quarta-feira, 25 de junho de 2008

Homenagem a quem resiste

Não gosto de colocar textos de outros blogs aqui. Não me parece que um blog deva reproduzir algo de um outro. Acontece que o texto sobre os Rosenberg, tinha tudo o que eu poderia desejar para prestar a justa homenagem a estas vítimas do Capitalismo. Mais umas daquelas que tão facilmente são esquecidas e descontadas.
Não vou nem iria fazer uma contabilização de mortos. Cada caído na luta vale por si mesmo e por esse colectivo de lutadores que ao longo de gerações vão travando o passo ao Capital em nome de uma sociedade mais justa.
Fica aqui então o texto do www.vermelho.org.br


Julius e Ethel, uma tragédia americana

"Só a luta organizada contra os traficantes do ódio pode salvar a paz e a liberdade” – Julius Rosemberg

“Há uma sombra toldando a alegria. Pesa uma grave apreensão sobre a consciência dos povos. Não se trata de milhões de vidas. São duas apenas. No entanto, não é uma questão de número, mas de princípios que está em jogo”. Editorial do jornal comunista Imprensa Popular de 14 de junho de 1953

Na noite de 19 de junho de 1953, centenas de pessoas ainda se concentravam do lado de fora da prisão de Sing-Sing. Portavam faixas e cartazes exigindo a libertação dos acusados, que em poucos minutos deveriam ser executados. Alimentavam esperanças de que as mãos dos carrascos não cumpririam a sentença e que o indulto viria. Mas, às 20 horas e 4 minutos as luzes do presídio fraquejaram. Era o anúncio da tragédia. Julius e Ethel estavam mortos.

Pelas páginas do Liberation, o filósofo Jean-Paul Sartre gritou sua indignação: “Vocês americanos são coletivamente responsáveis por esse assassinato. Alguns por o terem patrocinado, outros por tê-lo consentido. Vocês permitiram que a América se tornasse o berço de um novo fascismo”.

A Guerra Fria e o Macartismo

Aqueles eram anos difíceis para as correntes pacifistas e socialistas nos Estados Unidos. No plano externo a política do imperialismo era marcada por uma febril preparação guerreira contra a URSS; no plano interno pelo incremento de um clima de terror favorável a guerra, fazendo surgir uma lucrativa indústria do anticomunismo.

Em 1947 foi estabelecida a Ordem de Lealdade e o obscuro senador Joseph McCarthy apareceu na cena política norte-americana reativando o famigerado Comitê de Atividades AntiAmericanas. O objetivo era investigar as atividades de cidadãos suspeitos de possuírem idéias progressistas e de manterem relações com entidades que se posicionavam contra os interesses do governo dos Estados Unidos, ou melhor, contra
os interesses de sua política imperialista.

Pelos tribunais, dirigidos por McCarthy e seus sequazes, passaram nomes como Charles Chaplin, Bertolt Brecht (ambos expulsos dos EUA), Tenesse Willians, Orson Wells, Elia Kazan e outras centenas de artistas e intelectuais, muitos dos quais processados apenas por demonstrarem simpatias pelas causas mais avançadas ou se posicionarem contra a histeria anticomunista e os preparativos para uma nova guerra mundial.

Em 1948 o Partido Comunista dos Estados Unidos foi colocado na ilegalidade e seus dirigentes processados e presos. A democracia liberal norte-americana mostrava ao mundo a sua verdadeira face.

O Caso Rosemberg: O Processo e a Farsa

No dia 29 de agosto de 1949 a União Soviética explodiu o seu primeiro artefato nuclear, quebrando o monopólio dos Estados Unidos e limitando assim o poder de coerção que este país exercia sobre os povos do mundo desde 1945. No mesmo ano o povo chinês, liderado pelo comunista Mao Tsetung, derrotou o imperialismo, instaurou a República Popular e iniciou o processo de construção do socialismo. Em 1950 teve início a Guerra da Coréia, no qual o imperialismo norte-americano investiu todas suas fichas e acabou não conseguindo a vitória esperada: a Coréia do Norte sobreviveu e também se enveredou pelo caminho do socialismo.

Os EUA, que tinham sua política externa baseada no monopólio da bomba atômica, se viram enfraquecidos e desmoralizados por sucessivas derrotas. Isto os levou a endurecer ainda mais a sua política interna anticomunista.

