que permita o fim da alteração da ordem pública, por um bando de imberbes babados à vista de um quadro, para mais famoso. Imagino que se estivesse na mesma banca, mesmo ao lado, uma foto do David de Miguel Ângelo, então teríamos uma revolução, ou no mínimo um motim, protagonizado por hordas de meninos e meninas, fascinados pela vista dos órgãos reprodutores.

Ainda a nu, fica a incapacidade cultural de um sistema de ensino, que não promove o conhecimento da pintura, da escultura, e de nenhuma outra cultura, e que permite que obras de arte sejam tomadas por uma qualquer revisteca omnipresente nos quiosques para satisfação da população adulta. Tremo em pensar o que se passaria se estas crianças entrassem amanhã num qualquer Museu, em qualquer cidade por esse mundo fora. Tremo mais ainda em pensar nesses paizinhos a deparar-se com certas obras, já para não pensar na actuação do nosso diligente corpo policial. Uma coisa é certa, só com as apreensões íamos ficar com uma das melhores colecções de arte da Europa, quem sabe do Mundo.

Mas é assim, uma sociedade que é incapaz de educar e esclarecer a sua população, que é incapaz de promover uma aprendizagem saudável, os valores culturais, a memória histórica, fica irremediavelmente a nu perante todos os fenómenos. Não promoverá nunca a saúde reprodutiva, os cuidados nas relações sexuais, num evitará a gravidez na adolescência, e muitas outras questões relacionadas. Não melhorará seguramente também os índices de desenvolvimento humano, nos quais estamos tão fracos.

David (Miguel Ângelo)

2 comentários:

Anónimo disse...

Oh! yes! "Of course"!

Um homem nú com uma faca na algibeira...
E logo na cidade dos arcebispos, com alguma gente, não todos, felizmente,que recorre a uma balança para pesar os "vícios e as virtudes"e sancionar com critérios de "pecado".
Valha-nos a intervenção do bom senso e da razão que em Democracia deve ser usada em favor da naturalidade e inocência da Arte.
Um abraço.

J.C.

Anónimo disse...

Muito bem escrito e irónico.

Ainda temos muito que aprender com os romanos.