Fantasmas do petróleo
Há 10 meses
Qual é a sua opinião sobre o que é proposto?
O projecto que é apresentado é, na minha opinião, um projecto muito interessante que seria uma mais valia para uma Praça destas dimensões. Porém não uma Praça que transporta consigo toda uma história e filosofia de existência que não se compagina com soluções de visão "modernizadora".
Quando é construída, ainda o Barroco não entrou em decadência, esta Praça, para a qual se destina o Comércio e a Administração, é um simbolo do poder régio. Não é por acaso que sendo a principal entrada na Cidade, e á necessário lembrar que a via marítima era o acesso mais rápido para quem se deslocava no litoral, ou vindo do estrangeiro, se faz sob a imensa estátua de D. José, voltada a sul, e por isso sempre reflectindo a luz do Sol. O Rei, portanto como figura impressiva da praça.
Esta estátua não se encontra no exacto centro, mas o suficientemente descentrada para que de qualquer ângulo se crie a ilusão de enormidade e magnificiência. O proprio declive da Praça, mas baixo em todas as bordas, servia não só para a drenagem das águas mas para aumentar essa ilusão de enormidade. Só se está ao nível do pedestal, quando se está exactamente por baixo do Rei.
Assim quaisquer soluções que cortem com a disposição, o desenho próprio do barroco, ou a leitura da praça, tal como idealizada, não serão as soluções de melhor filosofia, não obstante a sua beleza plástica.
A ideia da utilização desta Praça é algo sempre complicado de gerir, porque é sempre uma adaptação das suas funções originais, o que não quer dizer que não se faça. Logo á partida esta situação debate-se no entanto com a insolarização. Qualquer solução para este problema além de ter que respeitar a arquitectura da Praça terá de ser uma solução cabal até para os equipamentos que lá se pretendam colocar. As soluções apontadas, uma espécie de toldos amoviveis, são discutiveis e poderiam ser estas ou qualquer outras, até porque ao longo da história outras soluções foram encontradas e inclusive a praça do comércio teve árvores até um passado relativamente recente. Donde é opção que poderia ser equacionada.
Ao nível de piso a questão é mais complexa, não só o losango nada tem a ver com o Barroco, como significa um corte absoluto com o padrão das ruas da cidade, desde os meados do século XIX. É verdade que Lisboa não tem de ser toda em calçada portuguesa, mas também é verdade que estamos numa zona histórica que tem um contínuo até à Praça do Restauradores e Av. da Liberdade. Além disso, pese embora seja questionável que os motivos da calçada que lá se introduziu liguem bem com o desenho da Praça, estes integram-se no que de melhor foi feito em termos de calçada portuguesa, tendo, pelo menos antes da intervenção, pequenos desenhos identificativos dos artesãos designados assinaturas, que têm de ser preservados.
Donde, sem retirar mérito à proposta feita, penso que esta deveria ter sido mais condicente com o peso histórico e de representação deste espaço.
Que intervenção seria desejável que fosse feita naquela praça?
Sou de opinião que não só só hoteis, esplanadas, turismo e eventos que dão vida aos espaços. As funções existentes, que os criaram e para as quais foram criados, são a essência dos espaços. A Praça do Comércio é Praça do Poder, para além de espaço cénico desse próprio poder. Donde a permanência de serviços da administração do estado, com os seus funcionários, e os serviços que apoiam esse funcionalismo, restaurantes, cafés, papelarias, livrarias, correios, etc. são essenciais para a manutenção da vida do espaço.
A sazonalidade dos hoteis, a incapacidade de manutenção de uma clientela fidelizada, provocada pela alta rotação do turismo, não me parecem à partida formas de garantir a apropriação deste espaço público pela população da cidade.
A recuperação do espaço, independentemente das opções estéticas e arquitectónicas, só pode dar-se pelo uso eficaz e efectivo desse espaço, logo qualquer intervenção desejável teria de passar pela manutenção do seu uso pristino.
O Terreiro do Paço sofreu várias intervenções ao longo do tempo. Esta intervenção agora anunciada justifica-se e faz falta?
Claro que faz falta. Esse ponto reúne, presumo, unanimidade. E desde que sejam adequados novos usos e novas existências, aos usos pré-existentes, respeitadas as intenções dos criadores, e fundo histórico desta Praça, é óbvio que há lugar a novas intervenções. A história é um fenómeno que se movimenta, não para e uma Cidade cujo território não acompanha os processos históricos está anquilosada e logo moribunda, só que isto não significa alterar radicalmente os espaços.
No seu entender, seria desejável que o arquitecto fosse escolhido por concurso público e o projecto sujeito a discussão pública?
quando se trata de renovação de um espaço público urbano, da dimensão e importância da Praça do Comércio, a questão da definição de um caderno de encargos para um concurso público é sempre um tema melindroso. O que não impede que tivesse sido realizado um concurso de ideias aberto a várias equipas. A imposição de uma só leitura e visão é sempre redutora, especialmente quando estão em apreciação questões que mexem com a memória histórica e arquitectónica da cidade.
Quanto à consulta pública é por demais óbvio que deveria ter sido equacionada, e já deveria ter sido posta em prática. As opções de cidade não podem ser feitas nos gabinetes e atliers, não estamos no despotismo esclarecido, daí que a participação dos cidadãos na discussão e decisão destas opções é fundamental.
Diz um provérbio antigo: “Falai no mal, aprontai o pau”. Com efeito, palavras não eram ditas sobre o sistema parlamentar e eis que este aparece maculado, na sua expressão primordial que é o parlamento de Westminster.