Deste modo foi se forjando um plano diabólico para jogar a responsabilidade por todos os graves problemas que vinham atravessando o governo norte-americano nas costas dos comunistas. E quem melhor para assumir a culpa pela quebra do monopólio nuclear, e pelos revezes na China e na Coréia, que dois jovens cientistas, filhos de trabalhadores imigrantes judeus, com ligações com o Partido Comunista? Os homens do Pentágono e da Casa Branca já haviam encontrado os culpados: seus nomes eram Ethel e Julius Rosemberg.

Contra eles pesava também o seu passado. Ethel e Julius, quando jovens, haviam participado ativamente da campanha de apoio à República espanhola e se envolveram em atividades antifascistas e de solidariedade aos operários que foram demitidos por razões político-ideológicas. O próprio Julius foi uma vítima destas perseguições e acabou sendo demitido pela simples suspeita de ser membro do Partido Comunista dos Estados Unidos.

Em 17 de julho de 1950 Julius Rosemberg foi detido e menos de um mês depois seria a vez de sua esposa Ethel cair nas mãos da repressão. O processo contra o casal rapidamente se transformou numa peça de propaganda anticomunista mais primária. As suas bases se reduziam a duas únicas e frágeis evidências: a declaração incriminatória de David Glenglass, irmão de Ethel e ex-funcionário do Centro de Energia Atômica de Los Alamos; e uma velha escrivaninha, encontrada na casa dos Rosemberg, que a acusação afirmava ter vindo da URSS e que serviria para guardar os planos roubados – prova “inequívoca” de sua ligação com o comunismo internacional. Durante o processo várias provas contra o casal foram falsificadas pelos agentes do FBI, comandados pelo reacionário Edgar Hoover.

A defesa dos Rosemberg foi assumida pelo advogado progressista Emmanuel Bloch. Este, de maneira brilhante, desmantelou todas as provas contra os acusados. A carta-denúncia de David comprovou-se ter sido escrita sob ordens diretas do FBI. Quanto a escrivaninha, comprovou-se ter sido comprada em Nova Iorque por 21 dólares. Uma nova desmoralização para o FBI. Desfaziam-se, assim, as provas “contundentes” contra os Rosemberg.

Enfurecido o governo norte-americano passou a acusar e a perseguir todos aqueles que apresentassem simpatias pelo casal e por tudo aquilo que eles representavam. “Quem defenderia comunista senão comunistas?”, afirmavam McCarthy e Hoover.

Einstein, o maior físico contemporâneo, e Harold Hurey, ambos familiarizados com as pesquisas atômicas, apresentaram-se como testemunhas de defesa, propondo-se desfazer o mito do segredo atômico. Afirmavam que a URSS já possuía todas as condições para construir, com suas próprias forças, a bomba atômica. Propuseram a testemunhar sobre a incapacidade do casal em trabalhar com tal nível de tecnologia e, portanto, transmiti-la a quem quer que fosse. Mas, os seus testemunhos foram recusados pelo tribunal e Einstein foi colocado na lista dos inimigos dos EUA.

A brilhante defesa de Bloch e todas a provas da inocência dos acusados de nada valeram. A sentença já estava pronta desde o primeiro dia nas mãos do juiz conservador Irving Kaufman. Uma sentença forjada nos porões do poder norte-americano. E em 1951 os Rosemberg foram condenados a morte na cadeira elétrica.

Uma Justiça de Assassinos

“Nestes últimos dias, é necessário que o protesto contra esta bárbara injustiça atinja vulto sem precedente na História. Só assim é possível deter os carrascos que a esta hora confabulam na sombra, temendo a opinião pública mundial”, afirmou o editorial do jornal comunista brasileiro Notícias de Hoje de 14 de junho de 1953.

Diante da condenação, o mundo inteiro se consternou e se solidarizou com os jovens encarcerados. Até mesmo o papa conservador Pio XII intercedeu junto ao governo norte-americano por suas vidas. A mesma coisa fez o arcebispo de Paris e o presidente da Assembléia Nacional da França.

Milhares de religiosos e personalidades de todo o mundo enviaram solicitação de indulto. Intelectuais como Einstein, Brecht, Picasso, Sartre enviaram o seu apoio ao casal e organizaram uma campanha internacional de solidariedade. A Casa Branca viu-se inundada por centenas de milhares de cartas e telegramas de protesto.

