quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

"A mentira como escudo"

"O PCP hipotecou completamente a hipótese de haver um partido verde, que viesse da sociedade civil e da social- -democracia, com aquela fraude que é o Partido Ecologista “Os Verdes”"
Luísa Schmidt in A Visão

Nunca, mas mesmo nunca, digitei uma linha para falar de uma pessoa em particular, pelo menos fora das funções que exerce. Hoje porém a indignação foi tão grande, que não me consegui conter. Deixar-se mover pelas suas opiniões políticas ao ponto de chamar fraude a quem consigo não concorda, passa todas as raias do aceitável.
Que do ambientalismo não consiga vislumbrar mais do que o seu tapa olhos permite, é um problema dela... Que não entenda que outros tenham visões e opiniões bem mais abrangentes, que relacionam o ambiente com a questão social, ao ponto de fazer uma acusação falaciosa  - cuja tentativa foi feita muitas vezes, mas nunca foi sequer consubstanciada e muito menos provada - é já a tentativa soez de difamar PCP, PEV, bem como os seus dirigentes.
A Senhora Luísa Schmidt não sabe o que é o PEV, nem a sua origem, nem a sua história, e desconhece a natureza do seu laço com o PCP, ou faz por desconhecer. A Senhora Luísa Schmidt não conhece a organização do PCP, nem tampouco se deu ao trabalho de conhecer, antes de afirmar, rasteiramente, aproveitando os preconceitos que muitos procuram alimentar contra os comunistas e tendo-se habituado a falar de cátedra sobre "tudo e mais um par de botas" e ser escutada, lançar os habituais anátemas quer sobre comunistas, quer sobre quem deles se aproxima.
Faço parte do movimento ambientalista há muitos anos, não presto vassalagem à Senhora, nem a ninguém dentro do movimento. Não faço parte dos que a consideram uma vaca sagrada, nem ela nem ninguém dentro deste movimento. Nunca fiz parte do Partido Ecologista "os Verdes", mas tenho neste muitos amigos neste partido e conheço bem a seriedade da sua actuação - de outras figuras não sei se poderei dizer o mesmo. Sou militante do PCP, como fui da JCP, e conheço bem o debate sopesado dentro deste partido em relação às questões do ambiente, sempre com a cautela necessária para verificar o que de facto eram questões ligadas à defesa do ambiente e recursos e a mera manipulação de sentimentos ou percepções a fim de facilitar a apropriação pelas classes possidentes.
Nunca os principios de um e outro partido se confundiram. Nunca as organizações destes se confundiram. E, em momento algum foram subservientes ou vassalas um do outro, o que, em bom rigor, é dizer mais do que muitas organizações ambientalistas em relação a determinados partidos.
Se os dois partidos encontraram, há muito, um entendimento eleitoral confortável numa coligação, foi porque este entendimento permitia convergências de acção que nunca puseram em causa a autonomia das respectivas organizações. Donde a Senhora Luísa Schmidt não sabe do que está a falar e melhor faria, na sua qualidade de investigadora, ir procurar primeiro antes de fazer afirmações gratuitas.


terça-feira, 7 de novembro de 2023

A moral dos imorais.

