quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Janus – olhando o passado, vislumbrando o futuro


Publicado parcialmente n'"A Voz do Operário"
Diz-se que o mês de Janeiro deve o seu nome a uma divindade que tinha a propriedade de possuir duas faces. Cada uma das faces olhava para um lado, o passado e o futuro, sendo portanto o responsável por abrir e fechar as portas do ano. É evidente que esta metáfora nos ensina que não devemos andar em frente, sem fazer uma reflexão retrospectiva do que está à nossa volta.
Num ano em que entramos com uma perspectiva de perda de capacidade aquisitiva e de regalias sociais pese embora paguemos mais impostos, não poderemos deixar de olhar para as origens da situação em que nos encontramos hoje. Não foi seguramente pelo que se anda dizendo que vivíamos acima das nossas possibilidades. Só vivemos acima das nossas possibilidades porque os nossos governos foram acabando com as capacidades produtivas do país, espalhando a ideia que poderíamos viver com uma economia financeira.
Os caminhos que percorremos seguiram, algumas vezes bastante de perto, os caminhos que a Irlanda – apresentada como o tigre celta, por analogia com as economias asiáticas – havia já trilhado, e os resultados colhidos assemelham-se muito aos que se desenrolaram neste país.
Os mesmos que já haviam aplicado e defendido estas políticas vêm hoje, fazendo tábua rasa dos monstruosos resultados, defender que ainda assim a Irlanda tem melhores possibilidades de superar a crise, graças à extrema flexibilidade laboral que aplica. A entrevista a Eugene McCarton, vem mostrar que a flexibilidade do mercado de trabalho irlandês, bem ao contrário de contribuir para uma melhoria das condições de vida dos trabalhadores, os empurra para salários ainda mais baixos e para fenómenos cada vez mais extremos de precariedade.
Os que juravam a pés juntos que não se mexeria no código do trabalho, mal que Bruxelas exigiu, dizem agora que tem de haver mexidas importantes, tendo proposto a criação de um fundo que, em último caso, poria o trabalhador a pagar o seu próprio despedimento.
A imoralidade das propostas parece não ter limites, e é necessário que comecemos este ano olhando para o que vem de trás, mas mais do que isso olhando para aqueles que vêm de trás e são os responsáveis maiores pela situação gravíssima em que nos encontramos e hoje, angelicalmente, se propõem continuar ou alcançar a mais alta magistratura da nação descartando o seu passado.
Para que o país tenha alguma hipótese de sair da crise, tem de ser um país que produza, cujas capacidades nos sectores agrícola, industrial, pesqueiro, etc. sejam retomadas, de forma a gerar riqueza que possa ser distribuída e formar sólidos pilares da satisfação das necessidades do nosso povo. A capacitação dessas estruturas com avanços educacionais e científicos, são poderosas possibilidades de sanear economicamente o país e sanar uma situação em que a riqueza gerada se encontrava apenas no campo nominal, por valorização teórica da propriedade, e endividamento crescente.
Precisamos de um país diferente – Um país a produzir.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Opinando


A constituição portuguesa determina que o Estado português lute pelo fim dos blocos politico-militares. OCDS e o PSD insistem em retirar este artigo da constituição, enquanto o PS vai dizendo um nim – afirmando, não se entende de que fonte, que os blocos político-militares já acabaram. A este propósito, um conhecido deputado do CDS afirmou que se não fosse retirado este preceito constitucional, teríamos de informar o Ministro que a cimeira decorrida em Novembro era inconstitucional.
Mas é isto mesmo que a cimeira decorrida é: inconstitucional. Aliás há muitas coisas inconstitucionais que se vão passando na barba cara de todos. A diminuição dos salários dos funcionários públicos em 5%, é um claro desrespeito da constituição e o facto de uma quebra de contrato, que seria ilegal em qualquer tribunal, poder ser considerado conforme pelo Tribunal Constitucional, só advém do facto deste tribunal, ser nomeado pelos dois maiores partidos.
Isto faz com que o Tribunal, responsável pela conformidade das Leis e dos órgãos do Estado em relação à Constituição da República, ser ele próprio uma inconstitucionalidade, à luz do artigo 203º, Capítulo I, V título. A constituição garante, nos seus princípios fundamentais, a separação de poderes entre o judicial, o legislativo e o executivo, artigo 2º. O TC enquanto órgão judicial nunca poderia estar sujeito, directa ou indirectamente aos outros. Mas uma vez que emana da Assembleia da República, em grande medida, de acordo com o estipulado pelo artigo 222º do título VI, sem sequer o cuidado de obrigar a uma distorção da proporcionalidade que garantisse a presença das sensibilidades minoritárias, acaba por ser uma emanação do poder legislativo e em subordinação ao executivo. O que mostra que a constituição tem de facto falhas, mas não as que lhe apontam.
É óbvio que as determinações do poder executivo, aprovadas por um legislativo no qual se encontram naturalmente em maioria, dificilmente não são avalizadas pelo tribunal Constitucional, com base não na análise de conformidade com a lei fundamental, mas sim numa interpretação configurada à luz dos interesses políticos.
Estas posturas não só não respeitam os princípios que, alegadamente, tornavam o TC o guardião da constituição como o descredibilizam absolutamente nesta matéria.
O acto de cumprir e fazer cumprir a constituição, acaba por ficar reduzido à pessoa do Presidente da República, o que bem vistas as coisas não era grande garantia com os Presidentes passados e que com o presente é absolutamente impensável.