As grandes manifestações se sucederam. No dia 11 de junho de 1953 duas mil pessoas se reuniram em Nova Iorque; no dia 14 foi a vez da Casa Branca ser cercada por 10 mil manifestantes, que exigiam a libertação dos Rosemberg. O centro das atenções nestas manifestações era os dois filhos do casal, Robert e Michael de 12 e 6 anos de idade. No dia 15, o povo inglês realizou o seu protesto na frente da embaixada norte-americana onde deixaram uma grande faixa que dizia “Para que o ideal dos Rosemberg sobreviva, os Rosemberg não devem morrer”.

Por quatro vezes o pedido de revisão de processo foi lhes negado, o indulto presidencial também não viria. Mas, a firmeza dos Rosemberg continuava a espantar a todos, inclusive seus inimigos, aumentando o respeito mundial pelo casal.

Então, o governo dos Estados Unidos, desesperado e isolado, apresentou a sua última proposta: “digam-se culpados de espionagem, mas arrependidos e serão perdoados, escapando assim da morte na cadeira elétrica”. Foi Ethel que respondeu aos seus carrascos: “Somos inocentes (...) Esta é a absoluta verdade. Renegar a esta verdade seria pagar um preço demasiado alto (...) porque com uma vida assim comprada não poderíamos viver com dignidade e respeito. Não somos mártires, nem heróis e nem aspiramos a sê-lo. Não queremos morrer. Somos jovens, demasiados jovens, para morrer”. Na sua última mensagem ainda afirmaria: “Não estou só, e morro com honra e dignidade, sabendo que meu esposo e eu seremos reivindicados pela História”.

Na noite de 19 de junho de 1953 os Rosemberg, com dignidade e honra, foram executados na cadeira elétrica. Sob suas tumbas Emmanuel Bloch, traduzindo a opinião pública mundial, afirmou: “Não se fez justiça, devemos nos indignar (...) A justiça no caso dos Rosemberg foi uma justiça de assassinos”.

Um Grito Contra a Injustiça

As notícias da tragédia causaram uma profunda indignação nas consciências progressistas de todo o mundo; em especial, entre as forças socialistas e proletárias. Na cidade de Paris, milhares de trabalhadores, convocados pelos jornais comunistas, realizaram um grande ato de repúdio diante da embaixada norte-americana. Nos choques que se seguiram centenas de manifestantes foram presos e um caiu baleado.

Em Roma, dois mil trabalhadores manifestaram-se pelas ruas da cidade até a meia-noite, quando foram dispersados pela polícia. No dia seguinte os trabalhadores paralisaram suas atividades por alguns minutos. Era a última homenagem que a classe operária italiana prestava aos dois mártires da causa da paz e da liberdade.

Em Londres, milhares de pessoas se concentraram no Hyde Park e quando o Big-Ben anunciou uma hora da manhã a multidão dedicou-lhes dois minutos de silêncio, não havendo maiores incidentes. Mas, em Dublin, populares enfurecidos passaram a depredar as instalações das agências de notícias norte-americanas. A classe operária de vários países deu, mais uma vez, uma resposta à altura ao banditismo da justiça e do governo norte-americanos.

O Exemplo dos Rosemberg Resiste

Os Rosemberg morreram, mas o seu exemplo de vida e de luta continuou a iluminar o caminho de milhares e milhares de homens e mulheres, combatentes da liberdade e do socialismo.

O macartismo, representante do velho contra o novo, graças à pressão da opinião pública mundial não pode se manter e teve de ser desmantelado, ainda que provisoriamente. O próprio McCarthy, desmoralizado, acabou sendo processado por abuso de poder e condenado a obscuridade da qual jamais deveria ter saído. Os senhores do império viram-se obrigados a se livrar de um incômodo aliado, que até então lhe servira tão bem.

Atualmente, sob a administração Bush, vivemos à sombra do renascimento do fascismo nos Estados Unidos. Sob o manto do combate ao terrorismo se desrespeitam os direitos humanos e se arquitetam planos de dominação mundial e novas guerras de conquista. Por isso afirmamos que, mais do que nunca, os ideais pelos quais viveram e morreram os Rosemberg continuam vivos. E um dia, mais cedo ou mais tarde, a História transformará em realidade a profecia que Ethel fez a seus filhos, pouco antes de sua morte: “Alegre e verde, meus filhos, verde e alegre será o mundo sobre as nossas campas”.

Que assim seja!

quarta-feira, 18 de junho de 2008

As alterações ambientais e a superação histórica dos sistemas económicos



Não existe natureza no seu estado primordial. A ideia de que os princípios ecológicos e ambientalistas defendem uma natureza pristina está, de um ponto de vista científico, completamente errada. Todo o ambiente actual é fruto da acção do homem, quer pela apropriação dos recursos, quer pelos resultados dos seus processos de transformação.