Não se trata de estar escrito nas estrelas. Não se trata de ter bolas de cristal. Não se trata de qualquer previsão em terças ou quadras rabiscadas num pergaminho obscuro. Qualquer um com o mínimo de atenção e uma dose minúscula de senso, tinha visto há tempo já que a situação de Israel só iria piorar e que os sucessivos actos de discriminação e violência perpetrados a um nível diário contra os palestinianos ia, mais tarde ou mais cedo, terminar numa tempestade sangrenta. Basta olhar para outros cenários em que a opressão passo a passo se vai tornando intolerável.
Israel, teve, como anteriormente havia tido a África do Sul, a oportunidade de desmantelar o regime do apartheid em que vive, garantindo o legítimo direito do Povo da Palestina ao seu estado, com retorno às fronteiras de 67 e o direito de retorno dos palestinianos às suas terras de origem.
Mas não o fez! Não o fez na altura, não o fez em Oslo, não o fará nunca. O seu discurso, a construção de colonatos, a denegação do acesso à água potável, e em última análise até ao direito de cidadania para os não judeus em Israel, mostra que a única saída preconizada era ou viver na condição de párias ou saírem dos territórios para o Egipto, ou a Jordânia como aliás o Estado de Israel sempre fez questão de salientar de Ben Gurion até Natanyahu, passando por todos e cada um dos seus governos tenham sido do Partido Trabalhista ou do Likhud. Aliás o ultimato para o abandono da faixa de Gaza é apenas o gémeo de muitos outros ultimatos israelitas que se concretizaram em colonatos de Hebron aos Golã.
Nestas condições, de força de ocupação e de força de opressão, nunca Israel foi, ao contrário do que se pretende fazer crer, uma democracia. É e continua a ser uma ditadura militar de ideologia sionista, em que o poder judicial e o poder políticos estão intimamente ligados e lhe são subservientes.
O movimento Hamas, que hoje ligam ao Irão, foi na verdade criado, financiado e protegido pelo Estado de Israel, com a finalidade de garantir a divisão interna dos palestinianos e o enfraquecimento da OLP, enquanto legítimo representante do povo palestiniano. Por isso garantiu o seu crescimento, crescimento esse que nunca havia sido sequer tolerado pelo Egipto e ainda menos pela Síria.
O Hamas foi dotado de um discurso radical para paralisar as organizações palestinianas laicas, e na realidade só muito recentemente se aproximou do Irão.
O que aconteceu, por muito violento que seja, não deixa de ser fruto das muitas violências perpetradas por Israel ao longo destes anos e pior, fruto das suas próprias acções políticas para paralisar a OLP e conseguir assim incumprir quaisquer obrigações de uma Paz com um Estado Palestiniano.
A libertação das forças de raiva, ódio, revolta, contra o Estado de Israel, mas também contra a sua população tornava-se assim uma mera questão de tempo. A história ensina que as populações desesperadas desencadeiam os mais cruéis actos. Não é uma questão de desculpar nada, apenas de fazer aquilo que os “indignados” se têm recusado a fazer, tentando fazer crer que esta violência surgiu do nada, seguramente uma acção “não provocada” como outras que existem por aí.
O povo de Israel não tem culpa. Pois não, apenas a culpa de estar ciente de tudo o que se passou e vinha a passar e ser parte activa, directamente interveniente (não podemos esquecer que Israel tem serviço militar obrigatório, logo o seu exército é emanante de toda a população), ou vem aquiescendo com a violência, injustiça e racismo, como forma de domínio de outro povo.
Não pode haver moralidade no meio da imoralidade que tem revestido toda a trajetória da ocupação e tentativa de expulsão da povo palestiniano da sua terra, e muito menos evocar qualquer tipo de direito divino à “terra prometida”, até mesmo porque citando Itzak Rabin, a Bíblia não é um cadastro.
As resoluções das Nações Unidas, a existência de dois Estados, até alguma tolerância no direito de retorno, eram um preço muito pequeno, e bastante favorável a Israel diga-se de passagem, que nem isto quis aceitar e evitar o derramar de mais sangue de ambos os lados.
A moral dos imorais levantou mais uma vez o seu alarde das suas vitimas, com a cumplicidade de quem enterrou anos a fio as outras vitimas como se o valor do seu sangue não tivesse o mesmo valor. Mas não passou a ser aceitável por isso. 
A má consciência cúmplice de quem tem fechado os olhos e permitido toda a sorte de violências e legalidades, traçadas ao sabor da conveniência, pedindo às vitimas que se encolham e esperem pacientemente um qualquer milagre de resolução da sua vida, é particularmente chocante quando com o mesmo silêncio que receberam anos a fio o clamor do de palestinianos, rasgam vestes e alardeiam infâmia agora que se sentiu do outro lado o mesmo sabor da violência plantada.
Pode ser horrível, pode ser cruento, pode ser sanguinário. Pode ser  tudo isso e muito mais, mas não apareceu sozinho e não apareceu por acaso.
A melhor justiça que poderia ser feita a estas vítimas não é alimentar mais o processo de destruição, não é iluminar as fachadas com cores de bandeiras de uma das partes, não é fingir que não se viu nada do que se vinha passando, assumindo uma atitude farisaica sobre a questão, mas obrigar ao acatar mútuo de um processo digno, justo e que traga uma solução de paz e, se não convivência, pelo menos de tolerância mutua. 
“O mundo perdura em virtude de três coisas – justiça, verdade e paz. Rabban Shimon ben Gamliel - Pirke Avot; 1:17-18”
(Originalmente em Notícias de Lisboa)

