quarta-feira, 28 de abril de 2010

Cacos de Vidro


Este texto foi originalmente escrito para o Registo




Diz um velho ditado que quem tem telhados de vidro não atira com pedras. Calculo que não deva ser nada cómodo ter que apanhar os cacos todos do chão, com o risco de golpear mãos e pés, e que apanhar com eles em cima deve ser daquelas experiências a evitar até em imaginação. Contudo a imprudência leva a que pessoas, cuja experiência deveria ter servido de freio, fiquem extasiadas por mais um “furo” jornalístico e acabem por ter de manusear desajeitadamente os tais caquinhos que por azar caíram também na sua trupe.
O Deputado que montou a cegada em Famalicão não é um novato, enfim um jovenzito, que tomado de furor justiceiro se atire ao primeiro pérfido regulamento que por aí ande. É um vetusto ex-Vereador do seu partido na Câmara de Lisboa, não sendo no entanto efectivo, apenas porque este partido andava à altura de trapos juntos com outra figura mediática com a qual aliás depois se desaguisou.
Dito isto fica claro que o Deputado tinha de conhecer as disposições da Lei, que determinavam terem de ser de nacionalidade portuguesa os concorrentes à habitação municipal. Mas admitindo que o não sabia, deveria ter-se informado junto da autarquia detida pelo seu partido, quanto mais não fosse para estar informado sobre alternativas às regras que se aprestava a criticar. Mas não. O caminho escolhido foi a chicana nas televisões e nos jornais, com o espalhafato habitual vindo das bandas de onde vem, mas que deixou à mostra que mais importante do que propor no Parlamento a alteração à Lei, mais importante do que conhecer as regras em vigor nas autarquias, os eleitos desta força politica ocupam melhor o seu tempo buscando casos que pelo escândalo público lhes proporcionem um aura de defensores dos fracos e oprimidos.
Saiu mal desta vez, mostrou que além dos seus Deputados não conhecerem a Lei, os seus Vereadores desconhecem até o que se passa na autarquia por si dirigida. Bem podem falar de nobres princípios dos quais não abdicam, bem podem retirar do site os regulamentos até então em vigor, bem podem professar a pés juntos solenes alianças de propostas de revisão da Lei. Agora? Agora já os telhados estão estilhaçados e só se o povo for assaz pitosga é que se livram de umas boas cicatrizes.

sábado, 24 de abril de 2010

Abril somos nós


Todas as Associações, Colectividades, ONG's das mais variadas naturezas, tenham ou não nascido depois do 25 de Abril, estão a este intima e definitivamente ligadas. Não fora a Revolução de Abril e não duvidemos que o campo de intervenção, as possibilidades de se fazerem ouvir, e as suas iniciativas públicas, estariam sempre sujeitas à permissão do regime ou far-se-ião no quadro de resistência.

O quadro constitucional de 76, ao restringir e bem as acções da Defesa Nacional ao cenário de agressão externa, impediu que o exército pudesse ser constitucionalmente utilizado contra a população discordante, e basta lembrar-mo-nos do que foi a tentativa da repressão da Greve Geral de 82, ou o bloqueio à ponte, para nos ficarem poucas dúvidas sobre a probabilidade de isso ter acontecido.

Hoje, a propósito da Destruição Constitucional proposta pelo PSD, já vozes se levantaram sugerindo também neste campo "alterações", muito longe de serem apenas cosmética. A substituição do termo Defesa Nacional, por Segurança Nacional, não é apenas semântica ou de modernização anglo-saxónica do termo. A partir que os Governos, Presidente, o Conselho de Segurança, tivessem hipótese de definir os parametros dessa segurança, entrariamos irremediavelmente no campo dos inimigos internos, e temo que pudessem ser os sindicalistas, os profassores, os camionistas, os ambientalistas ou mais provavelmente as tradicionais vitimas da Segurança Interna, os comunistas.

Ficaria também aberto o caminho para utilizar o exercito para travar greves, protestos, cortes de estradas, ou simples manifestações espontâneas. Aterrador não? Mas há quem o proponha. Seguramente gente que gostaria de espalhar por aí os bons bons modelos britânicos e norte-americano de lidar com os desafectos.