Desde que as sociedades deixaram os processos recoletores e passaram a produzir bens para o seu consumo, alteraram radical e irreversivelmente o meio natural à sua volta; Alterando as características das espécies; Alterando a morfologia e composição dos solos; Alterando o coberto vegetal; E, alterando em última análise a própria composição da atmosfera.

A alteração dos sistemas económicos dá-se quando se esgotam as possibilidades de exploração e transformação das matérias primas. Normalmente, este fenómeno dá-se quando, de um ponto de vista tecnológico não é mais possível avançar na exploração de um ou de mais recursos, ou quando a alteração do meio é de tal forma radical que afecta gravemente as possibilidades de rendimento da exploração do trabalho humano.

A mudança do paradigma Esclavagista, enquanto principal modo de produção (e não nos podemos esquecer que sob certas formas subsiste até aos nossos dias), para o modo Feudal, dá-se quando o exaurir dos solos de maior produção, e desaparecimento em massa de espécies (fruto da depredação incontrolada do recurso), aliado aos fenómenos de assoreamento, derivados das acções de alteração e gestão dos recursos hídricos, impossibilitam as actividades comerciais marítimas. O depauperamento da circulação fiduciária e mercantil torna impossível o trabalho dos artesãos e, subsequentemente do produto acabado.

A resposta que o Feudalismo produz, prende-se com a propriedade da ferramenta. É um facto que do ponto de vista tecnológico isto representa um retrocesso na capacidade de exploração do recurso, mas representa ao mesmo tempo uma exploração de menor impacte. O trabalhador deixou a condição de escravo trabalhando com ferramenta alheia (ou operando sistema de propriedade alheia) a troco da sua subsistência mínima, mas passa à condição, ele próprio, de parte inalienável da propriedade, explorando-a para o Senhor, mas proprietário da sua ferramenta e extraindo ele mesmo a sua subsistência.

A incapacidade deste modo de produção em dar resposta a eminente desarborização da Europa, e aos sucessivos aumentos da população, no que estes representavam de pressão sobre o recurso finito, criou as condições para o aparecimento de uma nova classe, ligada primeiro às artesanias dos burgos, e posteriormente à manutenção de assalariados. Esta ao transformar bens em mercadoria de uma forma sistemática, gerou a criação de mercados e a acumulação de Capital de investimento, capaz de ser empregue em formas de diminuir os custos de exploração dos recursos, tornando-os a um tempo mais acessíveis, mas também mais lucrativos.

Pelo que representavam de utilização de mão de obra extensiva e resistência à introdução de novas formas de exploração dos recursos quer o que restava do esclavagismo, quer do feudalismo é sistematicamente combatido pela Burguesia em ascensão, quer esta luta se apresente como o abolicionismo, quer como a Lei dos “open fields” britânica.
Estas situações garantiram uma mão de obra crescente, livre, mas que depende para a sua sobrevivência, do aluguer da sua força de trabalho, operando ferramenta ou sistema alheio, a troco de um salário abaixo do valor do que produziu, e em condições extremamente degradantes, que hoje subsistem em inúmeros países em vias de industrialização.

De novo as alterações do ambiente se prendem com a necessidade de produzir mais e menor custo e, por força da necessidade de consumos sempre crescentes sem os quais não existe circulação fiduciária e acumulação de Capital, ao desperdício.

Os crescentes fenómenos de poluição, destruição de solos, meio hídrico, biodiversidade, prende-se assim com a utilização crescente de tecnologias que tornam mais barata a exploração de matérias primas, mais baratos os custos da transformação (por substituírem o trabalho humano) e por crescentes sociedades de consumo. Estes são os pilares da degradação social e ambiental, por força do crescimento de uma economia que vive em função da acumulação.

A tendência ao esgotamento dos recursos a que assistimos, aliada à alteração significativa das condições climáticas, fruto da sobre-exploração dos recursos, voltam a colocar a humanidade face à necessidade de uma racionalização de produção e consumo, afastando-as da ideia da oferta e procura, ou seja da ideia da auto-regulação do mercado.