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

O Veneno da Cobra

Ao iniciar uma acção militar contra a Ucrania, a Russia alegou o objectivo da desnazificação do Governo deste país (de duvidosa democraticidade, diga-se de passagem). Este era talvez o pretexto cujo peso mais poderia ter eco nas opiniões públicas do ocidente, mas não teve.
Sem querer repisar os argumentos que aqui vão estando disponíveis ainda antes de 2014 sobre esta questão, quem os quiser conhecer pode bem consultar os artigos mais antigos, achei necessário voltar ao tema do nazi-fascismo.
A UE, a NATO e as próprias Nações Unidas, apresentam-se como impolutas entidades ungidas pela democracia para defenderem valores da Liberdade e afirmarem que estão em jogo os valores democráticos.
Além de ser tudo uma hipócrisia imensa - quando foram expulsos de comprtições desportivas, viram cessados contratos de trabalho ou sofreram sanções, cidadãos de países como Israel, Marrocos, Turquia, ou mesmo os EUA por violarem o direito internacional? E no entanto fizeram-no e continuam fazendo aberta e à vista de todos na Palestina, Sahara Ocidental, Chipre e no caso dos EUA teriamos de fazer um compêndio começando em A de Afeganistão até V de Vietname, passado por locais tão esquecidos como o arquipelago de Chagos ou tão conhecidos como o Iraque. Nada disso foi nunca para a comunidade internacional qualquer problema.
Porém a questão hoje é ainda outra. Parece incompreensível como o ocidente convive candidamente com o alcandorar de um criminoso de guerra nazi como Stepan Bandera a herói nacional da Ucrania, como o ocidente se sente confortável com a perseguição aos simbolos da derrota do nazi-fascismo um pouco por todas as ex-repúblicas soviéticas que estão hoje na esfera ocidental, ou como o ocidente não só apoia a perseguição aos simbolos da derrota fascista, mas incentiva e publicita estes actos, como se fosse lícito fazer a comparação da Rússia com o sacrifício do povo soviético na luta contra a barbárie.
Parece, mas não é! Basta pegarmos em qualquer destas instituições ocidentais e rasparmos um pouco os seus lideres de um passado não assim tão distante e facilmente encontramos declarados nazi-fascistas, saídos na maior parte das vezes das fileiras dos exércitos hitelarianos. Mas não elementos menores, obscuros, e meros figurantes arrastados para o horror nazi. Ao contrário encontramos oficiais superiores, na maior parte das vezes responsáveis por grandes áreas de actuação do Reich, e que passaram com maior ou menos discrição a quadros políticos ou mesmo militares das instituições ocidentais. 
Na foto publicada junta isso é bem visível e dispensa bem comentários.
Wernher von Braun - a responsável da agência espacial norte-americana; Walter Hallstein, a Presidente da Comissão Europeia; Adorf Heusinger (veja-se o seu acompanhante de foto), A Chefe de Pessoal da NATO; ou Kurt Waldheim a Secretário Geral da ONU.
Depois disto é fácil perceber por onde o veneno da cobra circula.