O primado do parlamentar, leia-se político profissional, desgarrado das realidades sociais e laborais, pago principescamente, e com acesso a todas as regalias e privilégios que há muito se acordou relevarem do assento ocupado, conduziu, como conduziria inevitavelmente, à noção que do acto público se pode fazer uma carreira, em lugar de um serviço prestado às populações e, particularmente, aos eleitores. É certo que o caso britânico vem comparativamente agravado por um sistema que, ao ser uninominal, construiu ao longo do tempo lugares que se tornam pequenos feudos durante tempo indeterminado, porém serve de espelho onde outros parlamentares se deveriam mirar pela similitude de atitudes.
A situação tornou-se de tal maneira explosiva que há casa apedrejadas e pela primeira vez desde o tempo de Cromwell, dois membros da Câmara dos Lordes foram já suspensos.
A ideia que alguém que cumpre uma actividade cívica deva ser remunerado por ela pode não estar de todo errada, mas essa remuneração deve ser tão somente a necessária para que não perca socialmente com o seu préstimo cívico e não uma forma de fomentar e estimular uma carreira que em boa verdade não existe.
Uma pessoa que dedique a sua vida inteira ao serviço da comunidade deve ser valorizada por isso mesmo, pela sua dedicação às populações e não como alguém que ao fim de uns tempos de político 9 às 17, se reforma, que entretanto teve ajudas de instalação, de gastos e outras mordomias, mais ou menos legais. O corolário disso é, como se viu agora no Reino Unido, o pagamento de hipotecas, de jardins, de instalações eléctricas ou até de pequenos gastos pessoais, ou aqui no nosso país com viagens fantasmas e trocas de bilhetes, admitindo que se ficou por aqui.
Quem assim agiu não é, podemos admitir na maioria dos casos, uma pessoa fundamentalmente mal intencionada, nem eu consideraria mal intencionado alguém que gasta ao Estado 87 cêntimos em duas latas de comida para cão, é uma pessoa que está de tal maneira entranhada num sistema que não é da sua responsabilidade que é incapaz de ver o seu grau de injustiça e iniquidade social.
A Democracia Ateniense, com todos os defeitos que tinha, acabou porque o valor da transacção sobrepôs-se ao dever cívico. Os parlamentos anteriores às reformas burguesas estavam indissociavelmente ligados a quem tinha dinheiro para se dar ao luxo de prosseguir vidas públicas. Os actuais, por não terem sabido ou querido evitar a profissionalização da política, criaram uma casta de governantes que em nada ou muito pouco se identificam com os governados, que enveredam pela vida pública sem noção de serviço público e que, concomitantemente usam e abusam do Estado em proveito próprio e das suas clientelas. O Parlamentarismo está definitivamente doente, mais do provavelmente porque está há muito anquilosado. A verdade é que o Povo soberano já não se compagina inteiramente com a representação. Pode o Povo governar mais directamente? Pode, mas o quadro institucional tem de ser profundamente alterado.
O Boato. Ainda miúdo ouvi uma máxima, que nunca mais esqueci, que me pareceu e parece ainda provida do maior senso. Dizia essa máxima que o Boato é a arma da reacção, é preciso esmagar o Boato. Com efeito de boato têm feito carreira algumas das mais notórias personalidades portuguesas, a maior parte delas tidas até por não de direita, mas sistematicamente utilizando o boato como forma de se promoverem, especialmente quando pelos seus actos se encontram particularmente mal vistas pelo povo.
Estive, como aliás estou sempre, nas festividades do primeiro de Maio. Estive no desfile da CGTP, porque nunca poderia ter estado com pessoas que assinaram e avalizaram o Novo Código Laboral, que não só penaliza fortemente os trabalhadores como tem erros de palmatória que, se quem assinou não viu só pode dever-se à subserviência e seguidismo em relação ao poder que vêm à várias décadas demonstrando. Estive mas confesso que não vi a entrada em cena do candidato do PS, nem as cenas imediatamente seguintes. Só já a caminho de casa vim a saber da sarrafusca e já só em casa vim a assistir à indignação do PS contra a CGTP e pasme-se, o PCP.
Quando ouvi isto ainda fui levado a ver Vital Moreira a ser duramente fustigado à cartonada por um bando de militantes comunistas de cartão em punho, com a respectiva cota paga. Mas fiquei desiludido quando tudo o que a televisão me deixou ver foi um Vital em fuga, seguido de uns populares de cara rabicunda, mas nem um só cartão para amostra.
Tiraram, o candidato e o PS, a conclusão que mais se ajeitava para apresentar ao mundo mais uma “vítima” do Comunismo. Um dizendo que era por ser ex-comunista, os outros porque pensaram remendar assim os buracos de uma tolerância que não têm. Se a tivessem saberiam, mais do que perfeitamente, que na Almirante Reis não estão só militantes Comunistas e que quem quer que tivesse arreado no Vital poderia ser bloquista, socialista, ou mesmo sem qualquer “ista”. Tudo porque é perfeitamente natural que quem se vê no desemprego, na precariedade, ou atirado para a sobre-exploração ou a pobreza, tenha mais do que indignação e ressentimento em relação a quem apostolou, defendeu, e apadrinhou as leis que a ela levaram.
A ida do candidato do PS ao Primeiro de Maio da CGTP não foi, portanto, à partida inocente, foi provocatória, de quem esperava este desfecho e sabia perfeitamente a quem tentar lançar as culpas procurando uma vitimização a que não tem direito. Ao boato assim construído responderam logo a UGT e todos os partidos de direita, pois que todos lucram com a coisa, respondeu mais timidamente o Bloco, não se vá dar o caso de mais tarde tentarem com ele também, contudo não será por muito se gritar chuva, que ela caia de um céu radioso. É preciso esmagar o boato!