Hoje em dia é por demais evidente que o mercado livre e desregulado, não dá respostas a nível social e ambiental e agrava de forma clara a vida no planeta, e que criar mercados, como o biocombustível, para atalhar às questões de esgotamento e subida de preços dos combustíveis tradicionais é, não só ambientalmente como socialmente perversa, como se verifica pelo aumento em escalada dos produtos cerialíferos, nos chamados mercados de futuros, mas com repercussões sociais gravíssimas na actualidade. Mas o que é verdade para os biocombustíveis, é verdade também para os produtos carboníferos, como a hulha (mas até a lenhite) que haviam sido abandonadas, nos anos 80, como pouco rentáveis, colocando no desemprego milhares de trabalhadores em Inglaterra, França, Bélgica e Alemanha.

Desta forma, é fácil por em evidência que nem a Natureza é um valor intocável, pois cada acção humana é transformadora da mesma, nem é possível prosseguir a sua exploração de uma forma que visa apenas a acumulação de Capital. Bem pelo contrário ela tem de ser suporte da satisfação das necessidades humanas, sendo a economia utilizada como um mediador entre as capacidades de carga do Planeta e essa mesma satisfação. Mas não é isso mesmo a sustentabilidade?

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Não se apagam 100 anos com assinaturas



Quando frequentava o 10º ano do secundário, o livro de inglês então em uso tinha, numa das lições, a figura de um relógio dividido em três partes, com a seguinte inscrição: “Eight hours labour, Eight hours recreation, Eight hours rest” (Oito horas trabalho, Oito horas lazer, Oito horas descanso). Esta era a reprodução de um cartaz do século XIX, da luta dos trabalhadores pela semana das quarenta e oito horas de trabalho.

Durante os cem anos seguintes, esta e outras reivindicações, consagraram coisas como a semana-inglesa, o décimo terceiro mês ou as férias pagas, fruto de lutas travadas em condições muito duras e com grande sofrimento, às quais não estiveram alheios os avanços das ideologias e governos de esquerda que, não sendo todos marxistas, se comportaram à altura da defesa dos trabalhadores e dos mais necessitados.

Porém com o fim do Bloco Soviético, rapidamente o capital vislumbrou deixar de ter necessidade de satisfazer as reivindicações dos trabalhadores, acreditando ter deixado de existir o perigo de uma revolução.

Desde então os direitos dos trabalhadores, socialmente mais do que justificados, têm vindo a ser atacados e desbaratados. Agora, com o acordo assinado no âmbito da UE, que consagra a semana das 65 horas, pretende-se apagar, à força de assinaturas de governantes, mais de cem anos de luta dos trabalhadores. Falharão, como antes falharam, pois as necessidades humanas não se conjugam com as velhas ideias que nos tentam vender por modernidades, e no fim o povo sai mesmo à rua.

A ideia que a produtividade pode ser comparada com países onde a situação é de semi-escravatura ou mesmo de escravatura, em tudo menos formal, é absolutamente falaciosa. Quando não se tem direito a praticamente nada tudo o que se produz, em horários incertos a valores insignificantes, é óbvio que se tem uma produtividade aparentemente muito alta, mas os custos sociais são absolutamente inaceitáveis, já para não falar nas externalidades ambientais, que tornam absolutamente degradantes as condições nos países que mais altas taxas de crescimento apresentam.


hunter colliery, fonte: Newcastle region Library

Não é possível atingir produtividades dessa ordem e manter a dignidade de quem vende a sua força de trabalho, e entender ser esse o caminho nada tem de preocupação social, bem pelo contrário. Porém todos sabemos que aos nossos governos não importa convergências reais de espécie nenhuma, basta parecê-lo.

A tentativa de diminuir direitos sindicais, de diminuir a protecção social, de obrigar os trabalhadores a condições sociais cada vez mais próximas do o século XIX, é a tentativa de garantir “a quem investe” cada vez mais ganhos. Aliás os dados apresentados no Público de hoje (16/06/08) vem confirmar completamente aquilo que os comunistas vêm dizendo há bastante tempo – Com a entrada na Comunidade Europeia os desequilíbrios sociais do nosso país agravaram-se até níveis do Governo de Marcelo Caetano –. Ou seja o tipo de modelo de desenvolvimento seguido foi o mesmo e com o beneplácito das democracias ocidentais. Democracias ocidentais às quais os interesses dos povos dizem muito pouco, como se pode constatar pela barafunda que reina dentro da UE desde que se tenta por força impor um tratado constitucional de tendência federalista, que limita os direitos de gestão de alguns povos em detrimento de alguns governos, porém essa é uma outra história.