terça-feira, 11 de julho de 2023

A honra (constitucional) da farda



Não me revejo em lutas identitárias. As lutas identitárias servem para dividir os explorados em segmentos diferentes, dando alguma prebendas a estes e aqueles, inviabilizando a luta de libertação colectiva. Muito da mesma forma como fez o colonialismo tentando dividir os povos em tribos e jogando umas contra as outras garantindo a sua prevalência. Contudo nesta semana duas notícias obrigaram a que seja importante um comentário.
Os agentes da GNR que se “divertiram” a sequestrar imigrantes, e submetê-los a sevícias e torturas, estando fardados, em exercício de funções, dentro de instalações da própria Guarda – em violação flagrante dos artigos 22⁰, 25⁰, 26⁰ e 27⁰ da Constituição da República Portuguesa, foram reintegrados na Guarda, como se crimes de ódio fossem coisas de somenos importância.
O agente da GNR, apanhado numa aplicação de encontros, procurando em contacto de natureza homossexual, que por seu lado deveria estar protegido pelo artigo 13⁰ da mesma Constituição, foi suspenso, com perda de vencimento durante cinco dias (ou seja um quarto do seu vencimento mensal), sob o pretexto que estando fardado faltara ao decoro exigido e colocara em causa a integridade da instituição.
Comparando, o que esta actuação das chefias nos diz é que: É lícito e aceitável, deter, torturar, humilhar cidadãos nacionais ou imigrados em função da sua nacionalidade, língua, cor da pele, sem que a instituição ou a farda envergada seja posta em causa, mesmo em instalações oficiais. É colocar em causa a instituição e a farda, se se procurar um parceiro, ainda que não seja sequer nas instalações da instituição.
É lícito e aceitável ser-se polícia racista e agir-se desse modo. É indecoroso ser-se polícia e homossexual (pode até ser se for escondido, de forma profundamente hipócrita).
É verdade que a frase que o infeliz agente utilizou é pouco dignificante, mas à luz do comportamento dos seus colegas de Vila Nova de Milfontes, mereceria quando muito uma admoestação.
Como podem depois as chefias policiais exigirem que não se faça menção ao racismo quando assumem posturas abertamente favoráveis a estes comportamentos, e como podem esperar serem vistas como socialmente conformes à letra da constituição, portando-se de forma a sexista, racista e homofóbica, contrária à própria Constituição? Não podem! E mais que isso, nunca o poderão enquanto as suas chefias se orientarem por valores contrários e assim se comportarem nos seus procedimentos.
Como esperar que estes corpos policiais sirvam o povo? Se nem têm consciência da sua postura perante a Constituição da República que é suposto defenderem? Que nem tem noção dos direitos constitucionais dos seus elementos, nem dos direitos constitucionais dos restantes, não os cumprem nem fazem cumprir?
Não estão só expostos ao controlo pela extrema direita, vivem enquanto instituições ainda no espírito do fascismo ante-25 de Abril.

quinta-feira, 29 de junho de 2023

Gente que olha mas não vê

As notícias dos tumultos nos arredores de Paris (Nanterre como foco) mostraram-nos como vivemos na ilusão de uma calma, que é a todos os níveis um embuste de uma sociedade democrática e tranquila. 
É verdade indesmentível que tudo começou com o assassinato de um menor de 17 anos, negro, às mãos de um polícia que, já se verificou que mentiu ao alegar legítima defesa. Só que a questão é bem mais profunda do que isso, ou não teria desencadeado a onda de violência sobre os símbolos da República Francesa. Indica que uma parte significativa das populações dos subúrbios pobres não se identificam já com os valores desta república e se sentem tolhidos e oprimidos nas suas aspirações.
O facto de ser um negro é por este ser aos olhos de uma polícia de regime o simbolo de uma população que está contra ela e um símbolo facilmente identificavel, por os negros serem maioritários entre as populações excluídas e impossibilitadas de poder dar uma resposta à satisfação das suas necessidades, especialmente por serem empurrados para os trabalhos mais desqualificados e mal pagos, esses que com a inflação que se instalou deixaram até de conseguir fazer face às questões mais básicas e que, segundo a Senhora Lagarde (curiosamente francesa e da elite que sustem estes valores) considera culpados pela inflação por terem recebido um insignificante aumento que não cobre o seu poder de compra.
No seu afã de voltar trabalhadores contra trabalhadores e dividir para reinar, as elites mantiveram também as polícias sob condições miseraveis de desempenho das funções sociais que lhe estão atribuídas, criminosamente descurando a sua formação cívica, mas passando-lhes uma arma para a mão, e otorgando-lhes a cobertura de um poder, que só poderia terminar com uma actuação brutal que aligeira frustrações sobre um suposto inimigo que os faz sentirem-se inseguros e intimidados também, por serem eles próprios simbolos de uma república cada vez mais desfasada nas necessidades de uma significativa parte dos cidadãos.
Quem tiver lido Rosa Luxemburgo, compreende perfeitamente que estas condições são as ideais para o surgimento expontaneo de acções que visam mudar o estado de coisas, mas também compreendem que sem existir uma força que faça a súmula dessas reivindicações, as possa cerzir num objectivo comum, e as oriente na acção (tal como preconizava Lenine) esse luta é incapaz de confluir numa tomada organizada do poder.
As elites sabem bem disso e por isso esforçaram-se, e ainda esforçam, para garantir o silenciamento - antigamente através da directa repressão física, hoje sob o isolamento mediático, num processo de quase exílio interno - das forças que ideologicamente poderiam dar organização e direcção a essas lutas.
Porque se voltam contra esquadras, escolas e autarquias? Porque são estes os pilares da manutenção dos valores e dominação desta república com a qual já não são capazes de encontrar pontos de contacto. Não orientaram a sua fúria contra os meios de comunicação porque o seu grau de alienação está já para além desse ponto, nem contra a igreja porque esta já não é hoje a detentora do poder sobre o sistema de educação que foi no passado. Não obstante é óbvio o ataque sobre os pilares da dominação social, tal como Gramsci os havia identificado.
Em França porque o grau de exploração não conseguiu ainda abafar uma certa tradição histórica de contestação social e a situação se agudiza mais, especialmente na falta de uma organização dos trabalhadores que oriente a luta, mas pode fácilmente acontecer em determinadas zonas de Itália, Alemanha, Espanha, e mesmo Portugal ou o Reino Unido. 
Em Portugal o mal estar e o conflito latente nas periferias é evidente, a procura de enfraquecimento das organizações de classe e do Partido Comunista é óbvia, a alimentação da Extrema direita e a facilitação da sua penetração nas forças de segurança - aliadas a depauperação das condições de existência dos seus elementos - está mais do que identificada. Mantem-se ainda uma confiança no sistema escolar - porém a esbroar-se rapidamente - e no sistema representativo, embora esvair-se também sob o peso da venalidade e a arrogancia dos que deveriam ser representantes dos interessas das populações.
Pelo meio temos as declarações de governantes supra-nacionais como agora a Sra. Lagarde que, pensando estar adiante de um exército de ocupação e submissão dos povos, declara alto e bom som algo que além de ofensivo toda a gente, pela sua experiência pessoal, sabe ser mentira. 
Depois dos Brioches por Pão, não terá muito do que se queixar.

