quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Solidário sim, caridoso nunca.


“Não são os teus bens que distribuis aos pobres, mas apenas lhes restituis o que lhes pertence. De facto, tu usurpas o que foi dado a todos para uso de todos. A Terra pertence a todos e não aos ricos. Contudo ela foi tomada por alguns em detrimento de todos os que a trabalham. Assim, estás a pagar uma dívida, o que é bem diferente de dar esmola de forma gratuita.”
S. Ambrósio de Milão (bispo e doutor da Igreja, séc. IV)




Com a quadra do Natal multiplicaram-se apelos à solidariedade das populações em relação em aqueles que, especialmente em época de crise, se encontram em pior situação, quer a nível económico, quer a nível social. A solidariedade, segundo o entendimento de quem faz estes apelos, é sinónimo de adquirir bens alimentares ou de higiene e entregá-los às entidades que os recolhem e depois os distribuem numa rede montada para o efeito.
Não vou contestar a boa vontade dos organizadores e dos milhares de voluntários que dão o seu trabalho em prol deste fim, nem vou contestar o espírito de partilha de quem compra e depois oferece os bens a estas organizações, mas contesto profundamente que se chame a isto solidariedade. Solidariedade é um acto da sociedade em redistribuir a riqueza gerada, de forma a que todos, mas todos, tenham acesso aos bens e cuidados elementares, garantindo a dignidade de todo o cidadão. Aquilo de que tratamos é caridade, e nem sequer uma que provenha dos mais ricos, porquanto estes são os donos das cadeias de supermercados, onde os outros compram, para depois dar, tirando assim dos seus magros salários ainda mais do que já contribuem com os impostos.
Não ficando por aqui, até aquilo que oferecemos, com arredondamentos e outras formas de dádiva, não contam como desconto no nosso IRS, mas como desconto nos impostos das grandes empresas que o apresentam como dádiva delas mesmas, fazendo ainda por cima caridade com o dinheiro dos outros.
A tentativa de confundir caridade e solidariedade deve-se à tentativa de fazer com que o comum do cidadão não se questione sobre qual o fim que levaram as suas contribuições para o Estado, e que deveriam garantir estes bens sociais aos mais necessitados. Na realidade as suas contribuições e impostos acabam por ir parar aos bolsos dos que mais têm, através dos subsídios e benefícios fiscais às grandes empresas, que assim nunca perdem, ganham aqui e ainda ganham o lucro do esforço dos cidadãos a ajudar os seus semelhantes.
Acontece que tampouco a pobreza é um fenómeno que apareça por magia, ou seja da escolha dos necessitados. A pobreza é fruto de políticas que persistentemente vão desviando a riqueza dos que trabalham para os chamados investidores, ou seja para o que já possuem capital. Estas políticas que em Portugal vêm sendo aplicadas desde 76 a esta parte, e que fizeram com que o nosso país paulatinamente se tenha tornado, juntamente com o Reino Unido, o mais desigual da União Europeia.
Em termos políticos, não podemos isentar da crise que vivemos o actual Presidente da República. Este enquanto Primeiro-ministro desde meados dos anos oitenta até meados de noventa, foi quem aprofundou e cimentou o modelo de desenvolvimento, privado e a desregular, cujos resultados temos hoje à vista. O modelo de desenvolvimento neoliberal, cujos ideólogos da Escola de Chicago, já haviam testado no Chile de Pinochet, antes mesmo de o terem aplicado sob a Sr.ª Thatcher ou Reagan, foi o mesmo aplicado por Cavaco Silva com a vantagem dos fundos europeus.
A ideia que este homem possa ser reeleito para a Presidência, para mais numa primeira volta, branqueando a sua responsabilidade na presente crise, apenas porque os seus resultados surgiram apenas quase uma década depois de ter saído do poder, é uma ideia sinistra a vários níveis, e que abre caminho a um governo que mais não fará do que aprofundar o desmantelamento da acção social do Estado e logo dos verdadeiros actos de equidade e solidariedade que se impõem para manter, e aumentar, a coesão social do país.
Várias das candidaturas que têm surgido, pese embora se apresentem como defensoras de uma alteração de políticas, na realidade têm ao longo de vários anos sido cúmplices ou coniventes com o receituário social e económico aplicado.
Isto não significa que o eleitorado que com elas se identifica não seja, na maioria das vezes, um eleitorado que se apercebe das injustiças sociais que foram sendo criadas e com as crescentes dificuldades para as classes que sobrevivem do rendimento do trabalho. Portanto e ainda que defenda a urgência de uma mudança de rumo para o país e uma dignificação do trabalho com uma mais justa redistribuição de riqueza, ainda assim defendo também que se impõe uma mobilização em torno destas eleições, empurrando para a segunda volta qualquer decisão que o povo português venha a tomar.
Os dias que temos pela frente são cruciais para a informação e reflexão, de forma a combater a manipulação de factos e memórias em relação aos candidatos no terreno. Só os actos de solidários podem mudar a sociedade, os caritativos apenas mascaram temporariamente a realidade.
Um bom ano de luta em 2011