Eight Hours por Ricardo Levins Morales

A absoluta necessidade de defender os direitos, não só as oito horas, mas todas as outras conquistas sociais, que no nosso país aparecem intimamente ligadas ao vinte e cinco de Abril e particularmente ao Período Revolucionário Em Curso, está intimamente ligado também à necessidade de definir padrões de luta em que se revejam e enveredem os trabalhadores os países em vias de industrialização.

Este texto resulta da revisão da minha coluna no "Registo", pelo facto de nesta só poder desenvolver até 1500 caractéres

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Direitos não são privilégios

Continuarei a publicar aqui a minha coluna no Registo, sem prejuízo da consulta do jornal em Registo On-line. Esta aparecerá sempre com o cabeçalho identificativo da mesma na publicação, em lugar da cópia da coluna como aparecerá hoje.



“Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas e ideológicas, têm direito: (…) À organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;” Constituição da República Portuguesa, Titulo III, Cap. 1, Art. 59º N.º 1, alínea b)

Em qualquer país, em que a Constituição significasse um princípio basilar de orientação da governação, estas palavras seriam mais do que suficientes para deitar por terra os objectivos orientadores do Código de Trabalho proposto pelo Governo Sócrates.

A ideia de horários flexíveis, em que se aumenta a jornada de trabalho, quando existem picos de produção, mandando os trabalhadores para casa quando é menor o esforço produtivo; A criação da figura da disponibilidade do trabalhador para as horas determinadas pelo patronato, no local onde o patronato indicar, independentemente de ser hoje em Faro e amanhã em Bragança; Ou a ideia da desregulamentação de horários, deixando os horários nocturnos ou de fim-de-semana de representar horas extraordinárias (que podem ser pagas em dias como aliás inaugurou a socialista e bloquista Câmara de Lisboa, com os trabalhadores do município a trabalhar no Rock-in-Rio); São a demonstração cabal que a vida familiar, bem como a saúde física e mental, dos trabalhadores são do completo desinteresse do nosso poder executivo e da maioria que o sustenta, mesmo que seja, em parte, uma das que aprovou a Constituição.

Mas o atropelo não chegou. Achando que se havia feito pouco, entendeu que também era necessário limitar os direitos de intervenção dos Sindicatos na contratação colectiva. Normalmente esta servia para permitir aos trabalhadores ter força suficiente para negociar condições mais vantajosas do que a lei geral, mas como o que se intenta é que se negoceie ainda abaixo das condições da lei geral, criou-se também uma porta travessa, que permite isto mesmo. Ainda que isso contrariasse a as disposições do N.º 3 do artigo 56º da Constituição – “Compete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei”. E o mais grave é que quem congeminou isto não é, ou não se diz, correligionário da Sr.ª Thatcher.

Não deixando para depois o que pode fazer já, alardeou-se o combate à precariedade, através de um sistema de multas para quem tenha trabalhadores de facto em regime de recibo verde, o que seria muito positivo, se as multas não fossem de tal forma que não servem de desincentivo a ninguém, e…pasme-se de prémios sobre os descontos para a segurança social para quem cumpra a lei. Mas cumprir a lei não é nenhum favor que os empresários fazem ao Estado. Cumprir a lei é o dever de todo o cidadão, ou então todo o cidadão cumpridor da legalidade terá de exigir ao Governo uma legislação que o premeie de alguma forma. Ou então, seguiremos todos, as palavras de Ghandi, e assim a nossa obrigação cívica será desobedecer a esta lei injusta.

terça-feira, 10 de junho de 2008

A Crise Global e o Internacionalismo Proletário

Fonte www.revistaforum.com

“Operários de todos os países, uni-vos!”