As Associações, Colectividades, Agremiações e ONG's de todas as naturezas, são filhas de Abril, e estariam por certo entre as primeiras vitimas deste proto-fascismo da era moderna. É necessário preservar Abril.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Acabaram de falar do leite?


Rafael Bordalo Pinheiro


Este artigo é previsto sair na Edição do Registo mas se não sair, fica já aqui





Quem teve a ventura de assistir ao vídeo da intervenção da deputada carioca Cidinha Campos na Assembleia Estadual do Rio de Janeiro, não pode deixar de sentir a sua alma lavada pelo desassombro com que a parlamentar brasileira punha a nu os desmandos dos candidatos ao tribunal de contas do estado, mas também como expunha os conluios e cumplicidades que, por um motivo ou por outro, se vão tecendo com os restantes membros do parlamento, ou pelo menos parte destes.
Não pude deixar de me lembrar desta cena quando tomei conhecimento que o novo líder do maior partido da oposição toma por principais cavalos de batalha a alteração da Constituição, no que diz respeito às leis eleitorais, e a privatização das empresas públicas que restaram após o desvario privatizador dos anos noventa, nomeadamente a RTP e a ANA.
O passado recente demonstrou à saciedade, especialmente para aqueles que não tendo certeza se arregimentaram na horda dos que a pés juntos garantiam que as empresas privadas funcionavam muito melhor que as públicas, o quanto o argumento era falacioso. Hoje os transportes colectivos não funcionam melhor; Não temos sistemas de comunicações baratos e satisfatórios; A nossa banca vive de impostos baixos e favores do Estado, quando não de golpes praticados sobre os clientes, o mesmo podemos dizer dos seguros; Ninguém põe a mão no lume pela isenção e independência dos meios de comunicação face ao poder económico; As suspeitas de corrupção grassam.
Na mesma onda estão os órgãos onde o poder é exercido com grande pendor pessoal: Os autarcas suspeitos ou mesmo condenados são candidatos amplamente votados ou reeleitos aos lugares; o fenómeno do caciquismo é uma realidade gritante; lugares há no país em que os pequenos poderes económicos dominam e determinam a política e a vida local, determinando vencedores eleitorais ao prazer da satisfação dos seus interesses.
É neste quadro que o líder do maior partido da oposição defende a privatização de empresas que garantem a funcionalidade do Estado, quer por darem lucros, como o caso da ANA ou dos CTT, quer por servirem para garantir um serviço que deveria estar virado para a cultura e o ensino, e mesmo garantir a pluralidade e isenção, como a RTP, que só não o faz porque as sucessivas direcções têm combatido por dentro a função social da empresa. Situação que uma privatização só agravaria.
Mas não é o bastante, propõe-se também passar a círculos uninominais, reduzir os deputados, e seguramente avançar para os executivos autárquicos monocolores, sufocando assim a democracia ao reduzi-la a um poder de dois, contribuindo para o proliferar de caciques e caudilhos locais nas legislativas, à imagem de alguns dos actuais Presidentes de Câmara, que não deixariam de ter a sua prenda livrando-se do controlo da oposição nos executivos. Resumindo e concluindo, criando as condições para o fartar vilanagem, entre um poder económico detentor de todos os meios e um poder político pouco representativo e completamente a ele ligado.
Li hoje, numa carta a um jornal, a ideia que vivemos hoje na ditadura de uns quantos que impõem uma lista num círculo. Não sendo o maior defensor da democracia representativa, prefiro saber que sou representado por um qualquer deputado da lista em que votei, do que ter por representante alguém em que não me reconheço, em quem não confio, e que seguramente jamais irá ser sensível às minhas preocupações e aspirações, apenas por ter sido eleito por uma maioria de votos, valendo os votos dos outros que perderam, nem que por um voto fosse, zero. Chamar isto de democracia toca as raias do insulto.
Estas propostas, que também não são mais do que as propostas várias vezes avançadas pelo próprio partido do Governo, irmanam então estes dois partidos em novas tentativas de transformar o país num bolo a repartir pelos interesses e clientelas de uns e outros, onde estejam de mãos livres, longe do controlo e denúncia de terceiros, para mamar à vontade.
Acabaram de falar do leite? É que eu quero falar dos que mamam!