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

As nossas mãos, as nossas vontades

fonte da foto: www.arquiteturaunimar.wordpress.com


Este texto foi redigido como Editorial para "A Voz do Operário"




Ainda Dezembro não havia começado e já há quem, antecipando o desespero dos portugueses após um de Janeiro, quando descobrirem que têm mais impostos e custo de vida mais alto, se proponha a vir hipoteticamente a governar com o FMI.
Além de ser um gesto próprio de quem tem uma visão insuflada do seu papel, esta atitude revela que a personagem se propõe já a ser o braço governativo de que por lei não tem direito e legitimidade de nenhuma espécie para governar.
FMI não é sigla de partido nacional e como instancia internacional não lhe compete impor qualquer política a seguir pelos estados, pese embora se tenha arrogado ao longo de anos o privilégio de submeter aos seus ditames e interesses e que esses interesses têm invariavelmente contribuído para o descalabro social nas nações que os têm aceite.
As políticas seguidas nestes já longos anos, vem sendo as receitas do FMI patrocinadas pela UE e que têm passado pelas perdas de direitos dos trabalhadores e pelo desmantelar paulatino dos alicerces sociais do Estado. As receitas desde que a crise se instalou apenas têm sido de intensificar essas mesmas politicas.
Os ditos mercados, que são apontados como culpados, como se não tivessem por trás gente com determinados interesses, não acalmaram e nem acalmam enquanto não obtiverem aquilo que tem no seu plano desde início, um novo código laboral que ultrapasse largamente as piores medidas do recentemente aprovado pelo Governo. Esta é a prédica do FMI e que o PSD se prontifica rapidamente a por em prática.
Não é segredo, que somos um dos países com maior precarização do trabalho onde, junto com o Reino Unido, existe maior desigualdade social. Mas isso não é, nem foi, motivo de preocupação do PSD, nem para o PS.
A Greve Geral foi uma enorme demonstração do descontentamento, mas não basta, é necessário concretizá-lo numa alteração da correlação de forças. As eleições presidenciais, porque nelas está também em jogo uma candidatura intimamente ligada a estas políticas, e porque nelas se envolve uma outra que propõe mudanças coerentes, são de uma enorme importância para redefinir as políticas a seguir e o redesenhar do futuro do país. Vai estar nas nossas mãos fazer destas eleições expressão das nossas vontades. Temos um mês para olhar à nossa volta, especialmente nesta quadra. Boas festas a todos.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

As linhas soltas do novelo.

