Não se trata de estar escrito nas estrelas. Não se trata de ter bolas de cristal. Não se trata de qualquer previsão em terças ou quadras rabiscadas num pergaminho obscuro. Qualquer um com o mínimo de atenção e uma dose minúscula de senso, tinha visto há tempo já que a situação de Israel só iria piorar e que os sucessivos actos de discriminação e violência perpetrados a um nível diário contra os palestinianos ia, mais tarde ou mais cedo, terminar numa tempestade sangrenta. Basta olhar para outros cenários em que a opressão passo a passo se vai tornando intolerável.
Israel, teve, como anteriormente havia tido a África do Sul, a oportunidade de desmantelar o regime do apartheid em que vive, garantindo o legítimo direito do Povo da Palestina ao seu estado, com retorno às fronteiras de 67 e o direito de retorno dos palestinianos às suas terras de origem.
Mas não o fez! Não o fez na altura, não o fez em Oslo, não o fará nunca. O seu discurso, a construção de colonatos, a denegação do acesso à água potável, e em última análise até ao direito de cidadania para os não judeus em Israel, mostra que a única saída preconizada era ou viver na condição de párias ou saírem dos territórios para o Egipto, ou a Jordânia como aliás o Estado de Israel sempre fez questão de salientar de Ben Gurion até Natanyahu, passando por todos e cada um dos seus governos tenham sido do Partido Trabalhista ou do Likhud. Aliás o ultimato para o abandono da faixa de Gaza é apenas o gémeo de muitos outros ultimatos israelitas que se concretizaram em colonatos de Hebron aos Golã.
Nestas condições, de força de ocupação e de força de opressão, nunca Israel foi, ao contrário do que se pretende fazer crer, uma democracia. É e continua a ser uma ditadura militar de ideologia sionista, em que o poder judicial e o poder políticos estão intimamente ligados e lhe são subservientes.
O movimento Hamas, que hoje ligam ao Irão, foi na verdade criado, financiado e protegido pelo Estado de Israel, com a finalidade de garantir a divisão interna dos palestinianos e o enfraquecimento da OLP, enquanto legítimo representante do povo palestiniano. Por isso garantiu o seu crescimento, crescimento esse que nunca havia sido sequer tolerado pelo Egipto e ainda menos pela Síria.
O Hamas foi dotado de um discurso radical para paralisar as organizações palestinianas laicas, e na realidade só muito recentemente se aproximou do Irão.
O que aconteceu, por muito violento que seja, não deixa de ser fruto das muitas violências perpetradas por Israel ao longo destes anos e pior, fruto das suas próprias acções políticas para paralisar a OLP e conseguir assim incumprir quaisquer obrigações de uma Paz com um Estado Palestiniano.
A libertação das forças de raiva, ódio, revolta, contra o Estado de Israel, mas também contra a sua população tornava-se assim uma mera questão de tempo. A história ensina que as populações desesperadas desencadeiam os mais cruéis actos. Não é uma questão de desculpar nada, apenas de fazer aquilo que os “indignados” se têm recusado a fazer, tentando fazer crer que esta violência surgiu do nada, seguramente uma acção “não provocada” como outras que existem por aí.
O povo de Israel não tem culpa. Pois não, apenas a culpa de estar ciente de tudo o que se passou e vinha a passar e ser parte activa, directamente interveniente (não podemos esquecer que Israel tem serviço militar obrigatório, logo o seu exército é emanante de toda a população), ou vem aquiescendo com a violência, injustiça e racismo, como forma de domínio de outro povo.
Não pode haver moralidade no meio da imoralidade que tem revestido toda a trajetória da ocupação e tentativa de expulsão da povo palestiniano da sua terra, e muito menos evocar qualquer tipo de direito divino à “terra prometida”, até mesmo porque citando Itzak Rabin, a Bíblia não é um cadastro.
As resoluções das Nações Unidas, a existência de dois Estados, até alguma tolerância no direito de retorno, eram um preço muito pequeno, e bastante favorável a Israel diga-se de passagem, que nem isto quis aceitar e evitar o derramar de mais sangue de ambos os lados.
A moral dos imorais levantou mais uma vez o seu alarde das suas vitimas, com a cumplicidade de quem enterrou anos a fio as outras vitimas como se o valor do seu sangue não tivesse o mesmo valor. Mas não passou a ser aceitável por isso.
A má consciência cúmplice de quem tem fechado os olhos e permitido toda a sorte de violências e legalidades, traçadas ao sabor da conveniência, pedindo às vitimas que se encolham e esperem pacientemente um qualquer milagre de resolução da sua vida, é particularmente chocante quando com o mesmo silêncio que receberam anos a fio o clamor do de palestinianos, rasgam vestes e alardeiam infâmia agora que se sentiu do outro lado o mesmo sabor da violência plantada.
Pode ser horrível, pode ser cruento, pode ser sanguinário. Pode ser tudo isso e muito mais, mas não apareceu sozinho e não apareceu por acaso.
A melhor justiça que poderia ser feita a estas vítimas não é alimentar mais o processo de destruição, não é iluminar as fachadas com cores de bandeiras de uma das partes, não é fingir que não se viu nada do que se vinha passando, assumindo uma atitude farisaica sobre a questão, mas obrigar ao acatar mútuo de um processo digno, justo e que traga uma solução de paz e, se não convivência, pelo menos de tolerância mutua.
“O mundo perdura em virtude de três coisas – justiça, verdade e paz. Rabban Shimon ben Gamliel - Pirke Avot; 1:17-18”
(Originalmente em Notícias de Lisboa)