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Os Manueis Joões

O artigo abaixo deveria ter sido publicado no Registo, mas parece que desagradou a alguém....


Consta que um certo Manuel João tinha o grande desiderato de voar, e ninguém se atrevia sequer a desafiar a sua ambição, de forma que, segundo a história, num dia de chuva, munido de um oleado subiu a um penedo saltando de seguida de lá de cima.


Como seria de esperar, despenhou-se a três passos do ponto de partida, enquanto os conhecidos gritavam: “Avoa, avoa, Manuel João, três passos para nordeste, e o homem está sempre enxuto!” Com efeito o desgraçado do Manuel João não se elevou nos ares mas, graças ao providencial oleado, pelo menos não ficou molhado.


Certa oposição nacional, qual Manuel João, traçou o desígnio de chegar ao governo, porém como não pode, nem quer, contestar as políticas do governo actual, até porque tenciona pôr em prática umas exactamente iguais, apenas com agentes diferentes, utiliza como arma os sucessivos casos envolvendo o Primeiro-ministro, a fim de erodir a maioria governamental até a fazer cair.


Acontece que os nossos Manueis Joões, não conseguiram ainda enxergar, que não só o governo, por trancos e barrancos, vai sobrevivendo aos vários escândalos, como a cada novo caso a população apenas se vai enojando e afastando por perceber que por muita tinta que corra, e por muitas comissões de inquérito que se criem, vai continuar tudo rigorosamente “como dantes, no quartel geral de Abrantes”.


Não pensemos contudo que Manueis Joões, não os há em mais formas e cores. Crendo que uma imagem de justicialismo mediático os guindará às estrelas, alguns há, que vão a todas. Seja o escândalo deste, ou do governo anterior ou quiçá do século passado, rapidamente vozes se agitam pedindo investigações e inquéritos, sem se ter bem a noção da relevância do que se pretende apurar, e se é que se pretende apurar alguma coisa que não apenas mais uns minutos diante do holofote ou umas linhas mais de texto.


Mas os Manueis Joões, na sanha de conseguirem alcançar os seus objectivos pondo em causa o acessório e omitindo o essencial, remetem a cada situação, saltando orgulhosamente do seu rochedo e aterrando sistematicamente três passos a nordeste. Vai-lhes valendo o oleado da comunicação social. Esta, de interesses convergentes, vai protegendo os costados dos Manueis Joões da chuva que é a contestação generalizada das políticas seguidas, e assim desviando as atenções das acções que realmente importavam. Resta saber se também lhes vão aparar a queda.

domingo, 11 de abril de 2010

A violência das margens



Quando o desconhecimento se espalha e a manipulação da realidade assume foros de verdade, substituindo definitivamente aos olhos dos cidadãos os acontecimentos. Quando o silêncio de uns e exacerbação de outros acontecimentos conduzem à ignorância controlada por aqueles que pretendem moldar os dias à vontade do seu domínio e da sua capacidade de arrecadar os proventos da exploração dos recursos e da transformação dos mesmos pelo factor trabalho

As lutas que se travaram e travam pela liberdade dos povos, pelo justo acesso aos recursos dos lugares onde vivem, por melhores condições de trabalho, pelo reconhecimento e dignidade cultural, debateram-se sempre com uma violência que não é, nem foi, noticiada em jornal algum. Uma violência que silenciou e deturpou a história das suas razões e reivindicações. Que calou os mortos, os torturados, os violentados, de prestar o seu testemunho perante os povos e história. Uma violência que é exercida todos os dias em que algumas “vítimas” são alcandoradas à condição de massacrados e vítimas de genocídio e outras são lestamente apagadas da memória. São estas que hoje falarão.



Saúdo os combatentes da Comuna de Paris. Esse formidável sonho, que pela primeira vez na história deu direitos de decisão e de organização, aqueles que trabalhavam sob condições duríssimas, sem qualquer direito ou regalia, sem qualquer condição de segurança ou assistência na velhice ou na doença, que, para que a sociedade sentisse os benefícios dos avanços tecnológicos, colocavam a sua vida e a sua saúde em risco. Quando escrevo estas linhas não consigo deixar de me lembrar das operárias das fábricas do chumbo branco, em que a única forma de se desintoxicarem era engravidar, abortando espontaneamente em seguida, devido à concentração do chumbo no feto. Onde estava então a sacrossanta família de que alguns hoje falam? Ou onde estava o reconhecimento do direito de escolha democrático, sempre tão alardeado, quando, ao entrarem em Paris, as forças revanchistas fuzilaram trinta mil Communards? Que falem os partidários da Comuna, pois que por muito foram silenciados.