A mais do que conhecida frase de Marx dá o mote para os objectivos da Revolução, a construção de uma sociedade sem exploradores nem explorados em todos os cantos do planeta. A obrigação solidária dos trabalhadores é, portanto, de auxiliar os seus irmãos de classe em todo o Mundo a fim de se obterem os resultados pretendidos.
A ideia que isso se traduz de alguma forma em Super-organizações que lutem pelos interesses das classes trabalhadoras em todo o mundo de igual maneira está, contudo votada ao fracasso. Não podemos esperar que as resoluções dos problemas do operariado e campesinato, chinês, canadiano, congolês ou tobaguenho, sejam exactamente a coisa. Os diferentes graus de necessidade e de exploração criam realidades de postura perante o patronato, perante a legislação diversa, ou mesmo perante a capacidade reivindicativa, ou mesmo sobre o que reivindicar, tão diversas que ter a pretensão de as colocar ao mesmo nível seria, no mínimo imprudente.
Uma luta Mundial, que coloca de igual forma as reivindicações, ou as coloca num nível ainda tão básico, que não poderá satisfazer as aspirações dos proletariados dos países industrializados, ou então ser completamente incompreensível e inaceitável para os proletariados dos países não desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento.
A ideia que os Fóruns Sociais Mundiais colocam a questão da globalização dos direitos, é um pesadelo que não só não tem permitido avançar as lutas, como tem contribuído para a desmobilização e desunião dos trabalhadores de todo o mundo. Como falar de serviços de saúde a quem não tem nem um salário que lhe permita sobreviver todos os dias do mês? Como falar de férias pagas a quem não tem sequer uma habitação digna? O que fazer com organizações sindicais internacionais, quando países existem onde os sindicatos são pura e simplesmente proibidos? Mas é claro que também não combateremos a deslocalização da produção colocando fasquias tão baixas que degradariam irreversivelmente níveis de conforto, que são direitos de que os trabalhadores não estarão dispostos, felizmente, a abdicar, especialmente porque por eles lutaram duramente durante gerações.
Não deveria ser este o caminho dos Fóruns Sociais. Não será por se desacreditarem como ferramenta de mudança, que estes acontecimentos poderão contribuir para a superação social histórica, para a qual trabalham milhões de homens e mulheres no planeta, bem ao contrário. O papel destes fóruns deveria ser o da troca de experiências, de conhecimentos, de processos de luta, e até de debate ideológico relacionado com as várias posturas e tradições de luta.
O Movimento Comunista é, e historicamente continuará sendo até à concretização da sua ideia fundamental, de uma diversidade ideológica e metodológica incomparável. Mas essa diversidade, que constitui a sua riqueza, constitui também a sua principal fraqueza, e mais que isso, provoca com facilidade atitudes que se desligam dos vectores Marxistas que balizam o movimento, entrando-se facilmente em neo-radicalismos, que vêm culminando em fenómenos neo-proudhonistas.
Pelo que tem de atractivo respostas de acalmia social rápida e expedita; Pelo que aparentam de soluções sociais, sem tocar nos alicerces do Estado Burguês, estas propostas têm tido alguma preponderância dentro destes fóruns. Mas a verdade é que os seus sucessos são tremendamente limitados, e a progressão material, social, e educacional, de pequenas comunidades, está muito distante de ser uma resposta à brutal exploração que a humanidade vêm sofrendo com a globalização económica.
A uma globalização de exploração tem de se contrapor uma globalização de direitos, é um facto. Mas estes só podem ser assegurados, garantindo níveis de luta compatíveis com as diferentes realidades. Só através do conhecimento e da experiência própria é possível garantir a consciencialização das classes trabalhadoras, porquanto esta não se faz por decreto. Daí que é a passagem desta informação e a formação teórica de quadros que é o papel revolucionário a desempenhar pelo Fórum Social Mundial. Só que não tem sido isto o que se tem visto.
As convergências inter-sociais apregoadas tiveram, um pouco por esse mundo, resultados catastróficos para as aspirações dos trabalhadores, ao qual não se exime o nosso país. A recente paralização da frota pesqueira, que reuniu pescadores das mais diversas classes, desde o pescador da pesca artesanal, até ao armador, mostrou de forma clara que, a partir do momento que viram mitigadas situações do seu interesse (que se prendiam com a diminuição de descontos para a segurança social) os armadores puseram fim à greve, deixando os pequenos pescadores sem as suas reivindicações (que se prendiam com o custo dos combustíveis) satisfeitas. Acontece que estas eram as principais que haviam dado origem ao movimento.
Da mesma forma a paralização das frotas de camionagem, aliam segmentos sociais muito diferentes. O objectivo comum que apresentam é também extremamente frágil face à miríade de objectivos que os detentores das frotas têm. Não será de espantar que depois de utilizar a força dos trabalhadores para atingirem dois ou três objectivos paralelos, os proprietários das transitárias ponham fim à greve, deixando sem satisfação os trabalhadores, quer os por conta de outrem quer os por conta própria, deixando-lhes também o ónus das alterações da “ordem pública” que vierem a suceder.
Não se pode, portanto, pôr tudo dentro do mesmo saco, apenas porque existem reivindicações convergentes. É necessário ver antes disso quais as prioridades das lutas, a hierarquização dos objectivos e a análise das condições reunidas para avançar com esses processos. Fora isso, tudo o que fica são mesmo as palavras.