fonte da foto:http://www.palavrarasurada.blogspot.com/



Os novelos são constituídos por uma linha que é, normalmente, uma trama de fios fortemente entrelaçados. Quando os fios se libertam desta trama o que acontece é enfraquecer a linha e deixar à vista a sua real natureza. O que é válido para o novelo é igualmente válido para as trapaças, donde os fios que agora transparecem de certas situações.
O primeiro novelo é a recente realização da melhoria de resultados dos estudantes, fruto das chamadas reformas do governo. É preciso notar, antes de mais, que os estudantes analisados não foram alunos que tenham sido integrantes dos novos modelos de ensino. Começa o novelo a desfiar, mas não fica por aqui. As condições de estudo que, com as obras realizadas nas escolas, deveriam melhorar, pioram. Pioram porque as obras não foram realizadas pelo Estado, não. As obras foram realizadas por uma empresa para a qual o Estado transferiu a propriedade das escolas e dos terrenos, com os dinheiros provenientes do Estado, via financiamentos do QREN. Acontece que no fim das obras as escolas não retornam ao Estado, ficam nas mãos desta empresa, que fica não só com o exclusivo da manutenção durante 10 anos, mas recebe além disso a renda pelo aluguer das mesmas…ao Estado, rendas que representam milhares de Euros por ano.
Isto representa o enriquecimento artificial de uma empresa, além dos seus administradores, às expensas do Estado. Empresa essa que mais tarde será uma apetecível presa a privatizar, deixando as Escolas portuguesas nas mãos dos privados. Desfiado o novelo na educação, vamos ao resto.
Outros dos fios à mostra são as leis do trabalho. Poucos meses depois do Primeiro-ministro e do Ministro do Trabalho terem garantido que “as reformas do código do trabalho eram suficientes” e que “não eram necessárias novas alterações”, mas mais que outros exigiram a facilitação de despedimentos e logo deixa de valer tudo o que foi dito avançando-se com novas propostas de facilitação dos mesmos e, com uma proposta muito curiosa, de fazer com que todos nós, através das contribuições das segurança social, paguemos as indemnizações que às empresas competia pagar. Ou seja onerar quem muitas vezes quem fica desempregado pela sua própria indemnização em detrimento dos seus patrões.
Mais um dos fios desta cada vez mais estreita linha, é a actuação do Governo português na sua relação com potências estrangeiras. Os telegramas que o Wikileaks revelou mostram de forma clara que o Governo português sabia e aceitou a utilização do espaço aéreo português e a base das Lages para voos da CIA relacionados com a transferência de prisioneiros de Guantanamo. Isto depois de ter jurado publicamente e no Parlamento, aos representantes do povo português, que nunca tais questões haviam sido sequer abordadas ou avançadas. Com isto a linha não deveria ter já força de coesão e deveria ter partido, e só por manifesta falta de força cívica tal não aconteceu.
Por mais estranho que pareça a mesma arte da mentira é praticada em outros locais, mas com ampla divulgação entre nós. Todos ouvimos a história da aplicação de excepção militar no que diz respeito aos controladores aéreos da AENA. Ouvimos, mas nunca nos deram a ouvir as razões destes trabalhadores. Estes trabalhadores foram sujeitos a um brutal aumento das horas de trabalho e uma redução de salário de 40%, não tem quem os substitua pois não houve formação de novos controladores nos últimos anos por determinação do governo do Estado Espanhol e especialmente é bom lembrar que estes trabalhadores não auferem de um único cêntimo do erário público porquanto são pagos elas taxas aeroportuárias. Se disseram basta, nas condições em que o fizeram, foi por estarem absolutamente fartos e por saberem que é melhor que o viajante tenha um prejuízo hoje para que não venha a ter um muitíssimo maior depois. Este é mais um fio que se solta e que a comunicação social, com a nossa no conjunto, se esforçou para esconder e para distorcer de forma a que ninguém se questionasse sobre os acontecimentos.
O novelo que foram enrolando, e a trama da linha que foram urdindo, estão cada vez com mais fios soltos. É necessário que cada vez mais gente se questione e os questione. É necessário que mais gente entenda que nem tudo (e cada vez menos) do que dizem e publicam nos meios de comunicação é verdade. É necessário que os comentadores e pensadores e opinadores de cátedra da nossa praça sejam expostos ao opróbrio público como serventuários que são de interesses que em nada se compaginam com os interesses da população. É necessário mudar. É urgente o tricô de Madame Defarge.