Communards fuzilados


Saúdo os combatentes irlandeses do Levantamento da Páscoa de 1916, que sacudiram o jugo colonial do império Britânico, sendo rechaçados, perseguidos e mortos, tendo o destino de milhares de outras vítimas da dominação do império, que procurou trucidar a sua cultura, apropriar-se dos recursos da sua terra e que não hesitou em submeter à fome milhões de pessoas, sendo que três quartos da população irlandesa pereceram, sem que nunca o Império Britânico fosse acusado de genocídio, nem analisadas e julgados os seus procedimentos.
O mesmo império que, bem recentemente, não só praticou as piores violências sobre os presos irlandeses, não tendo querido sequer dialogar com os grevistas de fome por melhores condições na prisão, conduziu à morte de Bobby Sands e nove outros prisioneiros na prisão de Maze. Nessa altura aquilo que se encontrou, nos governos e meios de comunicação, foi apoio ao governo do Reino Unido, bem ao contrário do que acontece hoje em relação a outros grevistas da fome. Que falem os Patriotas irlandeses, pois que muito foram silenciados.




Mural do levantamento da Páscoa



Chamo também a prestar o seu depoimento os desaparecidos da Guerra Civil de Espanha, enterrados em valas comuns espalhadas por todo o país, que permaneceram desconhecidas durante mais de 70 anos e que, não fora a persistência dos seus familiares, aí permaneceriam por muito mais tempo, perante a passividade cúmplice de uma “democracia” e de instituições que, alegadamente são o garante dessa mesma democracia”. É bom lembrar que bem recentemente muitos houve que, até aqui em Portugal, se mostraram contra a lei da memória histórica, e que a mesma não tocou nos veredictos dos tribunais franquistas, anulando-os, e mesmo agora o sistema legal tenta punir quem quer investigar os crimes do franquismo. Crimes que deveriam ser investigados mesmo que a sua punição seja impossível. Falem também estas vítimas, pois que não cessam de as tentar calar.



Fuzilados em Badajoz



Nesta sessão de chamaria também todo o povo Sarauí. Esse povo que vive sob ocupação estrangeira, ou em campos de refugiados. Uma ocupação que tentou colocá-los como minoria na sua própria terra. Que procura obliterar a sua cultura. Que tenta por todos os meios apropriar-se dos recursos existentes. Que não se coíbe em utilizar as piores torturas e humilhações contra quem levanta a sua voz em defesa do seu povo.



Não é hoje segredo que, com a conivência dos governos e dos órgãos de comunicação, que o Reino de Marrocos utiliza e utilizou diversas formas de prisão, tortura, desaparecimento, recorrendo inclusivamente à dissolução dos corpos em ácido sulfúrico para que nunca mais possam testemunhar contra a violência que foi perpetrada.

A recusa de negociações sérias, a chantagem utilizada sobre a população que permanece no território, o terror exercido sobre as famílias de activistas e de desaparecidos, a repressão policial, os números de militares destacados no território, o muro construído para separar as zonas ocupadas do restante território, também estas, violências exercidas sobre uma população inteira deste 1974. Deponham também os sarauis.



Presos sarauis na Prisão Negra de El Aiún




Muitos mais terão ainda de falar. Todos aqueles a quem tentam apagar da história e tentar que não sejam lembrados. Que ninguém diga depois que o Rio é violento.