terça-feira, 3 de junho de 2008

"A aparência de riqueza"




O artigo que se segue é, fora algumas correcções de linguagem que em nada alteram o sentido, a reprodução da Coluna de política que passei a assinar todas as semanas para o jornal "Registo". Sem prejuízo de o poderem comprar, e tendo em conta que ainda não chega a todo o lado, podem consultá-lo em www.registo.com.pt. Espero que o mesmo sirva para esclarecer, informar e permitir que todos formem as suas opiniões críticas...afinal é para isso que a informação serve, ou deveria servir


“…a acumulação Capitalista dá-se em dois pólos: Num pólo a acumulação de riqueza, no outro a acumulação de miséria. É a acumulação de miséria que torna possível a acumulação de riqueza. Cada Escudo acumulado nas fortunas dos capitalistas é um escudo tirado ao estômago e ao bem estar das famílias de trabalhadores.”

Ao tempo em que Álvaro Cunhal escreveu “Rumo à Vitória”, calculava-se oficialmente que o Produto Interno Bruto estaria distribuído em 60% dos rendimentos para o capital e 40% para os salários. Isto fazia com que Portugal fosse em Abril de 64 um dos países com maior desigualdade a nível da distribuição de riqueza.

Hoje em 2008, a distribuição do mesmo PIB cifra-se entre 63%, 37%. Não se pense que esta cifra é algo que tem andado à roda destes valores nos últimos 40 anos. Na verdade durante um breve período após o 25 de Abril esta tendência havia-se invertido tendo o factor trabalho obtido uma parte significativa da riqueza do país.

Contudo as politicas económicas seguidas pelos Governos Constitucionais, vieram sempre no caminho do favorecimento da reconstituição dos grandes grupos económicos, primeiro os nacionais e posteriormente os transnacionais, quando os primeiros foram sendo engolidos pelos segundos. Esta reconstituição veio na senda da grande máxima de Salazar; transferir riqueza de quem consome para quem investe. Ou seja tornar o país aparentemente mais rico contendo ferreamente o consumo em detrimento da acumulação de capital, pois só assim se conseguiria massa critica para um sistema produtivo forte.

As premissas salazaristas de uma população a quem todas as regalias fruto do valor do seu trabalho eram negadas para que se produzissem bens de exportação, que já não resultavam ao tempo, devido à falta de um investimento no material e na formação, falhavam mais ainda num mercado aberto, invadido por bens produzidos com menores custos, que a Comunidade Europeia impunha, mas que praticamente liquidou o fraco tecido produtivo nacional.

Um mercado aberto, onde se procura deter a inflação através da contenção salarial, não é sequer um mercado. Um verdadeiro exigiria um tecido produtivo tecnologicamente moderno e um pesado investimento no aumento de competências através da formação, o que não foi de todo feito, e exigia uma repartição de riqueza gerada que fizesse funcionar o consumo nacional, o que constituiria a primeira base de escoamento da produção, permitindo-lhe enfrentar as flutuações dos mercados internacionais.

Estas premissas, nem sequer são socialistas, quanto mais comunistas, são apenas premissas de um capitalismo liberal do tipo europeu ocidental. Só que, no afã de satisfazerem as exigências das oligarquias económicas derrubadas com a revolução, a direita portuguesa, que nunca soube ser mais do que saudosista, e o Partido Socialista, que temeu sempre não conseguir penetrar no espaço eleitoral da direita, com quem alias preferencialmente se coligou, seguiram sempre o modelo que estava mais de acordo com os interesses destas em reconstituir os seus reinos económicos, mesmo sem as suas vertentes coloniais.

Daí que não seja de espantar que, sem as matérias-primas das colónias, e procurando retomar e manter o estado da sua “pujança”, que animava já então a bolsa em tempos de “primavera marcelista”, o Capital português (e depois cada vez mais estrangeiro, mas pretendendo obter ganhos consistentes com os dos seus antecessores), tenha pressionado os sucessivos governos para manter ou e possível aumentar a sua fatia da riqueza que abocanhava. Ora isto só poderia ser conseguido aumentando também a pobreza, daí que não seja de espantar o relatório da situação social da União Europeia, que nos coloca como o país mais desigual da União, só a par da Lituânia. Que belo prémio para o nosso povo.