sábado, 18 de março de 2023

o Admirável Mundo Novo

Ontem as notícias brindaram-nos com o evento de espanto e maravilha da srª Von der Leyen ter noticiado à saída da Casa Branca, após reunião com o insigne Presidente Norte-americano, que a UE iria diversificar a importação de materiais e terras raras da Républica Popular da China.
Para tanto não falou com nenhum dirigente de nenhum país da UE, nem com o Presidente do Conselho Europeu. Ninguém da entidade a que é suposto fazer parte foi ouvida. Mas não faz mal! De facto nem era necessário, quem lhe diz o que deve ou não ser feito tinha acabado de ser ouvido e isso bastava para o anúncio. Se depois havia desconforto bem... isso passa! 
Ontem as notícias brindaram-nos com a espantosa maravilha de o Presidente da Républica Francesa ter ultrapassado a Assembleia Nacional para fazer passar o seu projecto de fazer avançar em 2 anos a idade de reforma. Mas para quê submeter o projecto aos representantes eleitos da população? Ainda para mais sendo claro que perderia a votação? Quando se pode impor a vontade de uma minoria reinante! Em França já alguém perdeu a cabeça por tentar fazer destas.... Monsieur Macron avez promis...
Hoje a imprensa brindou-nos com a frase altissonante da Sr.ª Lagarde. Que disse ela? Apelou a um controlo da acumulação de riqueza? Ao limite dos lucros a ser divididos entre os "investidores"? Não! Num rasgo que denuncia o que as elites governantes pensam dos governados: É necessário por termo às ajudas às famílias... Com a naturalidade de quem diz "Não têm pão? Comam brioches". A história repete-se como uma farsa, mas uma farsa repugnante porém não menos trágica. Que contas prestará quando os que condena à miséria lhas pedirem?
Por último a imprensa brindou-nos com a cereja no topo, a ordem de prisão do tribunal penal internacional TPI contra o Presidente da Federação Russa. Decerto não faltarão crimes pelos quais devesse ser preso, porém além de o TPI ter sistematicamente fechado os olhos a outros crimes, desde pessoas queimadas vivas (Odessa), diplomatas presos, dentro de um avião diplomático em trânsito, sem mandato de captura e extraditados, em flagrante violação da Convenção de Genebra (Alex Saab em Cabo-Verde) ataques contra populações civis (Diarbakir), invasão do Iraque, ou a Cisjordânia e Gaza, uns sob pretexto de que os países não reconhecem o TPI, caso dos EUA ou Israel, outros porque não sendo países não se podem queixar ao TPI, caso da Palestina, dos Curdos, ou das Repúblicas sessecionistas do Donetsk e Lugansk. Mas os dirigentes russos podem... Novidade: a Rússia não reconhece, tal como os EUA ou Israel, o TPI. Mas para quem manda neste mundo há uns que têm todos os direitos e os outros não. A justiça que o não é arrisca-se a rápidamente ser primeiro irrelevante e depois seguir o caminho que anteriormente conheceram quem tentou impôr a justiça de um só olho.
Os tempos que correm são maus, muito maus, tanto que deixam à mostra descaradamente o que tem sido a "democracia" que nos querem impingir como governo do povo e o quanto ela vale quando não se coloca ao serviço dos poderes.
"... Cuidado, que pode o povo querer um Mundo Novo a sério."