domingo, 4 de abril de 2010

O País que temos, o País que queremos




A propósito do Plano de Estabilidade e Crescimento, tenho visto, em diversos órgãos de comunicação social, os mais diversos cronistas dizerem e escreverem coisas que, pese embora façam muito sentido para mim, não cessam de me deixar boquiaberto. Durante anos, senão mesmo décadas, a fio os mesmos cronistas disseram coisas que vêm no sentido inverso das suas actuais posturas e foram, muitas vezes, a tracção necessária para que o nosso povo acabasse por aceitar e sufragar projectos que era mais do que evidente não serviam o seu interesse.
O País que temos tem um tecido produtivo que se era incipiente à altura do ingresso nas Comunidades Europeias, está hoje completamente destruído. Coisas como produção siderúrgica, mineira, naval, outrora grandes símbolos do pouco avanço em algumas áreas, são hoje meras lembranças do passado. As pescas, não obstante os riscos claros de frotas anquilosadas e da falta de formação, representavam um sector produtivo de grande relevância, que abastecia a indústria das conservas, fazendo do país um dos líderes, senão mesmo o líder, da sua exportação.
É um facto que a nossa agricultura sofreu sempre de um atraso sistémico, em grande parte devido ao dimensionamento da propriedade e à falta de inovação tecnológica. Mas a verdade é que apesar de todos esses atrasos à altura da integração e, apesar da decadência subsequente, as reservas de produção nacional conseguiam garantir o fornecimento em caso de crise acentuada, donde eram estratégicas. Depois do advento da Política Agrícola Comum, não mais isso foi possível.
Não quer isto dizer que no antigamente é que era bom, nem de perto nem de longe. As precaríssimas condições laborais, os baixos salários, a ausência de direitos ou regalias sociais, o arbítrio dos patrões, a ausência de força negocial, repressão. Tudo isso implicava que tínhamos um modelo de desenvolvimento baseado no baixo custo de mão-de-obra, com uma formação muito baixa, com quase ausência de introdução de novas técnicas e inovações. Canalizando por fim para o patrão (investidor) a maioria dos ganhos, em detrimento do trabalhador (consumidor). O que diga-se de passagem originava um mercado interno débil e uma dependência do exterior, forçando a uma produção quase exclusivamente dedicada à exportação.
Contudo, por estranho que pareça, foi este o modelo que continuou a ser praticado pelos sucessivos Governos Constitucionais. Mão-de-obra barata, com baixo nível de formação, maquinaria antiga, por vezes quase ao nível da obsolescência, produção virada para o mercado externo. Só que isto esbarrava continuamente com os direitos sociais conquistados numa altura histórica específica, o PREC, com o desejo de melhores condições de vida e padrões de conforto dos trabalhadores, com o poder negocial dos sindicatos, e com a diminuição do analfabetismo.
Iniciou-se então uma guerra, muito inspirada pela actuação da Sr.ª Tatcher no Reino Unido, na qual se procurou limitar o poder negocial dos sindicatos, diminuir o alcance social de direitos determinantes, como diminuição de horários e tempo de descanso, aumento do trabalho precário, protecção contra despedimentos arbitrários, acesso gratuito a saúde e educação, e de forma particularmente insidiosa, atirando com a força de trabalho para as periferias, distantes dos seus locais de trabalho, atingindo com isso a socialização e a discussão dos seus problemas em grupo, o que era normalmente feito nas colectividades culturais, desportivas e recreativas, que foram gradualmente fenecendo.
Ao mesmo tempo, a qualidade do ensino público foi, e continua a ser, gravemente afectado, quer pelas sucessivas reformas curriculares, quer por se ter deliberadamente consentido na perda de dignificação e valorização da carreira docente, valor social da escola, e mesmo pela criação de guetos sociais e culturais aos quais a única resposta que foi dada foi a importação de modelos de expressão de revolta, sem a preocupação de respostas construtivas.
O resultado destas políticas é não só expresso no crescimento das atitudes individualistas e isolacionistas, mas também no medo crescente da perda do posto de trabalho, do desconhecimento dos direitos laborais e aumento dos fenómenos de analfabetismo funcional, e criminalidade.
Por isso quando leio, ou oiço, que o modelo de crescimento baseado nos baixos salários está esgotado, ou que se mostra necessário por travão a privatizações insensatas, ou que o PEC propõe que sejam os mesmos a suportar a factura da crise, enquanto que os sacrifícios pedidos ao sector financeiro são insignificantes, não posso deixar de me questionar da responsabilidade de quem assim fala na construção do País que temos, e naquilo que foram sempre dizendo a quem afirmava que não é este o País que queremos.