sábado, 4 de dezembro de 2010

A saúde privada priva-nos da Saúde, ou tenta…


O Health Cluster Portugal, entidade muito moderna, que até o nome já não é em português, e que agremia algumas entidades públicas e universidades com todo o alguém que é alguém nas entidades privadas da saúde, encomendou ao ISEG um Estudo cujas conclusões garantem que em 2020 não teremos Serviço Nacional de Saúde e que, portanto, é melhor entregarmo-nos desde já nas mãos dos privados.
Este projecto, que curiosamente tece loas a antigas fórmulas do século XIX, chamando-as de Estado providência, passa pelo fim da obrigatoriedade da permanência dos utentes no Serviço Público, a constituição de sistemas de descontos diferenciados, com acessos também diferenciados, cujo restante preço é ainda pago pelos clientes do sistema.
Não explica, porque não convém explicar, duas coisas: uma que se prende com os impostos, porque se não servem para fazer funcionar os serviços, servem para o quê? E outra que se prende com a criação de facto de sistemas de cuidados de primeira, para os que têm posses e um sistema de segunda, terceira, ou quarta, para quem não pode pagar.
Diz, comprazendo-se das suas palavras, o presidente desta entidade que não podemos ter qualidade em todo o lado, porém esquece que o encerramento de serviços não significou aumento da qualidade em lado nenhum e condenou muitos cidadãos à mais completa marginalização no que diz respeito aos cuidados de saúde, por não haver num raio de muitas dezenas de quilómetros qualquer unidade de saúde.
Em grande medida tudo se reduz à retirada do sistema de quem pode e a degradação para quem precisa, tudo sob a mentira de uma maior equidade e justiça. Não há, nem tem de haver melhoria de competitividade no sistema de saúde, pois os resultados deste sistema medem-se na melhoria da qualidade de vida e saúde dos cidadãos.
Dizer que é necessário reduzir, quem em número, quer em funções, um sistema de saúde que a OMS considerou o 12º melhor sistema de saúde a nível mundial, entre 193 analisados, é bem revelador que o SNS é um incómodo profundo para todos aqueles que querem tornar a saúde num negócio de vários milhões, mas que despreza os cidadãos que não têm posses, ou seja a vasta maioria.
É bom perceber que se hoje temos cuidados de saúde onde falta pessoal, onde se cometem erros, onde os tempos de espera são grandes, teríamos, se as “reformas” preconizadas por este grupo fosse adiante cuidados de saúde aonde nada faltaria em termos humanos e tecnológicos, mas somente para os que os pudessem pagar a peso de ouro e um sistema dito universal com carência dos mais elementares meios de diagnóstico e terapêutica.
A Constituição, a Carta Universal dos Direitos Humanos, as Metas da Saúde para Todos, garantem que a saúde é um direito de todo o homem e cidadão, mas para os que não vêem o mundo senão como uma imensa mercadoria, ela é apenas um bem comercial sujeito à compra e venda. Assim a sua privatização é a nossa privação.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O Rift entre direita e esquerda


foto fonte: mayhem-chaos.net



Após o desaparecimento da União Soviética e com ela de toda a experiência socialista em larga escala, os ideólogos do capital não perderam tempo em decretar o fim das divisões ideológicas entre direita e esquerda, dizendo muitos deles que esse tipo de divisão já não fazia sentido.


Os últimos vinte anos foram passados com os fazedores de opinião garantindo a pés juntos que a via por onde os Governos nos levavam era a única via possível a fim de dar resposta às necessidades humanas. Houve até quem tenha dito que o capitalismo era o único sistema capaz de satisfazer a humanidade.


Com isto assistimos à globalização das desigualdades, à exploração mais abjecta, à perda de direitos que levaram séculos de luta a conseguir, à sobrexploração dos recursos, à destruição de milhares de centros de cultura (tais como bibliotecas, museus, orquestras, companhias de teatro e bailado, etc.), ao encerramento de inúmeros centros de pesquisa científica, à diminuição dos níveis de cooperação com o terceiro mundo, e por fim à mercantilização de praticamente todos os recursos, inclusive os essenciais à vida humana como a água.


A crise, que hoje ocorre, nada tem de misterioso ou incompreensível, é a consequência natural de um processo que quanto mais riqueza acumulava numa camada, mais tinha necessidade de reaver as parcelas de riqueza que se lhe escapavam, procurando assegurar que todo o capital – primeiro o acumulado nas poupanças, depois o obtido directamente da remuneração laboral e por fim aquele que ainda não foi obtido, através do crédito sobre remunerações futuras – retornava ao ponto de partida. Isto, conjuntamente com as contenções salariais, provocou por um lado a permanente escassez de capital na circulação fiduciária, por outro o permanente défice dos Estados, com apropriações de impostos sempre insuficientes, dado que o sistema contributivo faz recair o grosso do esforço sobre as classes cujos rendimentos são preferencialmente provenientes do trabalho.