sábado, 3 de setembro de 2022

Ataque à Nação Cabo-verdiana!

O passado dia 31 de Agosto de 2022 passará forçosamente à história como o dia em que o governo da nação Cabo-verdiana perpetrou um ataque sem precedentes à história, à memória e às próprias fundações ideológicas do país.
Depois da abertura de um consulado na cidade de Dakhla, Saara ocidental, aquiescendo a soberania do Reino do Marrocos sobre o território saarauí, ficou totalmente contradicto o pensamento e escrita do pai da nossa independência.
Tal como Cabo Verde, tal como a Guiné-Bissau, também os povos das colónias espanholas do Saguia-al-hamra e Rio oro, desejavam e lutavam pela sua independência. Tendo-a proclamado a 27 de Fevereiro de 1976, não muito depois da nossa própria independência.
A Marcha Verde, promovida pelo Reino do Marrocos, mais não foi que a invasão, com traços de grande barbárie, de um território alheio, com a dominação do seu povo e sem a aceitação deste.
Até hoje, e o muro construído em mais de 1300Km, a repressão atroz, a perseguição civil e cultural, a tortura, as prisões e simulacros de julgamento, a expulsão de activistas – como Aminatu Haidar -  e para culminar o episódio sangrento da invasão do acampamento de Gdeim Izik, são mostras mais do que evidentes de como a se faz a dominação marroquina do Saara ocidental e que não podem deixar de fazer ressoar na nossa memória as palavras de Cabral: O domínio “só se pode manter com uma repressão permanente e organizada da vida cultural desse povo [o povo dominado], não podendo garantir definitivamente a sua implantação a não ser pela liquidação física de parte significativa da população dominada”.
É impensável que o Governo Cabo-verdiano que apesar de todos os pesares, se reclama herdeiro do Estado erigido sobre o trabalho, dedicação e luta de Amilcar Cabral e de todos aqueles que com o seu esforço e dedicação travaram a luta armada para que nos libertássemos do jugo do colonialismo e da dominação estrangeira venha hoje agraciar outros dominantes, sobre povos que inclusive em tempos consideramos irmãos de luta, impondo-lhes uma amarga servidão.
Todos os torrões destas ilhas teriam de ter urrado de vergonha ao ver um ministro dos negócios estrangeiros do nosso país afirmar, com dócil candura, como afirmou o Dr. Rui Figueiredo Soares que o plano de autonomia marroquino é um plano credível, quando foi este mesmo país que desrespeitou a sua própria assinatura no Plano de paz com a Frente Polisário, negociado sob a égide das Nações Unidas, firmado em 1992, e que garantia o acto de auto-determinação consagrado através de referendo à população do território.
O Reino de Marrocos o que fez foi mostrar que não é um Estado digno de confiança pelas suas acções e o Estado Cabo-verdiano, ombreando lado a lado com ele, só pode cobrir de vergonha todo o cidadão que respeita a sua palavra.
Não tenho a menor dúvida que o actual Governo Cabo-verdiano, desejando mostrar, mais uma vez, a sua dedicação aos interesses económicos não se envergonha de curvar a cerviz, e romper com os compromissos que advém da sua presença nas Nações Unidas. Fica apenas por ver o que se segue, a abertura de uma embaixada em Jerusalém? A declaração de aceitação da integração dos Montes Golã em Israel?
Com a aceitação da soberania marroquina sobre o Saara ocidental, o Governo do MPD, feriu os princípios nos quais assenta a Nação Cabo-verdiana. Que linda forma de entrarmos nas comemorações dos 100 anos do nascimento de Cabral e dos 50 anos do seu assassinato. Começámos seguramente pelo fim!