Neste sistema sempre cronicamente deficitário, e num país em que o financiamento é obtido junto da banca internacional sobre uma produção, cujo crescimento tem óbvios limites que não se prendem com a produtividade, mas com a incapacidade de aceder a matérias-primas e humanas a baixíssimo preço, a pressão para os cortes nos serviços do Estado são enormes, quer por parte da camada que vai acumulando internamente, quer do exterior. Numa situação em que o sistema bancário entrou em ruptura porque nos EUA a população deixou de poder pagar o encargo das dívidas (ou seja a amortização mais os juros exorbitantes), os fundos públicos canalizados para salvar o sistema bancário deixaram exaurido o Estado face às necessidades públicas. Daí que aumentou o recurso ao crédito que era obtido a taxas tanto mais insanas quanto maior era a necessidade. Que faz o Estado? Corta na satisfação das necessidades públicas, e aumenta a tributação sobre os mesmos que já sustentavam as necessidades. Não o faz sobre os que acumulam capital baseado num principio muito caro à direita que não se tributa os que geram negócios – Não estamos longe da política salazarista que desviava de quem consome, para quem investe – com a contradição insanável que sem circulação fiduciária não hà consumo interno.


A ideia que uma recuperação se faz somente com o aumento das exportações esbarra em duas barreiras intransponíveis, uma que um crescimento desse tipo além de expor o país às condições dos mercados internos de países estrangeiros, promove a emigração da população activa limitando as possibilidades do crescimento, isto sem falar no empobrecimento, envelhecimento e perda de competências e capacidades da população fruto da degradação da educação e assistência médica e medicamentosa; a segunda é que sendo as matérias-primas todas ou quase importadas e que a modernização do tecido produtivo é também grandemente dependente da importação de materiais e tecnologias, quaisquer exportações (a menos de que produtos de muito baixo valor acrescentado) estão presas ao aumento das importações e, portanto não contribuem para um equilíbrio ou superavide do comércio externo e consequentemente da riqueza do país.


O último Orçamento de Estado está recheado de medidas que preconizam estas soluções, promovendo um maior desequilíbrio da distribuição da riqueza interna (um desequilíbrio que não encontra precedentes nem nos últimos anos do regime fascista), e convém não esquecer que juntamente com o Reino Unido, Portugal é o país da UE em cuja distribuição de riqueza é mais desequilibrada.


É precisamente aqui que é traçada a fronteira entre ser de direita e ser de esquerda, é no combate às desigualdades e na promoção de sociedades em que as diferenças de rendimento se atenuam e se procura a realização da dignidade do indivíduo dentro da sociedade enquanto grupo coeso, se se define como de esquerda. Ou na concepção de uma sociedade em que o Estado é mínimo, só serve para defender os interesses dos grandes negócios, libertando-os das dificuldade legais e das tributações, para que cresçam livremente, criando no processo postos de trabalho, sem que se questionem que postos de trabalho ou quais as condições em que se exercem. Em suma é um Rift de natureza civilizacional que nenhum revés histórico poderá sanar.


A tributação das mais-valias mobiliárias realizadas por Sociedades Gestores de Participações Sociais (SGPS), Sociedades de Capital de Risco (SCR), Fundos de Investimento, Fundos de Capital de Risco, Fundos de Investimento Imobiliário em Recursos Florestais, Entidades não Residentes e Investidores de Capital de Risco (ICR) e a fixação em 21,5% da taxa aplicável a todas as mais-valias mobiliárias tributadas em sede de IRS e em sede de IRC, é no quadro de desregulamentação laboral, de cortes dos serviços públicos, do aumento de impostos directos e indirectos sobre a população, e principalmente num quadro traçado como terrível pelas forças do sistema – em que, segundo as mesmas todos têm de comparticipar no esforço – o traçar da linha por onde esse Rift passa. Quem a propõe, está a propor que a parte que acumula capital, seja impedida de retirar esse capital à massa tributável, propondo algo que é de uma clareza meridiana: Já que todos têm de contribuir, quem controla e participa nestas sociedades e fundos seja obrigado a contribuir para o Estado ajudando a financiar os bens sociais. Quem se lhe opõe, está afirmar que a acumulação de capital não deve ser perturbada e que não deve ser obrigada a contribuir socialmente, na convicção que esse capital deve ser investido para gerar novos lucros. Já vimos quem ficou de um lado e do outro do Rift.